0005

0005- eu só queria alguém para me apoiar ...

Lá estava eu.

Sentada em frente à minha mãe como uma ré diante do juiz.

O livro — aquele imenso, cruel — descansava entre nós como um cadáver aberto, e os olhos dela...

Os olhos dela me cortavam.

Eles não piscavam.

Não hesitavam.

Carregavam um julgamento que me fazia encolher os ombros, tremendo sem controle.

Não era só medo.

Era o tipo de pavor que te faz esquecer quem você é. O tipo que te cala até por dentro.

Eu não conseguia olhá-la nos olhos.

Porque os dela não procuravam uma filha.

Procuravam uma máquina. Uma arma. Uma herdeira perfeita que ela pudesse moldar com ferro quente, dor e silêncio.

—Página cinquenta e dois. Segunda linha. O que está escrito? —ela perguntou com frieza.

Sua voz era calma, mas cada palavra parecia uma lâmina escondida atrás da língua.

Minhas mãos tremiam no colo.

Minha respiração engasgava entre soluços mal contidos.

—A... a... —tentei, mas as palavras me fugiam como folhas ao vento.

Ela franziu o cenho. Inclinou o rosto como uma ave de rapina observando a presa fraquejar.

—Você não leu.

—Eu li, mãe... juro que li... —sussurrei, com a garganta apertada, as lágrimas já escapando sem permissão.

Ela bateu a palma da mão sobre a mesa, fazendo o livro tremer.

—Então prove. Responda. Não chore. Não fuja. Olhe para mim!

Mas eu não consegui.

Olhar para ela doía mais do que qualquer frio.

Chorar era fraqueza.

Mas naquele instante, o choro foi a única coisa que me restou.

Desci os olhos, deixei as lágrimas caírem como se elas pudessem limpar o que eu sentia: vergonha, medo, e um vazio enorme dentro do peito.

Eu não era filha.

Eu era um projeto.

E, naquele momento, eu estava falhando.

Minha mãe permaneceu em silêncio por longos segundos.

Mas o silêncio dela era cortante. Ele não precisava de gritos — o desprezo falava por si.

Ela se levantou devagar, os saltos ecoando no chão frio como pequenos avisos de que algo pior viria.

Deu a volta na mesa.

Parou atrás de mim.

Eu tremia. Sentia o peso do ar mudar. A presença dela queimava minha nuca mesmo sem tocar.

Até que falou.

—Sabe o que me frustra, Anna? —sussurrou, a voz tão baixa que parecia um veneno despejado direto no meu ouvido.

—Que eu tive uma filha. E não um filho.

—Um menino teria entendido. Teria sido forte. Teria aguentado o peso dessa família sem chorar como uma criatura inútil.

Meu coração congelou.

Aquelas palavras me atravessaram como agulhas. Não havia grito ali — só a pura constatação de que eu era uma decepção viva.

Ela se afastou, os passos tão calmos quanto cruéis.

Enquanto eu tremia, incapaz de conter as lágrimas, mordendo o lábio até sentir gosto de sangue.

Não chore, Anna.

Não na frente dela.

Mas antes que o mundo desabasse inteiro, a porta rangeu com delicadeza.

—Com licença, Senhora. —veio a voz de Helena, carregando uma bandeja com chá e pão. —Trouxe algo para a menina. Estômago vazio dificulta a memória, dizem.

Minha mãe virou o rosto lentamente. Irritada. Impaciente.

—Não pedi nada, Helena.

—Peço perdão, Senhora. Achei que, como tutora da menina, deveria garantir que a mente dela esteja em pleno funcionamento.

Um longo silêncio.

—Leve-a. Trinta minutos. Depois quero cada resposta. Sem choro. Sem falhas.

Ela saiu, deixando um rastro de ausência ainda mais frio que sua presença.

Helena se ajoelhou ao meu lado. Estendeu a mão.

E naquele momento, o toque dela não era só físico — era o oposto de tudo que minha mãe era.

Era humano.

Eu chorei.

E pela primeira vez, deixei que alguém me visse pequena, fraca, quebrada.

Porque ser uma menina nunca deveria ter sido um erro.

Mas ali… naquele mundo... era quase um crime.

Helena ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse escolhendo as palavras com muito cuidado. Olhou em volta, mesmo sabendo que ninguém estava ali.

—Seu pai… —ela começou, quase num sussurro — é um homem importante nessa família. Muito mais do que parece.

—Tem quatro esposas. Talvez mais nunca falaram o certo quantas esposas , não sei. Ninguém sabe ao certo quantos filhos ele tem.

Eu arregalei os olhos.

— mais Quatro...?

Ela assentiu com um leve movimento da cabeça, mas evitava me encarar diretamente, como se até falar dele fosse perigoso.

—Cada esposa vive em um canto. Cada filho é criado sob regras diferentes. Mas todos... todos precisam respeitar o nome dele.

Fez uma pausa e abaixou a voz ainda mais.

—Ele não gosta que falem dele, Anna. Nem mesmo eu.

Aquilo me arrepiou.

Era estranho pensar que meu pai — aquele homem que vi só uma vez — tinha tantas casas, tantas crianças… e mesmo assim, era como um fantasma. Um nome que flutuava no ar com peso.

—E... ele sabe que eu existo? —perguntei, com a voz trêmula.

Helena hesitou, depois assentiu devagar.

—Sabe. Claro que sabe. por incrível que pareça ele sabe de todos e uando ele achar que você está pronta... vai querer ver com os próprios olhos quem você se tornou.

Meu estômago se revirou.

—E se ele não gostar de mim?

—ele... Ele vai não se preocupe... Sabe anna—ela falou  meu nome é logo parou.

Helena olhou para os lados mais uma vez antes de se inclinar um pouco mais perto de mim. Sua voz, antes baixa, agora era quase um sopro de medo.

—Seu pai não sabe que sua mãe começou os ensinamentos tão cedo, Anna.

—Na verdade… ninguém sabe.

Meu coração bateu mais rápido.

—Por quê?

Ela mordeu o lábio, como se tivesse medo até de responder.

—Porque... na tradição da sua família, as crianças não são tocadas até completarem oito anos .antes disso qualquer treinamento e ensinamentos e totalmente proibido.

—Observadas de longe, alimentadas, vestidas. Mas sem cobranças, sem tarefas. O verdadeiro treinamento... o verdadeiro sofrimento... começa aos oito.

—Mas eu só tenho cinco.

—Eu sei. —ela respondeu, olhando para mim com pesar. —É por isso que isso tudo é tão errado. E tão perigoso.

Eu abaixei o olhar, tentando entender.

—Então ela tá quebrando as regras...?

—Sua mãe... está com medo ela deseja sobreviver como todas...

Helena hesitou, depois completou:

—Ela quer que você esteja pronta antes da hora. Quer te mostrar como sobreviver antes mesmo que comecem a te ferir. Porque… quando começarem

Engoli seco.

—Eles machucam?

Ela não respondeu. Apenas olhou para mim de novo. E esse silêncio… esse silêncio dizia tudo.

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