rabo de saia e o armário estrangeiro

Gravando em uma sala fechada por cinco horas seguidas, sem ar-condicionado decente, com o cabelo colando na testa e a cueca parecendo ter sido mergulhada em sopa quente, tudo o que eu conseguia pensar era:

“Eu devia ter ficado solteiro.”

— Jungkook, só mais uma vez — disse Jolie, a coordenadora de imagem, com a mesma empolgação de alguém pedindo pra repetir o Enem.

Revirei os olhos, mas balancei a cabeça.

— Só mais uma vez… — murmurei, fingindo sorriso pro take.

A música começou de novo. Eu me vi na câmera, joguei o casaco pro lado, olhei com aquele olhar matador que a empresa adora e entreguei o movimento de ombro que, segundo a internet, “engravidava pelo Wi-Fi”.

Acabou. Finalmente.

Eu saí da sala suando mais que frango de televisão de padaria, puxando a camisa do corpo, bufando. Jolie me olhou com pena. Ou medo. Não sei. Sinceramente? Tanto faz.

O corredor tava vazio. Perfeito. Silêncio. Paz.

Até eu dar de cara com ele.

— Jungkook — disse Sr. Lee, o segurança-chefe, com a voz sempre seca, sempre direta. Ele parecia um guarda real britânico misturado com um samurai aposentado. — Preciso falar com você. Agora.

Suspirei.

— Não pode ser depois de uma comida? Um ramenzinho? Uma massagem nas costas?

— É sério.

Olhei pro rosto dele. Rígido. O tipo de cara que não brinca nem com bingo.

Fomos pra sala de reuniões vazia, com paredes acolchoadas, microfone desligado, e a luz de emergência piscando com humor duvidoso.

— Fala — cruzei os braços, recostando na cadeira.

— Você sabe que a empresa abafou tudo. Mas isso não apaga o que aconteceu.

Minhas mãos fecharam em punhos sobre as pernas. Eu sabia onde aquilo ia dar.

— Não começa, hyung…

— Ela entrou com credencial de staff. Passou três barreiras. Sabia teu quarto. Sabia tua senha. Deixou uma carta dentro da tua bolsa. Jungkook, se isso não for uma falha grave de segurança, eu não sei o que é.

— Eu sei. Eu sei. Merda, eu sei.

Baixei a cabeça.

“Eu me apaixonei pelo primeiro rabo de saia que apareceu.”

Era isso que o Yoongi tinha falado. Ríspido, direto. Igual a ele. Mas era verdade. A garota parecia inofensiva. Bonita, divertida, gostava das mesmas músicas que eu. Entrou como staff de figurino, me elogiou uma vez, me olhou duas, e pronto — caí igual pato. E agora tava vivendo com paranoia, recebendo foto minha dormindo pelo correio, mensagem dizendo “ficamos lindos juntos ontem”, sendo que ontem eu nem saí do dormitório.

— E o pior — completei, encarando Sr. Lee —, foi ver que ela sabia tudo. Eu não falei nada pra ela. Ela sabia.

— Por isso, vamos reforçar tua segurança pessoal.

Revirei os olhos.

— Mais um cara me seguindo até no banheiro?

— Não é “mais um cara”. É alguém de fora. Um estrangeiro. Altamente treinado. Não tá registrado como staff comum, e não tem histórico na mídia local.

— Um armário com cara de poucos amigos — murmurei, jogando a cabeça pra trás. — Vai correr atrás de mim com cara de Rambo. Aposto que não sabe nem rir.

Sr. Lee apenas cruzou os braços.

— Chega amanhã. Não reclame.

Claro. Porque reclamar adiantava.

Depois que ele saiu, fiquei sozinho ali, encarando o teto. O ar-condicionado tossia mais do que soprava. Meus pensamentos estavam bagunçados. Eu não conseguia confiar em ninguém desde aquilo. Os hyungs tentavam me distrair, mas só o Yoongi sabia tudo. O único que ficou até o fim daquela noite, sentado do meu lado, enquanto eu tremia com a carta na mão.

A porta se abriu devagar.

— Tava te procurando — disse a voz rouca do Yoongi, entrando devagar. — Tá com a cara de quem viu de novo a foto do pé da stalker.

Bufei, rindo pela primeira vez em horas.

— Aquilo foi traumatizante.

Ele sentou na poltrona de couro ao lado, estalando os dedos.

— Sr. Lee falou?

Assenti.

— Vai chegar um armário internacional amanhã.

— Brasileiro?

— Não sei. Só sei que é estrangeiro. E armado, segundo ele.

Yoongi arqueou uma sobrancelha.

— Armado?

— É.

— Com o que? Um taco de beisebol?

— Com arma mesmo, Yoongi. Bala. PÁ!

— Caralho…

Ficamos em silêncio. Um silêncio daqueles pesados, mas de irmão. Ele pegou meu boné do chão, jogou no meu colo.

— Não é tua culpa, sabe?

— Claro que é. Eu deixei ela entrar. Eu... confiei.

— Você é humano, Jungkook. A culpa é dela. De quem invade, manipula e mente. Não tua.

Suspirei, fechando os olhos.

— Mas agora eu vou ter um armário gigante me seguindo 24 horas por dia.

— Olha pelo lado bom. Se for bonito, tu ainda pode dar em cima dele.

Soltei uma gargalhada verdadeira.

— Vai se foder, hyung.

— Já vou.

Ele levantou, mas antes de sair, me lançou aquele olhar preguiçoso dele.

— Se prepara. O mundo lá fora continua rodando. E parece que o reforço vai te encontrar no aeroporto.

— Mal posso esperar.

Mentira. Eu podia sim. Podia esperar um século. Mas a vida não esperava ninguém. Nem quando você só queria comer um ramen e dormir.

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