O Peso do Nome Fontes

Vinícius Fontes olhava pela janela de vidro de seu novo escritório no 22º andar, com uma vista privilegiada de Belo Horizonte. A cidade se estendia em um emaranhado de prédios e movimentação, bem diferente da calma organizada da filial que ele dirigiu em São Paulo. A sede da Orizon Enterprises

 pulsava em outro ritmo. Aqui, os olhos de todos estavam voltados para ele — não apenas como o novo CEO, mas como o sucessor de Rômulo Fontes, um homem temido e respeitado no setor imobiliário há mais de quarenta anos.

Aos 28 anos, Vinícius sabia que seu sobrenome pesava, mas mais que isso, pesavam as escolhas do seu passado. Dos 17 aos 22, ele havia vivido como se o amanhã não existisse. Festas, mulheres, noites mal dormidas, e uma juventude marcada por impulsos. Foi nesse período que conheceu Silva Rodrigues, uma estudante de publicidade, inteligente e divertida, com quem teve um caso conturbado que durou alguns meses. Apesar de nunca terem sido um casal de verdade, ela engravidou. Hoje, a filha deles, Lívia, tinha cinco anos e era a principal razão de Vinícius querer mudar de vida.

Ele se transformou por ela. Quando Rômulo, vendo o desastre iminente, o mandou para São Paulo para assumir a filial da empresa, foi quase um castigo — mas acabou sendo a salvação. Lá, Vinícius amadureceu. Aprendeu a liderar, a ouvir, a observar. Com o tempo, mostrou-se capaz. E agora, com a aposentadoria do pai, retornava à sede para assumir oficialmente o leme.

Vinícius sabia que os olhos do conselho estavam sobre ele. E também sabia que, apesar da cerimônia de transição, nem todos os funcionários estavam preparados para aceitar sua autoridade. Especialmente os que estavam há anos na empresa e se sentiam donos dos próprios setores.

Logo nos primeiros dias, surgiram queixas de vários setores. Ele ouviu com atenção, anotou nomes, analisou relatórios de desempenho e, em especial, resolveu visitar o setor de Recursos Humanos, onde o número de queixas era maior. Lá, esperava encontrar Verônica, a diretora do setor. Mas ela sequer estava presente. Disseram que havia saído para resolver assuntos pessoais — o que acontecia com frequência, segundo alguns comentários velados.

Quem o recebeu foi uma jovem mulher, discreta, de postura séria e olhar cansado, mas atento. Letícia Andrade. A assistente de Verônica.

— Está tudo bem, senhor Vinícius. Eu posso tentar ajudá-lo, se for algo urgente — disse ela, com uma firmeza gentil que lhe chamou atenção.

Enquanto falava, Letícia organizava papéis, atendia ligações e anotava recados com agilidade. Em menos de dez minutos, já tinha buscado uma lista com as fichas solicitadas. Foi impossível para Vinícius não notar como os outros funcionários pareciam ignorá-la, quase a tratavam como invisível. Alguns riam, cochichavam, saíam para o café. Mas ela estava ali, trabalhando.

Curioso, pediu também a ficha funcional de Letícia. Ao se deparar com suas formações, Vinícius franziu o cenho. Graduada em Administração e Recursos Humanos, com duas pós-graduações — uma em Gestão Estratégica de Pessoas e outra em Administração de Empresas.

— E é assistente? — sussurrou para si mesmo, incrédulo.

Naquela mesma noite, levou as fichas para casa e estudou cada uma. Um padrão se formava: quem era próximo de Verônica estava em posições elevadas, mesmo sem qualificação para tal. Havia pessoas com ensino médio incompleto ganhando salários exorbitantes e profissionais experientes escondidos em cargos inferiores.

Vinícius tomou a primeira decisão difícil de seu mandato: transferiu Verônica para a filial de Curitiba, alegando uma reformulação no setor de RH. Verônica protestou, gritou, ameaçou, mas sua ausência no dia seguinte provou mais do que palavras poderiam.

Sem ela, o setor ficou à deriva. E Letícia, perdida em meio ao caos, tomou coragem e foi até sua sala pedir instruções. Vinícius, depois de refletir por alguns minutos, autorizou:

— Você está nomeada interinamente como diretora. Pode acessar tudo o que precisar. Quero um relatório completo até o fim do dia — ordenou.

Letícia não decepcionou.

Naquela tarde, ela reapareceu com dois envelopes: um contendo a folha de pagamento já fechada para os funcionários regulares; outro, com os casos críticos. Ele abriu o segundo e logo sentiu o estômago revirar.

Salários dobrados sem explicação. Faltas justificadas com laudos forjados. Atrasos ignorados. Promoções concedidas sem critérios. Ele estava diante de um sistema corrupto, mascarado por anos de silêncio e conivência.

— Isso tudo foi você quem descobriu hoje? — perguntou, olhando para Letícia com expressão grave.

Ela assentiu.

— E ainda faltam alguns setores para analisar. Mas essas são as principais irregularidades.

Vinícius passou as mãos pelo cabelo e soltou um suspiro.

— Você fez o que tinha que fazer. Eu vou analisar cada caso. Por enquanto, continue com esse trabalho. E mantenha tudo em sigilo. Não quero mais vazamentos.

Letícia concordou e se retirou, deixando Vinícius sozinho com os papéis.

Ali, sentado à cadeira de couro que um dia fora do pai, ele entendeu o tamanho do problema que herdara. Não bastava ser CEO. Teria que limpar a casa. Teria que cortar laços, mexer em privilégios antigos, e enfrentar quem quer que fosse necessário.

Pegou o telefone e ligou para Eduardo, o vice-presidente recém-nomeado e seu melhor amigo desde a faculdade.

— Duda, sobe aqui. Agora.

Minutos depois, Eduardo entrou, sorrindo.

— Fala, chefia. Já querendo me dar mais pepino?

Vinícius jogou os relatórios sobre a mesa.

— Isso aqui é só o começo.

Duda leu os papéis com olhos arregalados.

— Cara... isso é sério. Você vai precisar de respaldo jurídico. Tem coisa aqui que dá justa causa, fraude...

— Eu sei. Por isso te chamei. Vamos precisar agir rápido. Antes que eles comecem a destruir provas.

Eduardo se recostou na poltrona.

— E o que pretende fazer?

— Primeiro, identificar todos os beneficiados. Segundo, convocar uma auditoria interna. E terceiro... manter a Letícia no RH. Talvez de forma definitiva.

— A assistente?

— Aquela mulher é uma máquina. Descobriu isso tudo em menos de um dia. E olha isso aqui — ele mostrou o currículo impresso dela. — Tem mais qualificação que a própria Verônica.

Eduardo assobiou.

— Então nomeia logo, pô.

Vinícius encarou a cidade pela janela. As luzes começavam a acender, o céu tingia-se de tons alaranjados.

— Ainda não. Não posso parecer impulsivo. Preciso armar isso com cuidado. Mas já decidi: Letícia vai subir. Porque é boa. E porque essa empresa não pode mais ser um abrigo de amigos de ex-diretora.

Duda concordou, sério.

— E você? Vai aguentar o tranco?

— Tenho que aguentar. Por mim, pela minha filha... e pelo nome Fontes.

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Comments

Mclaudia Oliveira

Mclaudia Oliveira

Infelizmente é a realidade de muitas empresas 😕😕

2025-05-24

4

Dulce Gama

Dulce Gama

Jesus do céu tomara que ninguém queira fazer algo ruim com Letícia como Eduardo falou tem rolo dos grandes Santa Cruz de misericórdia ♥️♥️♥️♥️♥️👍👍👍👍👍🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁🌟🌟🌟🌟🌟

2025-05-24

1

Erlete Rodrigues

Erlete Rodrigues

isso acontece muito

2025-05-24

1

Ver todos

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