Além das Aparências
O relógio marcava 7h45 quando Letícia Andrade entrou no saguão da Orizon Enterprises. Ainda havia um silêncio respeitoso entre as paredes de vidro e mármore cinza, como se os corredores ainda dormissem. Ela sabia que, em quinze minutos, tudo mudaria. O som de saltos apressados, conversas paralelas, telefonemas incessantes, e principalmente, os cochichos envenenados tomariam o ambiente como de costume. Mas naquele momento, ela podia respirar.
Letícia usava uma calça preta de alfaiataria e uma camisa de seda azul clara, bem passada. O cabelo preso num coque arrumado denunciava seu esforço para parecer sempre impecável, embora o espelho do banheiro da empresa devolvesse um reflexo cansado, muitas vezes mais pesado do que ela gostaria. Ela estava, sim, acima do peso – e sabia disso. Sabia também que sua aparência era o principal filtro usado pelos colegas para diminuí-la, mesmo sendo a mais qualificada da sala.
A assistente administrativa já tinha cursado Administração e Recursos Humanos, formado-se com louvor aos 22 anos. Desde então, completara duas pós-graduações e mais de cinco certificações em gestão empresarial, liderança e psicologia organizacional. Mas seu crachá ainda dizia "Assistente Administrativa – Letícia Andrade", como há dois anos.
— Bom dia, Dona Cópia. Vai pegar o café também? — murmurou Cláudia, a recepcionista, passando por ela com o nariz empinado.
Letícia não respondeu. Estava acostumada aos apelidos maldosos: "Dona Cópia", "Letícia Encalacrada", "Leti-lanche". O mais cruel vinha de André, um dos analistas do setor de projetos, que a chamava de “backup gordo”. Ela respirava fundo e fingia não ouvir. Qualquer reação viraria escândalo, e escândalos com "pessoas sensíveis demais" não eram bem-vindos, como a diretora de RH, Verônica Matoso, fazia questão de reforçar nas reuniões.
Verônica era a diretora de Recursos Humanos. Alta, magra, com cabelo loiro platinado, unhas vermelhas e olhar gelado. Sabia exatamente quem manter por perto, e quem manter sob os pés. E Letícia estava no segundo grupo. Pior ainda: Letícia sabia do rumor sussurrado nos corredores – que Verônica mantinha um caso secreto com o atual CEO da empresa, Rômulo Fontes, de 62 anos. Casado há mais de 30. Nenhuma prova concreta, mas o olhar entre eles em certas reuniões e as visitas frequentes à sala da diretora falavam por si.
A Orizon Enterprises – um grupo empresarial do ramo de logística e comércio exterior – tinha suas estruturas firmes no mercado, mas seus valores internos eram podres. Letícia sabia disso cada vez que via uma colega ser promovida por beleza, ou um analista incompetente subir de cargo porque frequentava os happy hours com os superiores.
Ela se sentou à sua mesa, ajeitou a tela do computador e digitou sua senha com rapidez. As mãos já sabiam o que fazer antes que o pensamento acompanhasse. Planilhas, relatórios de faltas, pedidos de material, e-mails pendentes. Tudo em ordem. Tudo sempre em ordem. Se houvesse justiça ali dentro, Letícia teria sua própria sala há tempos.
Às 10h30, todos os funcionários foram chamados à sala de reuniões da diretoria. Um evento incomum.
Rômulo Fontes, o CEO, entrou na sala com sua pasta de couro e um sorriso cansado. A diretora de RH, Verônica Matoso, como de costume, já havia saído mais cedo naquele dia, e não participaria da reunião. Poucos estranharam sua ausência, afinal, ela tinha o hábito de sair antes do fim do expediente quase todas as tardes.
— Bom dia a todos. — começou o CEO, limpando a garganta. — Gostaria de fazer um anúncio importante. Após trinta e cinco anos à frente da Orizon Enterprises, decidi que é hora de desacelerar. A partir de dois meses, estarei passando oficialmente a presidência para meu filho, Vinícius Fontes.
Houve murmúrios imediatos. Letícia arregalou levemente os olhos. Não conhecia o herdeiro, mas o nome já era repetido há semanas em rumores de corredores.
— Vinícius assumirá com novos olhares, mas o compromisso da Orizon com resultados e disciplina se manterá. — concluiu, lançando um olhar cansado para a equipe.
Letícia sentiu um nó no estômago. Tinha medo de mudanças — ou melhor, do que elas realmente mudavam. A mesma estrutura, os mesmos rostos, as mesmas alianças. Só o sobrenome na placa da sala do CEO seria diferente?
Duas semanas depois, Letícia já havia ouvido boatos de que o novo presidente não estava nada satisfeito com o clima organizacional. Começara uma série de reuniões internas com gerentes e supervisores, pedindo relatórios detalhados de desempenho. Até ali, ele ainda não passara pelo seu setor. Mas o burburinho era claro: ele não estava ignorando os bastidores.
Foi numa quarta-feira nublada que Vinícius Fontes entrou pela primeira vez no setor administrativo.
— Bom dia — disse ele, firme, mas educado.
Letícia o viu de relance. Alto, cabelos escuros, barba bem-feita e olhos atentos. Vestia um blazer cinza-claro com camisa azul e calça preta. Tinha uma postura curiosamente serena para alguém que acabava de assumir um império.
— Estou aqui para revisar algumas fichas de RH pessoalmente — avisou ao grupo. — Tive acesso a uma série de reclamações sobre produtividade, clima tóxico e comportamentos que vão contra os valores que eu pretendo reforçar nessa empresa.
O silêncio foi absoluto.
Letícia ficou em seu canto, organizando alguns arquivos digitais. Mas ao levantar-se para ir até a impressora, esbarrou sem querer em Cláudia, que segurava uma pasta.
— Ai, cuidado, Letícia! Vai derrubar meus documentos com esse quadril gigante?
Houve risadinhas.
Vinícius, que observava ao fundo, não ignorou.
— Isso foi uma piada? — ele perguntou, olhando diretamente para Cláudia.
Cláudia travou.
— S-só uma brincadeirinha.
— Brincadeiras que envolvem o corpo de colegas de trabalho não são toleradas. Eu mesmo incluí essa diretriz no novo código de conduta.
O ar ficou pesado.
Letícia olhou para ele, surpresa. Pela primeira vez em dois anos, alguém com poder havia percebido. Havia reagido.
Vinícius se aproximou da mesa de Letícia.
— Qual é seu nome?
— Letícia Andrade — respondeu, erguendo o queixo com um pouco de orgulho que não sentia há muito tempo.
— Você trabalha nesse setor há quanto tempo?
— Dois anos.
Ele assentiu, como quem registra mentalmente.
— Eu preciso de um relatório desses funcionários o relatório de horários e medidas administrativas contra Eles
— Claro vou preparar imediatamente senhor.
Vinícius sorriu levemente.
— obrigada Letícia.
E, com isso, seguiu para a porta, deixando o ambiente dividido entre olhares perplexos, raiva velada e esperança silenciosa.
Letícia voltou para sua mesa, e pela primeira vez em muito tempo, sentiu que alguém finalmente a tinha visto de verdade.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Valdineide dos santos
começando lê hoje estava esperando postar mais capítulos como só anciosa leio quase sem parar kkk e já vi que a história vai ser um show de maravilhosa 😘
2025-05-29
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Maria Aparecida Netto
Amando 🥰 uma gordinha(eu) sendo representada Juju
2025-05-23
2
Irene Corrêa
começando agora 31/05 as 14:01 horas, gostando já 🌹
2025-06-01
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