Uma nova Chance...

Letícia subia os andares da Orizon Enterprises com a pasta apertada contra o peito. Seus dedos tremiam levemente, mas seu rosto mantinha a compostura de quem está determinada a não aceitar mais humilhações. O elevador parou no último andar, onde ficava a sala do CEO. Assim que as portas se abriram, a recepcionista da presidência — uma loira de olhos pintados demais e sorriso venenoso — lançou um olhar de cima a baixo.

— A sala do café é no outro corredor, tá? — disse, sarcástica. — Ou você veio medir a mesa do chefe? Com esse quadril, cuidado pra não derrubar os porta-retratos.

Letícia parou por um segundo, olhou firme para a mulher e respondeu com voz baixa, porém carregada de firmeza:

— O senhor Vinícius Fontes me pediu para entregar pessoalmente um conjunto de documentos. Se eu não entregar, ele provavelmente vai descer até meu setor para buscá-los. E se isso acontecer… — ela fez uma pausa — a responsabilidade será sua.

A recepcionista empalideceu ligeiramente e gaguejou:

— E-eu… claro que não. Um momento, vou avisar da sua chegada.

Ela apertou o interfone com mãos trêmulas e, minutos depois, abriu a porta com um gesto forçado de simpatia.

— Pode entrar, ele está te esperando.

Letícia atravessou o carpete cinza escuro do escritório com passos firmes. A sala era ampla, toda envidraçada, com vista panorâmica da cidade. Vinícius Fontes estava de pé junto à mesa, lendo anotações. Atrás dele, sobre a estante, havia a foto de uma garota sorridente — talvez uma filha, talvez uma lembrança importante demais para ser guardada em gavetas.

Ele ergueu os olhos ao vê-la.

— Letícia Andrade, certo? — disse, direto.

Ela assentiu e estendeu a pasta.

— Aqui está o que me pediu, senhor.

Vinícius pegou a pasta, abriu-a rapidamente e virou uma folha.

— Você trouxe também sua ficha funcional?

Letícia assentiu e entregou o documento adicional, silenciosa.

— Estranho você estar na lista… — murmurou, examinando a folha. — Mas eu mesmo escrevi seu nome quando vi seu crachá. Quis saber por quê alguém com sua qualificação ainda permanece como assistente.

Ela apenas manteve o olhar firme. Não tinha resposta — e não ousava se justificar.

— Pode voltar para seu setor — disse ele, finalmente. — Você será avisada da próxima etapa.

Letícia saiu da sala com o mesmo controle sereno com que entrou. Mas, por dentro, algo havia mudado.

Manhã começou com um silêncio estranho no setor de Recursos Humanos. As cadeiras estavam ocupadas, os computadores ligados, mas cada funcionário parecia imerso em seu próprio mundo. Era o dia de fechamento da folha de pagamento — um dos mais importantes do mês — e o peso da ausência de Verônica pairava como uma nuvem carregada sobre todos.

Letícia andava de um lado para o outro, consultando pastas, abrindo e fechando gavetas, tentando, em vão, manter a ordem em meio ao caos. Como assistente direta de Verônica, sabia que grande parte do processo dependia exclusivamente da diretora. Só Verônica possuía as senhas para os sistemas centrais, os acessos bancários e a validação final das planilhas salariais. E naquele dia, ela simplesmente não apareceu.

Nenhum aviso, nenhuma mensagem. Apenas o vazio.

Letícia observava os colegas de RH trocando olhares de inquietação e incompreensão. Alguns murmuravam entre si que Verônica estava se vingando, outros apostavam que era apenas uma folga mal comunicada. Mas Letícia sabia — ou pelo menos intuía — que aquela ausência era estratégica. Um jogo de força. Uma resposta à tentativa de transferência anunciada no dia anterior.

Respirou fundo, encarando seu reflexo no vidro da sala. Aquilo não podia ficar assim.

Talvez fosse ousado. Talvez arriscado. Mas não havia alternativa.

Pegou a prancheta com as pendências do setor, os e-mails impressos com as reclamações pendentes, e, com passos firmes, caminhou até o elevador. Precisava subir mais uma vez ao setor da presidência. Precisava falar com Vinícius.

O andar executivo parecia ainda mais silencioso que o RH. A recepcionista do andar — a mesma que fizera piadas sobre sua aparência no dia anterior — levantou os olhos e a encarou com certa surpresa, mas não disse nada. Letícia nem lhe deu tempo. Bateu uma vez na porta de vidro fosco da presidência, respirou fundo e entrou logo após ouvir um seco “Pode entrar”.

Vinícius levantou os olhos do notebook. Estava só. Sem gravata, as mangas da camisa dobradas, demonstrando o cansaço de quem ainda não havia dormido bem desde a reunião anterior.

— Aconteceu algo? — ele perguntou, direto.

Letícia engoliu em seco.

— Verônica não apareceu hoje. E... é dia de fechamento da folha. O setor parou. Sem ela, não conseguimos seguir. Ela não passou nenhuma instrução. Ninguém sabe das senhas. Estamos travados.

Vinícius franziu o cenho, recostando-se na cadeira. Um músculo de sua mandíbula se contraiu. Ele já esperava algum tipo de retaliação, mas não com tamanha irresponsabilidade.

— E você veio aqui pra quê exatamente?

— Pra saber o que devo fazer — respondeu firme. — O setor precisa de um comando. Não sei se o senhor vai designar alguém ou... me autorizar a agir. Mas eu preciso de uma decisão agora. Estamos a poucas horas do vencimento do sistema de folha.

Vinícius a observou com mais atenção do que da primeira vez. Lembrou do nome dela entre os relatórios, da ficha exemplar, dos anos de empresa e do tom de lealdade com que havia cumprido suas ordens sem saber que ele ainda não a conhecia.

— Sente-se — disse por fim.

Ela obedeceu.

Vinícius pegou o telefone interno.

— Carol, venha até aqui. Traga o relatório de acessos e permissões do RH. E chame o pessoal da TI.

Alguns minutos depois, a secretária — visivelmente mais séria e sem os comentários do dia anterior — entrou com os documentos pedidos. Logo atrás, dois técnicos de TI entraram com um notebook e cabos em mãos.

— A partir de agora, vocês vão conceder à Letícia todos os acessos que eram da diretora de RH. Por tempo indeterminado.

Letícia arregalou os olhos.

— Senhor Vinícius... o senhor tem certeza?

— Tenho. E você vai me mostrar que não errei. Esse setor precisa andar, e se Verônica quer fazer birra, vai ficar do lado de fora. Até segunda ordem, você assume como coordenadora interina. Entendido?

Ela assentiu, sentindo o coração bater forte no peito.

Ao sair da sala, com os técnicos a reboque, Letícia se sentia outra. Ousada, talvez. Mas agora determinada. Sabia que todos a olhariam com surpresa, que Verônica reagiria quando descobrisse, e que os desafios estavam apenas começando.

Mas naquele momento, enquanto subia de volta ao RH com os novos acessos, ela tinha um novo título, ainda que temporário.

E uma nova chance.

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Comments

Maria De Lourdes Guimarães

Maria De Lourdes Guimarães

que linda autora coloca essas cobras no lugar delas que a Letícia não seja mais humilhado por essas pessoas má Ela merece uma chance você é gorda não é defeito defeito é não sei competente

2025-05-23

5

Kelly Val

Kelly Val

Que maravilhoso ver um chefe dando a oportunidade à um funcionário realmente qualificado...é gratificante o reconhecimento, que resulta em mais motivação e desempenho.

2025-05-30

1

Maria Aparecida Netto

Maria Aparecida Netto

Isso garoto põe ordem na casa 🏠 🥰🥰🥰🥰🥰

2025-05-23

2

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