A manhã não era exatamente fria — o Rio raramente oferecia esse tipo de gentileza — mas a brisa que vinha das janelas entreabertas carregava uma leveza que sugeria um início de dia menos insuportável. Ian Monteiro dos Santos, agora desperto, deixou o leito com a suavidade de quem desfaz um altar. Os pés tocaram o chão com delicadeza cerimonial, como se aquele movimento cotidiano merecesse reverência.
Primeiro, esticou os braços, ergueu o tronco, arrumou os cabelos com os dedos finos e longos, e bocejou com a boca semiaberta, um som quase inaudível escapando entre os lábios rosados. O pijama leve, delicado, em tons suaves e detalhes florais mínimos, deslizava pelo corpo como se o abraçasse. Ele caminhou em silêncio até o banheiro, onde o azulejo velho e esbranquiçado o recebeu como uma velha memória.
Lá dentro, a rotina começou. Ritual, quase.
O banho foi morno, com sabonete cheiroso de flor de laranjeira e shampoo importado que comprava a duras penas, sempre em promoção. Os cabelos longos, acinzentados com aquele brilho rosado particular, foram hidratados com todo cuidado — creme mecha por mecha, máscara, touca. Após o banho, envolveu-se num roupão de algodão branco, simples mas limpo, e começou sua rotina de autocuidado como quem prepara um feitiço.
Hidratante para a pele, sérum noturno transformado em diurno porque sua obsessão pela perfeição não tinha horário. Um roll-on calmante para olheiras, um bálsamo labial com cheiro de baunilha e um óleo facial que deixava a pele com viço de porcelana. Os gestos eram cuidadosos, meticulosos, como se cada centímetro de pele dissesse: “veja como eu sou digno”.
Após isso, sentou-se diante do espelho pequeno, penteou os cabelos com uma escova larga, finalizou os fios com óleo de argan, e prendeu tudo em um rabo de cavalo frouxo, como sempre. Alguns fios rebeldes ficaram soltos emoldurando o rosto — e isso o agradava.
Vestiu-se com uma roupa leve, fresca: uma calça de tecido linho claro e uma camisa branca fina, de gola solta e mangas dobradas. O look parecia casual, mas tudo ali era pensado. Ele não se vestia para o dia. Vestia-se para o destino.
Fez um café simples, preto, forte. Não o bebeu de imediato. Sentou-se na pequena mesa redonda do canto da sala/quarto/cozinha, abriu seu laptop — um modelo antigo, mas que funcionava com uma fidelidade surpreendente — e digitou com delicadeza o nome que havia decorado desde os doze anos:
Min Jae-Hyun.
A busca não era nova. Todos os dias fazia isso. Sabia que ele estava modelando para uma marca de perfumes italiana, que havia participado de um evento beneficente com uma atriz global e que havia saído com uma influenciadora de beleza no mês passado. Ian sabia tudo. Até demais.
Mas hoje, algo brilhou na tela.
Não era um rosto. Não era um desfile. Era... uma oportunidade. Um anúncio.
> "Agência S.M. procura assistente empresarial bilíngue, com disponibilidade total de horários, para acompanhamento de rotina profissional do modelo Min Jae-Hyun. Perfil discreto, organizado, com formação na área e interesse em comunicação visual. Contratação imediata."
Ian ficou imóvel. O coração parou, depois acelerou, depois simplesmente... derreteu.
O cursor piscava na tela como um compasso cardíaco.
Ele era formado na área. Discreto. Obcecadamente organizado. Bilíngue. Com interesse doentio por tudo que envolvesse ele.
Era perfeito.
O amor da vida dele... precisava de alguém ao lado.
Ele precisava. Dele.
O currículo foi enviado sem hesitação, junto com uma carta de apresentação calculada palavra por palavra. Formal. Polida. Inofensiva. Mas escondendo nas entrelinhas uma febre.
Depois disso, fechou o laptop com calma e foi até a estante, puxando um dos livros que lia e relia em momentos de espera. Não importava o título — ele não lia de fato. Só queria ocupar a mente. Só queria... manter-se quieto até que o destino se mexesse.
E o destino não demorou.
Meia hora depois, uma notificação.
Uma mensagem.
> "Olá, Sr. Ian Monteiro. Agradecemos seu interesse. Seu perfil foi selecionado para entrevista com a direção da S.M. Models. A entrevista ocorrerá na próxima terça-feira, às 14h."
A xícara tremeu em sua mão.
O sorriso surgiu. Lento. Puro. Devoto.
Tudo estava se alinhando.
Por obra do acaso.
Do destino.
Do amor.
Ou, quem sabe, de uma doença sem cura.
Mas agora... eles iriam se reencontrar.
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Atualizado até capítulo 30
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