Três

O eco dos sinos da coroação ainda vibrava pelas muralhas quando os verdadeiros jogos começaram. O povo de Arkanne, ainda incerto do destino que os aguardava sob o comando de uma rainha, se aglomerava nas tavernas, nos mercados e até mesmo nas portas dos nobres, murmurando sobre o olhar cortante da nova soberana e seu discurso implacável, mas sutil.

Dentro das muralhas do castelo, entretanto, o clima era outro. Sutil como veneno em vinho. A aura negra como de um corvo.

A coroação de Lancelot havia terminado há poucas horas, e já os corredores do palácio fervilhavam com rumores a seu respeito. Serviçais murmuravam sobre o olhar que o Duque Thorne lançara à rainha durante a cerimônia. Outros falavam da rigidez de suas palavras, do tom firme com que exigira submissão total, da forma como fizera até os mais orgulhosos ajoelharem-se a seus pés. Aquilo não era apenas o início de um reinado — era uma declaração de guerra contra qualquer forma de oposição.

A festa que se seguiu à cerimônia foi grandiosa. O grande salão do castelo, iluminado por centenas de velas e candelabros de prata, fora decorado com bandeiras de Arkanne, onde se via o brasão da nova rainha: um lobo negro com os olhos voltados para uma estrela prateada de cinco pontas, ambos em fundo escarlate. Um símbolo de vigilância e ambição — de que nada escapava ao olhar da loba, nem mesmo os céus. Músicos tocavam melodias solenes com harpas e alaúdes, enquanto servos circulavam com bandejas de vinho tinto e pratos de caça, frutas exóticas e doces raros.

A elite do reino e de terras vizinhas enchia o salão com sorrisos, trocas de olhares e frases medidas. Mas por trás de cada palavra havia uma intenção. Era um baile mascarado, mesmo sem máscaras e Lancelot se mantinha atenta a cada um que se aproximava ou a cumprimentava. Não havia comido nada desde que fora coroada, a rainha temia ser envenenada na festa que se sucedia.

Naquela noite, o salão de audiências havia sido preparado para um encontro restrito, mas importante. A rainha Lancelot receberia os representantes das Casas mais poderosas do reino e de reinos vizinhos. Era um gesto simbólico de diplomacia — e também uma armadilha velada. Ela precisava ver quem se curvaria… e quem ousaria resistir.

A rainha trajava um vestido longo, negro como carvão, com um manto bordado com fios de ouro e o brasão de Arkanne estampado no peito. A coroa em sua cabeça reluzia como um eclipse dourado e a espada em sua mão, representava a forma de seu reino, um reino de ferro. Forte e implacável como uma espada.

Ao seu lado, posicionavam-se dois conselheiros recém-nomeados:

Sir Aldren Darvane, o cavaleiro veterano que jurara lealdade a ela logo após o funeral do rei. Leal, experiente, mas com um passado manchado por decisões brutais em guerras antigas. Lancelot sabia que sua força não estava só em seus braços, mas em sua astúcia militar.

E Lady Vyarra Mernesse, uma dama estrangeira, vinda das Ilhas Negras — conhecida por sua inteligência cortante, domínio sobre venenos e encantos, e sua arte de manipular nobres com palavras doces e sorrisos traiçoeiros. Lancelot a trouxe à corte exatamente por isso. Era melhor ter uma serpente ao seu lado do que contra si.

As grandes portas do salão se abriram. Um a um, os nobres entravam, e o salão se tornava um campo de tensão sutil.

O Duque Thorne foi o último a chegar com seu eventual sorriso curto e olhar cortante.

Vestia-se com requinte, mas discreto. Preto e prata, como um corvo à espreita. Seus olhos varreram o salão, detendo-se por um segundo a mais sobre Sir Aldren, e depois em Lady Vyarra. Mas quando encontrou o olhar de Lancelot, o tempo pareceu parar. Ele sorriu, como um gato diante de um pássaro — e se curvou, milimetricamente, sem tirar os olhos dela. A distância entre eles parecia ter sido cortada por um instante. Lancelot voltou a ter a sensação de medo, como quando Otávio estava vivo e ordenava sua presença diante do rei. No entanto, Lancelot tratou de disfarçar, pois agora, ela era a rainha e deveria ser temida, e não temer.

— Minha rainha — disse ele. — Sempre radiante sob o peso do poder.

Ela não respondeu. Apenas ergueu o queixo.

Quando todos estavam em seus lugares, Lancelot levantou-se ainda segurando a espada em suas mãos, a deixando ainda mais forte diante dos olhos de todos. Seus olhos percorreram o salão como lâminas, encarando todos os rostos. E então ela falou:

— A partir de hoje, nenhuma decisão será tomada sem minha palavra. Nenhuma ordem será questionada. Nenhuma afronta será ignorada. A Casa de Arkanne se curva agora a uma nova era. E esta era será moldada pelo ferro.

O silêncio era sepulcral.

— Não estou aqui para alimentar ilusões de que serei uma rainha gentil — continuou. — Quem espera uma coroa feita de flores, que se retire agora. Este trono foi banhado em sangue, e assim será protegido. Qualquer sussurro de traição… qualquer olhar que me desafie… será tratado como ameaça direta ao reino.

Ela pausou.

— Os da casa de Arkanne, ajoelhem-se. Os Reis que desejam me apoiar, que levantem suas mãos em apoio.

Alguns nobres hesitaram. Outros, por instinto ou medo, obedeceram de imediato. O som de joelhos tocando o chão ecoou pelo salão como uma maré se formando. Os cinco Reis das casada mais fortes das redondezas que foram convocados ergueram suas mãos, admirando a força da rainha. Ela, sem dúvidas, seria um governo jamais esquecido.

Os olhos da rainha cravaram-se em Thorne.

Ele estava de pé a encarando como se quisesse a desafiar.

O salão parecia prender a respiração. Sir Aldren estreitou os olhos.

Lady Vyarra se inclinou um pouco para frente, curiosa. Sorriu.

Thorne sustentou o olhar da rainha, um meio sorriso nos lábios, como se perguntasse se ela ousaria puni-lo ali, diante de todos. Lancelot chegou a abrir os lábios para o confrontar. Mas então, lentamente, com uma elegância quase teatral, ele se ajoelhou.

— Pela glória de Arkanne… minha rainha.

Lancelot manteve-se firme. Por dentro, sentia a tensão pulsar sob a pele. Mas por fora, era uma estátua de domínio. Ela sentiu um grande alívio quando ele se ajoelhou e finalmente curvou sua cabeça.

Sir Aldren foi o primeiro a quebrar o silêncio:

— Pela honra e pela espada, juro lealdade à rainha Lancelot, senhora de Arkanne.

Outros nobres seguiram. De reinos vizinhos, surgiram palavras de apoio.

— A Rainha de Ferro conquistará o respeito de todos os mares — declarou o Lorde Alven de Therys.

— Que a voz da rainha ecoe pelos vales do Norte. — disse Lady Isolde de Venn, sua beleza rivalizando com sua fama de estrategista implacável.

Mas Lancelot sabia que elogios podiam ser lâminas ocultas. Ainda assim, a aclamação se formava como um coral. A coroa em sua cabeça reluzia como um eclipse dourado.:

— Longa vida à Rainha Lancelot! — disseram, e o som percorreu o castelo.

Ela sentou-se, finalmente, no trono. Seus olhos ainda sobre Thorne. Ele a olhava de volta. A guerra entre os dois havia começado — mas ainda era silenciosa, envolta em véus de etiqueta e sorrisos cínicos.

Naquela noite, o povo cantaria sobre a força da nova rainha.

Mas nas sombras do castelo… serpentes sibilavam.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!