Casamento

A chuva caía em cortinas pesadas lá fora, batendo contra as janelas da mansão onde o casamento estava sendo preparado. O ar cheirava a umidade e tensão. Eu estava no quarto de hóspedes, olhando meu reflexo no espelho. O vestido branco, com rendas delicadas e uma cauda longa, era lindo, mas não parecia meu. Era como se eu estivesse vestindo a fantasia de outra pessoa. Mingau, minha cachorrinha, estava deitada no canto, me observando com aqueles olhinhos que sempre me faziam sentir menos sozinha.

— Luana, pelo amor de Deus, para de sonhar acordada! — A voz de Fernanda cortou o ar como uma faca. Ela entrou no quarto sem bater, o rosto duro, os lábios apertados. — Você tá pronta? Não vou permitir que envergonhe essa família hoje.

— Família? — murmurei, a voz carregada de amargura. — Você só pensa no dinheiro do Felipe, mãe. Não é família, é negócio.

Os olhos dela brilharam com fúria, e antes que eu pudesse reagir, sua mão voou contra meu rosto. O tapa estalou, quente e ardido, me fazendo cambalear para trás. Minha bochecha queimava, e lágrimas instantâneas embaçaram minha visão.

— Não ouse falar comigo assim, sua ingrata! — ela sibilou, apontando um dedo na minha cara. — Eu te dei tudo, e agora você vai fazer o que eu mando. Você vai casar com o Felipe e pronto!

Mingau latiu, um som agudo e bravo, como se quisesse me defender. Eu coloquei a mão no rosto, tentando segurar as lágrimas. Zayn, que estava espiando pela porta entreaberta, arregalou os olhos.

— Mãe, para! — ele gritou, correndo até mim e segurando minha mão. — Não bate nela!

Fernanda revirou os olhos. — Zayn, sai daqui. Isso não é da sua conta.

— É sim! — ele insistiu, me abraçando com força. Meu coração se partiu um pouco mais. Zayn era a única coisa boa naquela casa, além da Mingau. Eu me abaixei e beijei a testa dele.

— Tá tudo bem, Zayn. Vai brincar, tá? — sussurrei, forçando um sorriso. Ele hesitou, mas acabou obedecendo, lançando um olhar magoado para nossa mãe antes de sair.

Fernanda me encarou, sem um pingo de remorso. — Se arruma. O carro tá esperando.

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O casamento foi numa capela pequena, mas absurdamente chique, com vitrais coloridos e flores brancas por todos os lados. A chuva lá fora não parava, e o som dos trovões parecia ecoar o que eu sentia por dentro. Beatriz, minha melhor amiga, estava ao meu lado, tentando me animar com seu jeito doidinho.

— Mano, olha só esse lugar! Parece que a gente tá num filme de rico! — ela sussurrou, cutucando meu braço. — E o Felipe... meu Deus, Luana, ele é gato até de cara fechada!

— Gato? Ele é um bloco de gelo — murmurei, ajustando o véu. Mas Beatriz só riu, balançando a cabeça.

— Você vai derreter esse gelo, amiga. Eu sei que vai. E se não derreter, a gente foge com a Mingau e vira popstar! — Ela piscou, e eu não consegui segurar um risinho. Beatriz sempre conseguia me fazer rir, mesmo nos piores momentos.

Quando a música começou, meu estômago deu um nó. Lá estava ele, Felipe Williams, no altar, impecável em um terno preto, o cabelo penteado para trás, o rosto sério como sempre. Ele não sorriu quando me viu. Apenas me observou, como se estivesse cumprindo uma obrigação.

O padre começou a cerimônia, mas eu mal ouvia as palavras. Tudo parecia um borrão. Quando chegou a hora dos votos, Felipe falou primeiro, a voz firme e sem emoção.

— Eu, Felipe, prometo te respeitar e cumprir com minhas responsabilidades como seu marido. — Ele fez uma pausa, me encarando. — Nada mais.

Os convidados murmuraram, e eu senti o peso do olhar de Carla, que estava sentada na primeira fila, com um sorriso cruel nos lábios. *Nada mais.* As palavras dele ecoaram na minha cabeça, como um lembrete de que isso não era amor. Era um contrato.

Minha vez chegou, e minha voz tremia. — Eu, Luana, prometo... — Engoli em seco, sentindo as lágrimas querendo escapar. — Prometo tentar fazer isso funcionar. Mesmo que você não acredite no amor.

Ele franziu a testa, mas não disse nada. O padre continuou, e minutos depois, estávamos casados. O beijo? Um selinho rápido, frio, que mal tocou meus lábios. Os aplausos foram educados, mas o ar estava pesado. Carla se levantou, jogando o cabelo loiro e me lançando um olhar que dizia: *Isso não vai durar.*

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A chuva não deu trégua enquanto o carro nos levava para a casa de Felipe — agora, minha casa também. Era uma mansão enorme, com portões de ferro e um jardim que parecia saído de uma revista. Mas eu não sentia nada além de vazio. Quando entramos, o silêncio da casa era quase sufocante. Felipe tirou o paletó e jogou no encosto de uma cadeira, sem me olhar.

— Seu quarto é no segundo andar. Última porta à direita — ele disse, já se dirigindo para as escadas.

— Meu quarto? — perguntei, parando no meio da sala. — A gente não vai... dividir?

Ele parou, virando-se lentamente. — Não. Isso é um acordo, Luana. Não uma lua de mel.

As palavras doeram mais do que eu esperava. Eu me sentei no sofá, ainda com o vestido de noiva, que agora parecia pesar uma tonelada. A chuva batia nas janelas, e Mingau, que um dos empregados trouxe de casa, pulou no meu colo, lambendo minha mão. As lágrimas que eu vinha segurando o dia todo finalmente caíram, quentes e silenciosas.

— Eu não pedi por isso... — sussurrei, abraçando Mingau. — Eu só queria ser livre.

De repente, senti um peso ao meu lado no sofá. Era Felipe. Ele não disse nada, apenas ficou ali, olhando para a frente, as mãos cruzadas. Então, para minha surpresa, ele passou um braço ao meu redor. Não era um abraço carinhoso, cheio de calor. Era... desajeitado, seco, como se ele não soubesse como fazer isso. Mas era um abraço.

— Não chora — ele murmurou, a voz tão baixa que quase não ouvi. — Isso não resolve nada.

Eu ri entre as lágrimas, limpando o rosto. — Você é péssimo em consolar, sabia?

— Nunca disse que era bom nisso — ele respondeu, mas havia um traço de algo na voz dele. Não era calor, mas também não era a frieza de sempre. Talvez fosse... curiosidade?

— Por que você tá fazendo isso? — perguntei, apontando para o braço dele ao meu redor. — Achei que você não ligava.

Ele ficou em silêncio por um momento, olhando para a chuva lá fora. — Não sei — admitiu, por fim. — Mas você tá molhada, chorando no meu sofá, e eu não sou tão cruel assim.

Eu ri de novo, apesar de tudo. — Não sei se acredito nisso.

Ele me olhou, e pela primeira vez, vi algo além de gelo nos olhos dele. Não era amor, nem carinho. Mas era algo.

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