A Esposa Indesejada
Eu nunca quis um conto de fadas. Só queria minha liberdade, minha Mingau e um cantinho pra sonhar. Mas a vida, ou melhor, minha mãe, tinha outros
O sol da manhã entrava tímido pela janela do meu quarto, iluminando Mingau, que ronronava enroscada no meu colo. Minha cachorrinha, com seu pelo branquinho e olhos que pareciam entender cada pedaço do meu coração, era a única coisa que me fazia sorrir naquela casa. Eu acariciava sua cabeça, tentando ignorar o peso que crescia no peito. Hoje era o dia. O dia em que minha mãe, Fernanda, me jogaria nos braços de um homem que eu nem conhecia.
— Luana! Desce agora! — A voz ríspida dela cortou o silêncio, fazendo Mingau levantar as orelhas. Suspirei, coloquei minha pequena companheira no chão e me levantei da cama. Meu reflexo no espelho mostrava uma garota de 18 anos, com cabelos castanhos ondulados caindo pelos ombros, olhos grandes e um vestido azul simples que minha mãe disse que “era decente o suficiente”. Eu não me sentia decente. Me sentia como uma mercadoria.
— Tô indo, mãe! — gritei de volta, tentando esconder o tremor na voz. Desci as escadas devagar, cada degrau parecendo me levar mais perto de uma prisão. Na sala, Fernanda estava de pé, braços cruzados, o rosto rígido como pedra. Ao lado dela, Zayn, meu irmãozinho de 11 anos, brincava com um carrinho no chão, alheio ao furacão que era nossa vida.
— Você tá atrasada. O Felipe não gosta de esperar — ela disse, me fuzilando com os olhos. — E arruma essa postura, pelo amor de Deus. Quer que ele ache que criei uma vadia?
Engoli o nó na garganta. Palavras duras de Fernanda não eram novidade, mas doíam como se fosse a primeira vez. Zayn levantou o olhar, franzindo a testa.
— Mãe, para de falar assim com a Luana — ele murmurou, segurando o carrinho com força. Minha mãe nem olhou pra ele.
— Fica na tua, Zayn. Isso é assunto de adulto. — Ela se virou pra mim, apontando um dedo. — O Felipe Williams é sua chance de sair dessa vida medíocre. Ele é rico, poderoso, e você vai ser a esposa perfeita, entendeu? Nada de envergonhar essa família.
— Família? — retruquei, antes que pudesse me segurar. — Você tá me vendendo pra um cara que nunca vi na vida! Como isso é família?
Os olhos dela brilharam com raiva, e por um segundo, achei que ela ia me bater. Mas então, a campainha tocou, e o ar pareceu ficar mais pesado.
— É ele — Fernanda disse, alisando o vestido como se fosse ela quem precisava impressionar. — Anda, abre a porta.
Respirei fundo, tentando acalmar o coração que batia como um tambor. Quando abri a porta, lá estava ele: Felipe Williams. Alto, com cabelos pretos impecavelmente penteados, um terno cinza que gritava dinheiro e um olhar tão frio que poderia congelar o sol. Ele não sorriu, não disse “oi”. Apenas me encarou, como se estivesse avaliando uma peça de mobília.
— Você deve ser Luana — ele disse, a voz grave, sem emoção. — Vamos logo. Não gosto de perder tempo.
— Prazer em conhecê-lo também — murmurei, sarcástica, mas baixo o suficiente pra ele não ouvir. Ou pelo menos, achei que não tinha ouvido, até ver um leve franzir de sobrancelha.
Fernanda praticamente me empurrou pra fora. — Não faça ele esperar, Luana. E comporte-se.
Enquanto seguíamos para o carro dele — um Porsche preto reluzente, porque claro que seria — senti Mingau roçar na minha perna, como se quisesse me salvar. Ajoelhei rápido, beijando a cabecinha dela.
— Fica bem, minha pequena. Volto logo — sussurrei, com o coração apertado.
— Cachorros não entram no meu carro — Felipe disse, já abrindo a porta do motorista. — E não se atrase de novo.
Revirei os olhos, mas obedeci. O caminho até o restaurante foi um silêncio constrangedor. Ele dirigia com uma mão no volante, a outra tamborilando no console, como se estivesse contando os segundos até se livrar de mim. Eu, por outro lado, não conseguia parar de pensar: Como minha vida chegou a esse ponto?
\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_\_
No restaurante, um lugar chique com lustres de cristal e garçons que pareciam saídos de um filme, sentei de frente pra ele, tentando não me sentir pequena. Felipe pediu um vinho caro sem nem olhar o cardápio, e eu me contorci na cadeira, desconfortável com o peso do olhar dele.
— Então, Luana — ele começou, girando a taça de vinho. — Sua mãe disse que você é... obediente. Isso é verdade?
Eu ri, sem querer. — Obediente? Acho que ela quis dizer “sem escolha”.
Ele ergueu uma sobrancelha, claramente não acostumado a ser desafiado. — Você fala demais.
— E você fala de menos — retruquei, cruzando os braços. — Olha, Felipe, vou ser honesta. Eu não quero esse casamento. Não te conheço, não te amo, e pelo jeito, você também não tá muito animado com a ideia.
Por um segundo, algo brilhou nos olhos dele — surpresa, talvez? — mas logo a máscara fria voltou. — Amor é uma ilusão pra idiotas. Isso aqui é um acordo. Eu preciso de uma esposa pra manter as aparências, e você... bem, sua mãe deixou claro que você precisa de mim.
— Preciso? — Minha voz subiu, atraindo olhares de algumas mesas. — Eu não preciso de você. Eu preciso da minha vida de volta!
— Boa sorte com isso — ele disse, seco, tomando um gole de vinho. — Sua mãe já assinou o contrato. Você é minha agora.
As palavras dele caíram como um soco. Minha. Como se eu fosse um objeto. Antes que eu pudesse responder, uma mulher se aproximou da mesa. Alta, loira, com um vestido vermelho que parecia gritar “olha pra mim”. Ela sorriu pra Felipe, mas quando me viu, o sorriso virou um veneno mal disfarçado.
— Felipe, querido! Não sabia que você vinha hoje — ela disse, a voz melíflua. — E quem é... essa?
— Luana, minha noiva — ele respondeu, sem emoção, como se estivesse anunciando o clima.
A mulher — Carla, eu descobriria depois — congelou. Seus olhos me percorreram de cima a baixo, e eu juro que senti o ódio dela como uma onda de calor. — Noiva? — ela repetiu, rindo como se fosse uma piada. — Sério, Felipe? Essa... garotinha?
— Cuida da sua língua, Carla — ele disse, mas não havia defesa em sua voz, só um aviso. — Ela é minha escolha.
— Escolha? — retruquei, incapaz de me segurar. — Você acabou de dizer que isso é um contrato, não uma escolha!
Carla riu alto, jogando o cabelo pra trás. — Meu Deus, Felipe, ela é perfeita pra você. Tão... ingênua.
Eu queria jogar o vinho na cara dela, mas me segurei. Felipe apenas suspirou, como se estivéssemos o entediando.
— Carla, dá o fora — ele disse, e ela, com um último olhar venenoso pra mim, se afastou, o salto ecoando no chão.
O resto do jantar foi um desastre. Felipe mal falou, eu mal comi, e o peso do futuro me esmagava. Quando ele me deixou em casa, já era noite. Mingau correu pra mim, e eu a abracei, deixando as lágrimas caírem.
— Luana! — A voz de Beatriz, minha melhor amiga, ecoou da rua. Ela vinha correndo, com um sorriso maluco e uma bolsa pendurada no ombro. — Me conta tudo! Ele é gato? Rico? Chato? Aposto que é chato!
Eu ri, apesar de tudo. — Ele é... um iceberg. E tem uma amiga que já me odeia.
— Amiga? — Beatriz arregalou os olhos, já entrando no modo detetive. — Conta mais, mulher! Isso tá parecendo novela!
— É pior que novela — murmurei, enquanto Mingau lambia minha mão. — É a minha vida.
---
Naquela noite, deitada na cama com Mingau ao meu lado, pensei em Felipe. No olhar frio dele, na voz que não tinha calor. Mas também pensei no jeito que ele franziu a testa quando o desafiei. Será que, por trás daquele muro, havia algo mais? Ou eu estava apenas tentando encontrar luz onde só havia escuridão?
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 38
Comments
Hosana Gessica Hernandes
comecei a ler hoje 😄.
2025-05-30
1