0002- solidão e o que me espera.
Já faz horas.
Ou dias.
Não sei mais. O tempo aqui dentro desaparece, como se o frio engolisse os segundos. O escuro não muda. O vento ainda entra pela janela mal fechada, assobiando entre as frestas como um aviso cruel de que nada vai melhorar.
Meus dedos... estão duros. Gelados. Tão gelados que mal consigo senti-los. Minha barriga dói de fome, mas o que dói mais... é a cabeça.
O pensamento. A solidão. A pergunta que não cala.
Por quê?
Minha mãe me disse que eu precisava chegar ao topo dessa família. Como se fosse um destino. Uma missão. Como se minha dor fosse uma moeda de troca para salvar algo - ou alguém.
Mas como?
Eu nem sei o que é essa família.
Mal conheço meu pai. Vi ele uma vez, e mesmo naquela vez, ele parecia um estranho que preferia manter distância. Um vulto com olhos frios e voz grave demais. Nada nele parecia... paterno.
E mesmo assim, aqui estou. Fechada num quarto, tremendo de frio, com o corpo encolhido e o coração implorando por um gesto de carinho que nunca veio.
Mas e ela...?
Minha mãe...
Será que ela também teve que passar por isso?
Será que um dia ela também foi deixada num quarto como este?
Será que o medo dela é maior do que o amor por mim?
Ou será que ela já não sabe mais o que é amor...?
Eu quero odiá-la. Eu deveria odiá-la.
Mas cada vez que fecho os olhos, vejo o olhar dela - apavorado. Não por mim. Não pelo que estava fazendo. Mas por algo maior, mais invisível, mais sombrio. Como se ela estivesse presa... e eu fosse a oferta que ela precisava deixar no altar.
E mesmo assim...
Ela me deixou aqui.
Sozinha.
Com o frio.
Com a fome.
Com a dúvida.
Com a dor de ser filha de alguém que prefere sacrificar a abraçar.
..........
Dias. Eu já havia perdido a conta. O frio virou meu cobertor. A fome, minha única companhia fiel.
Quando finalmente ouvi o som da tranca girando, meu coração deu um salto. Meu corpo, fraco e dolorido, ainda achou forças para se erguer um pouco.
A porta se abriu.
E por um instante... eu sorri.
Era ela.
Minha mãe.
Pela primeira vez em dias, acreditei que tudo tinha acabado. Que ela viria até mim, me envolveria nos braços, sussurraria desculpas...
Mas o que veio foi diferente.
Muito pior.
Ela sorriu.
Não de amor.
Não de alívio por me ver viva.
Mas como quem olha uma peça que resistiu ao fogo e ainda pode ser usada.
-Eu sabia que você ia sobreviver. -ela disse, como se minha dor tivesse sido um teste.
-Eu sabia que você ia ser forte.
Ela entrou no quarto como se fosse só mais um dia comum. Como se o frio, o escuro, e o silêncio que me engoliram não significassem nada.
-Agora só preciso te educar, ensinar tudo. Você vai chegar ao topo. -disse ela, o sorriso congelado no rosto. Um sorriso que dizia: agora é a minha vez de respirar.
E foi ali, naquele instante...
Que eu entendi.
Ela não veio me buscar por mim.
Ela veio me moldar.
A esperança que eu tinha no peito caiu no chão como vidro quebrado.
O inferno que ela tanto temia...
Era o mesmo onde estava me jogando.
E o pior? Ela estava disposta a sobreviver - mesmo que eu não sobrevivesse junto.
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