Capítulo 3

A luz da manhã se infiltrava pelas cortinas semiabertas, iluminando a casa como se nada tivesse acontecido.

Mas tudo havia mudado.

Oriana vestiu um suéter bege por cima da camisola e desceu as escadas em silêncio, com os cabelos ainda soltos, molhados das poucas horas de sono e do banho rápido que havia tomado para tentar organizar os pensamentos — em vão.

O som de risadas infantis ecoou da cozinha.

Por um instante, ela parou no meio do corredor, segurando no corrimão. Aquele som a quebrou de forma gentil e cruel ao mesmo tempo.

Asher.

Ela o encontrou sentado no balcão da cozinha, balançando os pezinhos no ar, com um pijama azul-claro cheio de foguetes. À sua frente, Noam — já de camisa branca dobrada até os cotovelos — preparava panquecas.

A cena era familiar. Dolorosamente linda. E por isso mesmo, difícil de encarar.

— Mamãe! — Asher exclamou, assim que a viu. — Papai fez panqueca com carinha feliz hoje!

Ela forçou um sorriso.

— Fez mesmo, é? — aproximou-se e beijou a testa do filho, evitando o olhar do homem ao lado.

Noam observou o gesto, a barreira invisível que ela colocou entre eles. Estava ali, física e emocional. Ele sentiu cada centímetro.

— Bom dia — disse ele, por fim, tentando manter o tom neutro.

— Bom dia — ela respondeu, fria, pegando uma caneca no armário.

Asher, alheio ao clima denso, tagarelava:

— Papai disse que a gente pode brincar no jardim depois! E eu quero mostrar pra você, mamãe, o desenho novo que eu fiz de nós três! Tá guardado na minha gaveta secreta!

Ela apertou a xícara entre os dedos. Os nós se formaram no estômago. Os desenhos de Asher sempre tinham ela, ele e Noam de mãos dadas. Como se o mundo dele fosse feito de permanências, e não de rachaduras.

— Eu vou adorar ver, meu amor — murmurou, com a voz embargada.

— Oriana — Noam tentou, baixando o tom para que o filho não ouvisse. — Sobre ontem…

— Não aqui — ela cortou, ainda sem encará-lo. — Não na frente dele.

A resposta foi um sussurro firme. E doeu em Noam mais do que se ela tivesse gritado.

Eles tomaram o café em silêncio. Asher falava, cantava, ria. Um raio de luz em meio a duas sombras cansadas. De tempos em tempos, olhava para os dois, buscando a validação de sempre. O sorriso da mãe. A piada do pai. O abraço dos três no sofá.

Mas tudo estava levemente fora do eixo.

Depois do café, Oriana se levantou para arrumar a louça. Noam tentou se aproximar, mas o gesto dela foi claro: ela não queria palavras agora. Ele respeitou, mas observava — atento, desconfortável, como se a estivesse vendo escorregar por entre os dedos e não soubesse como segurá-la sem quebrar o que restava.

Enquanto ela enxaguava a louça, Asher apareceu ao seu lado com o desenho na mão.

— Mamãe, olha só! Eu fiz a gente no parque!

Ela se agachou, pegou o papel e sorriu com ternura genuína.

O desenho era simples, mas tocante: os três embaixo de uma árvore, com o sol sorrindo no canto da folha. As mãozinhas de cada um estavam unidas. E havia um coração enorme no meio da página.

— Está lindo, meu amor. Eu vou guardar com muito carinho, tá bem?

Ele assentiu, satisfeito. Correu até o pai.

— Papai, você gostou?

Noam pegou o desenho e sentiu a garganta apertar.

— Eu amei, filho.

— Então a gente vai ser uma família pra sempre, né? — Asher perguntou, com aquela inocência que ferra com o coração de qualquer adulto.

Oriana congelou.

Noam sentiu o baque como um soco invisível.

Ele não respondeu de imediato. Apenas se abaixou e puxou o filho para o colo.

— Vamos sempre amar você — disse, com um esforço visível para manter a voz firme. — Sempre.

Mas Asher não entendeu a nuance. Deu um beijo no rosto do pai e foi correndo buscar seus carrinhos.

Oriana, por sua vez, apertou os olhos para segurar as lágrimas. Ela não queria chorar ali. Não diante dele. Não diante de tudo o que ainda não sabia se podia acreditar, se podia reconstruir.

— Eu preciso sair mais tarde — disse, finalmente. — Tenho reunião com a Eli sobre o evento da semana que vem.

— Eu posso buscar o Asher na escola. E levar ao parque, se você quiser descansar um pouco.

Ela hesitou, finalmente o encarando.

— Tudo bem.

E saiu da cozinha.

Noam ficou ali, parado, com o desenho nas mãos. O coração no peito pesado. E a sensação de que, a cada minuto que passava, ele estava mais próximo de perder a única coisa que realmente queria ter.

O vento daquela tarde soprava leve, embalando as folhas das árvores com um sussurro que contrastava com a tempestade interna que Noam tentava conter.

Asher corria à frente, entre as árvores do parque, com um carrinho vermelho na mão e o cabelo bagunçado pelo vento. O riso do menino era como um sino distante — alegre, puro, incapaz de entender o caos invisível que rondava os adultos ao seu redor.

Noam o observava sentado em um dos bancos de madeira, os cotovelos apoiados nos joelhos, os olhos seguindo cada passo do filho com aquela vigilância instintiva de pai. Em sua mão, ainda segurava o desenho. Dobrado, sim — mas não esquecido.

"— A gente vai ser uma família pra sempre, né?", Asher havia perguntado naquela manhã.

Aquilo ecoava em sua cabeça desde então. Como uma flecha cravada num ponto que ele sempre evitou olhar de frente.

Seria mesmo? Seriam?

Ele pensou nos olhos de Oriana na noite anterior. Tão escuros, tão tristes. Como se ela já tivesse dito adeus dentro de si e agora estivesse apenas aguardando o momento certo para tornar aquilo real.

E tudo por quê?

Porque ele nunca aprendeu a estar por inteiro. Porque confundia liberdade com fuga. Porque preferia lidar com contratos a lidar com emoções.

Noam era um excelente empresário, um visionário nas negociações, um nome temido em qualquer sala de conferência. Mas em casa, com Oriana, ele sempre fora um homem inacabado.

Quando ela precisava de presença, ele entregava agenda.

Quando ela pedia conexão, ele oferecia silêncio.

E agora, quando ela precisava de confiança, ele permitia que o passado jogasse sombras sobre eles.

O nome Serena parecia sujo agora. Tóxico. Não pela mulher em si — mas pelo que ela representava. O símbolo de uma falha que ele não cometeu, mas também não soube impedir que parecesse real.

Noam abaixou o olhar para o desenho em suas mãos. O coração no centro da folha era enorme. Desproporcional. Como a esperança de uma criança que não conhece o peso dos “e se”.

“Vamos sempre amar você”, ele dissera. Mas amar não era o bastante se ele continuasse sendo esse homem: ausente em alma, mesmo quando presente em corpo.

— Papai! — a voz de Asher o tirou dos pensamentos. O menino vinha correndo, com os braços abertos, rindo. — Olha! Achei uma folha igual à do desenho!

Ele mostrou uma folha alaranjada em forma de coração. Torta, frágil, linda. Noam sorriu — um sorriso cansado, mas sincero.

— É perfeita, filho.

Asher se sentou ao lado dele, encostando a cabeça no braço do pai.

— Quando a mamãe vai vir brincar com a gente?

A pergunta veio inocente. Mas cortante.

Noam engoliu seco.

— Logo. Ela tá trabalhando hoje.

— Mamãe não tá feliz, né?

Ele virou o rosto, surpreso.

— Por que diz isso?

— Porque ela me abraçou mais forte que o normal. Quando ela faz isso é porque tá triste.

Noam não conseguiu responder. Apenas passou o braço ao redor do pequeno, apertando-o contra si.

— A mamãe te ama muito, Asher. E eu também.

— Mesmo quando vocês brigam?

— Sempre.

O menino assentiu com aquele jeito sábio e simples que só as crianças têm. Depois se levantou e correu novamente.

Noam ficou ali, observando, o peito apertado.

Ele sabia que não bastava prometer. Não bastava sentir.

Era hora de agir.

E, talvez, de crescer. Tarde, mas não tarde demais.

E se havia algo que ele ainda podia fazer, era lutar para que Asher continuasse desenhando os três de mãos dadas.

E para que Oriana — mesmo que cheia de dúvidas agora — pudesse, um dia, olhar para ele sem tristeza nos olhos.

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Comments

Salete Michels de Gracia

Salete Michels de Gracia

Essa criança teria no máximo dois anos,pq estão casados somente a três anos, então esse tamanho não condiz com a idade que ele deveria ter. Se atente a isso autora pq está fora de contexto.

2025-07-14

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