O Dia do "Não"

O vestido estava pendurado na porta, exatamente como ela se lembrava. Branco, delicado, com renda nas mangas e botões de pérola nas costas — o vestido que Aurora escolhera com tanto carinho. Mas agora, ele parecia um símbolo de tudo que ela queria esquecer.

Ela não conseguia tirar os olhos dele.

De repente, casar com Gustavo não era apenas um erro… era uma sentença de morte.

Bateram à porta.

— Aurora? — era a voz doce e animada de Sabrina. — Abre, amiga! Trouxe café e um docinho pra acalmar os nervos!

Aurora fechou os olhos. Por dentro, seu estômago revirava.

A mulher que a mataria horas depois estava ali, sorrindo do outro lado da porta.

Inspirou fundo e respirou devagar. Ela precisava ser cuidadosa. Ainda não era o momento de confrontar ninguém. Precisava observar, entender, planejar.

Abriu a porta com um sorriso forçado.

— Que bom que você veio — disse, mantendo o tom neutro.

Sabrina entrou com seu jeito leve de sempre, equilibrando uma bandeja com xícaras e pãezinhos.

— Está nervosa? É hoje, Aurora! Vai finalmente virar esposa oficial do Gustavo! — disse, com aquele falso entusiasmo que Aurora agora via com tanta clareza.

Ela não respondeu de imediato. Apenas observou a "amiga", estudando cada movimento, cada expressão.

Quantas vezes ela havia confiado em Sabrina? Quantos segredos divididos? Quantas risadas cúmplices que agora pareciam veneno?

— Você parece estranha — comentou Sabrina, franzindo a testa. — Dormiu bem?

Aurora sorriu, mas seus olhos estavam frios.

— Tive um sonho… tão real que parece que vivi tudo de novo.

— Sonho com o casamento?

Ela olhou firme para ela.

— Sonho com traição.

Sabrina congelou por um segundo. A expressão confusa, forçada. Depois, soltou uma risada.

— Cruz credo, que pesado! Deve ser o nervosismo.

Aurora apenas assentiu, mas por dentro sentia a raiva crescendo como brasas.

Mais tarde, enquanto os cabelos eram penteados e a maquiagem feita, Aurora observava tudo em silêncio. As amigas falavam, riam, tiravam fotos. O salão estava cheio de flores, tudo perfeitamente ensaiado.

E então ele entrou.

Gustavo.

Vestido com um terno escuro impecável, sorriso ensaiado, aquele charme que a conquistara dez anos antes.

Ao vê-lo, Aurora sentiu um misto de nojo e tristeza.

— Posso falar com ela um minutinho? — pediu ele às maquiadoras.

Quando ficaram sozinhos, ele se aproximou, pegando em suas mãos.

— Você está linda — disse, encarando seus olhos.

Ela segurou as lágrimas. Não de emoção… mas de lembrança. Lembrança do sangue, da dor, da frieza com que ele a matou.

— Gustavo — ela sussurrou, séria. — Você me ama?

Ele riu, sem notar a gravidade da pergunta.

— Claro que amo. É o dia mais importante da nossa vida.

Ela o encarou, profundamente. Pela primeira vez, viu nele o que antes ignorava: a mentira nos olhos, a dissimulação no tom de voz.

E foi nesse momento que Aurora soube.

Ela não diria "sim".

Ela não choraria de novo.

Ela não morreria por ele.

Ela ia destruí-lo.

Aurora ficou em silêncio por um tempo, ainda olhando para Gustavo. Por dentro, as memórias da morte invadiam sua mente como lâminas — a dor nas costas, o chão frio, a última imagem: ele, parado, indiferente, vendo sua vida escorrer como se fosse nada.

— Preciso de um momento sozinha — disse, puxando a mão com firmeza.

— Amor, o que foi? Está pálida. Tá tudo bem?

Ela fingiu um sorriso.

— Está sim. Só preciso respirar.

Gustavo hesitou, mas assentiu.

Assim que ele saiu, Aurora caminhou até o espelho. Observou seu próprio reflexo. Tão jovem. Tão viva. Tão enganada.

Mas agora ela sabia. Sabia de tudo.

O tempo voltou, e com ele, a chance de mudar o fim.

Os minutos seguintes pareciam ensaiados por outra pessoa. A mãe entrou no quarto com lágrimas nos olhos, arrumando o véu, elogiando o buquê, orgulhosa por ver a filha se casando.

Aurora escutava, mas era como se estivesse atrás de um vidro. Aquela mulher que sua mãe via — submissa, apaixonada, vulnerável — já não existia.

A marcha nupcial começou.

As portas se abriram. Todos os olhos se voltaram para ela.

O salão estava cheio. Convidados emocionados, celulares gravando, sorrisos esperando o conto de fadas começar.

Mas dentro de Aurora, o que existia era só uma certeza.

Ela caminhou até o altar com passos firmes. Gustavo a esperava com um olhar apaixonado, ensaiado. Sabrina estava ali ao lado, sorrindo como quem vencia uma competição que ainda não sabiam estar perdida.

O padre começou a falar. As palavras passavam por Aurora como vento. Nenhuma delas importava.

— Aurora… você aceita Gustavo como seu legítimo esposo, para amá-lo, honrá-lo e respeitá-lo, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe?

O salão silenciou.

Aurora encarou Gustavo por um longo segundo. Ele esperava o “sim”.

Mas ela deu um passo atrás.

— Não.

A voz dela saiu firme, clara.

— Eu não aceito.

Um burburinho tomou conta do lugar. O choque se espalhou como uma onda. Gustavo a olhava sem entender. Sabrina congelou.

— Aurora… — ele murmurou, tentando segurar sua mão.

Ela recuou.

— Não me toque.

— O que está fazendo?! — Sabrina se adiantou, fingindo preocupação.

Aurora a encarou.

— Devolvendo a mim mesma o que vocês tiraram: a minha dignidade.

Ela tirou o véu, arrancou o buquê das mãos e o jogou sobre o altar.

— Este casamento nunca deveria acontecer.

E, com a cabeça erguida, ela virou as costas e saiu.

Sozinha.

Forte.

Renascida.

Do lado de fora, a luz do fim da tarde a envolvia. Pela primeira vez em muito tempo, Aurora respirou fundo sem dor no peito. A mulher que morreu já não existia.

Agora, havia apenas a que voltou.

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Comments

Marilena Yuriko Nishiyama

Marilena Yuriko Nishiyama

é isso aí Aurora,disse Não ao escroto traidor e bem feito Augusto

2025-05-18

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