Capítulo 2: Talvez nova garçonete

A multidão ao nosso redor, ainda em choque, abriu caminho para a mãe desesperada que se jogou nos braços do filho, chorando em pânico.

— Obrigada — agradeceu ela, segurando o menino com força, como se quisesse fundi-lo ao próprio corpo, impedindo que qualquer coisa ruim se aproximasse dele novamente.

— Não foi nada — respondi, meio sem saber onde enfiar a cara com tantas pessoas olhando.

Por sorte, a caminhonete havia parado a tempo, evitando uma tragédia. O impacto que nos derrubou não foi forte, e a criança saiu ilesa. Já meu joelho não teve tanta sorte. Um corte ardido se formava com o sangue escorrendo lentamente, resultado do atrito com o asfalto quente.

Após um rápido atendimento dos socorristas, fui liberada. Nada sério, segundo eles. Mas a situação deixou uma pulga atrás da orelha. A cada dia que passa, tenho mais certeza: não nasci pra ser mãe. Mal consigo cuidar de mim... quem dirá de uma criança.

Sacudi o pensamento e continuei minha saga, entregando os currículos que faltavam. Me candidatei para vagas de garçonete, cabeleireira, faxineira... qualquer coisa que me rendesse algum dinheiro. Apesar de estar cursando Administração, precisei trancar o curso. A grana não deu. Não dava mais nem pra passagem.

Voltei pra casa com as pernas doendo e o corpo pedindo arrego. Mas, claro, como boa protagonista de vida caótica, meu dia não podia acabar sem uma nova humilhação. Um infeliz passou com o carro em uma poça gigantesca e me molhou da cabeça aos pés com lama.

Maldição. Justo hoje que eu tinha lavado o cabelo! Agora teria que repetir tudo. Voltei para casa praguejando o motorista com todos os palavrões que conhecia — e ainda inventei uns novos só pra ele. As pessoas na rua me olhavam como se eu fosse um ser emergido do esgoto. E talvez, visualmente, eu estivesse mesmo.

Cheguei em casa furiosa. Vermelha de raiva, um pouco da lama ainda escorrendo pela nuca. Subi direto para o meu quarto e fui pro banho, tentando lavar o dia de mim. Minha mãe ainda não tinha chegado.

Já mais limpa — por fora, pelo menos — decidi fazer o almoço. Sei o quanto minha mãe chega cansada, e queria poupá-la de mais uma tarefa. Nunca fui uma chef, mas também não morro de fome com minhas invenções. Preparei um feijão bem temperadinho, arroz soltinho e macarrão. Nada chique, só aquele almoço simples com gosto de casa.

Comi, enchi a barriga e me joguei no sofá para maratonar minhas séries favoritas. Uma delas, Lúcifer, era sagrada. E entre nós, que diabo mais delicioso. Já perdi as contas de quantos sonhos safados tive com ele. Daqueles em que você acorda suando, o coração disparado e uma certa região do corpo pedindo socorro. Nesses dias, só banho gelado resolve.

Fiquei tanto tempo assistindo que o sono me venceu. Dormi ali mesmo, com o controle na mão, sem nem perceber a hora.

[...]

Um sacolejo insistente começou a me tirar do torpor. Quem era o abençoado me balançando daquele jeito bruto? Não se pode mais dormir em paz? O sono estava bom demais pra ser interrompido por alguém sem noção.

— Peste, o que é? — murmurei, sem abrir os olhos, com a paciência esgotada.

A pessoa parou de me balançar. Aleluia, pensei.

Mas não. Era só o silêncio antes da tempestade. De repente, um balde de água fria caiu sobre mim, seguido por um puxão tão violento que fui parar no chão. Levantei mais rápido que o Flash.

— Me respeita, menina! Ainda sou sua mãe! Você me chama de peste? Eu que te carreguei nove meses, passei horas gritando pra te parir, e agora você me trata assim? — Ela desfilava pela sala como uma general furiosa, sem nem me dar chance de resposta.

— Mãe, desculpa! Eu não sabia que era a senhora. Foi sem querer, meu raio de luz, estrela da minha vida! — corri atrás dela, tentando amenizar a situação.

— Quem mais seria, criatura? Só moramos nós duas aqui! Você acha que é visita? Vai sonhando! E mesmo que fosse, iriam tocar a campainha! — respondeu, revirando os olhos.

— Desculpa mesmo. Você sabe que foi reflexo. — A abracei com força e dei aquele beijo longo que ela adora. A puxei para o sofá. — Fiz até o almoço. Já comeu?

— Já sim. Quando cheguei, a senhorita estava aqui, dormindo feito pedra — disse, me analisando de cima a baixo.

— E a entrevista? Conta tudo! — perguntei, cheia de esperança.

— A dona da casa é super educada. A entrevista foi maravilhosa. Conversamos horas, acredita? — sorriu.

— E aí? Conseguiu ou não? Fala logo, mãe! — quase pulei no sofá de ansiedade.

— Consegui, claro! O salário é ótimo, muito além do que esperávamos. Vamos sair do sufoco, filha — disse, apertando minha mão com carinho. — E você? Entregou todos os currículos?

— Entreguei sim. Agora é torcer para que alguém me ligue até amanhã — falei, ligando a TV. — Vamos assistir mais um pouco. Já tá anoitecendo.

— Estava conhecendo a mansão. Começo amanhã cedo — respondeu, sentando ao meu lado. — Mas agora... Lúcifer, porque ninguém é de ferro.

Terminamos de maratonar nossas séries favoritas, com direito a risadas, comentários maliciosos e aquele laço de amizade que só mãe e filha têm. Depois, fomos preparar o jantar. Fiquei com as tarefas básicas, enquanto ela cuidava do principal.

Enquanto ela terminava de cozinhar, fui conferir meus e-mails. E não é que tinha uma resposta?

Senhorita Mabelly Houston,

Seu currículo nos chamou atenção. Gostaríamos que comparecesse ao endereço abaixo para uma entrevista.

Agradecemos desde já,

Restaurante San Diego

Rua: Kwamis, Nº 312.

Li três vezes pra ter certeza. E ainda me perguntei: que nome é esse? Kwamis? Parece nome de desenho, eu sai entregando tanto currículos que nem me lembro os nomes das ruas.

Mas tudo bem, o importante é que... fui chamada pra entrevista!

— MÃE! Vem aqui agora! — gritei, correndo até a cozinha. — Recebi um e-mail! Um restaurante me chamou! Vou fazer entrevista pra garçonete!

— Como assim conseguiu um emprego? Há meia hora você tava deitada no sofá sem perspectiva nenhuma! — ela disse, surpresa.

— Vamos jantar e eu te conto tudo! — falei, cheia de entusiasmo.

E foi assim, entre garfadas e sorrisos, que contei sobre o acidente, a poça de lama, os currículos e, enfim, a tão esperada entrevista. Pela primeira vez em muito tempo, fui dormir com um fiozinho de esperança aceso dentro de mim.

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Comments

roseli rosa martins floriano

roseli rosa martins floriano

o filho da gente é muito diferente, a maternidade nos modifica. E o jeito que você pulou para proteger uma criança que você nem conhecia me diz que você está errada .

2025-06-03

4

roseli rosa martins floriano

roseli rosa martins floriano

Eu no lugar do macarrão teria feito um ovo frito, mas aceito o macarrão .

2025-06-03

0

roseli rosa martins floriano

roseli rosa martins floriano

Sim ela entregou, quase morreu atropelada mas isso é outra história.

2025-06-03

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1: O começo
2 Capítulo 2: Talvez nova garçonete
3 Capítulo 3: San Diego
4 Capítulo 4: Vamos que vamos
5 Capítulo 5: Só pode ser brincadeira
6 Capítulo 6: A entrevista
7 Capítulo 7: Senhor Victor Perrotti
8 Capítulo 8: Vingança contra os vizinhos
9 Capítulo 9: O feitiço virou contra o feiticeiro
10 Capítulo 10: Delegacia
11 Capítulo 11: Minha mãe
12 Capítulo 12: Dia Infernalmente Promissor parte 1
13 Capítulo 13: Dia Infernalmente Promissor parte 2
14 Capítulo 14: Quem é a minha mãe?
15 Capítulo 15: Melhor do que eu parte 1
16 Capítulo 16: Melhor do que eu parte 2
17 Capítulo 17: Segundo Dia de Trabalho parte 1
18 Capítulo 18: Segundo Dia de Trabalho parte 2
19 Capítulo 19: Viagem - Eu e o Robô do meu chefe parte 1
20 Capítulo 20: Viagem - Eu e o Robô do meu chefe parte 2
21 Capítulo 21: Viagem - Eu e o Robô do meu chefe parte 3
22 Seu apoio faz a diferença
23 Capítulo 22: Flerte e desastre
24 Capítulo 23: Mudanças parte 1
25 Capítulo 24: Mudanças parte 2
26 Capítulo 25: Noitada
27 Capítulo 26: Bêbada
28 Capítulo 27: Humilhação em dose dupla
29 Capítulo 28: Fofoca
30 Capítulo 29: Bolsada fatal no meu chefe
31 Capítulo 30: Entregue ao Prazer parte 1
32 Capítulo 31: Entregue ao prazer parte 2
33 Capítulo 32: Homem desconhecido
34 Capítulo 33: Tá de sacanagem!
35 Capítulo 34: Theo parte 1
36 Capítulo 35: Theo parte 2
37 Capítulo 36: Cafés Quentes
38 Capítulo 37: Propostas Indecentes
39 Capítulo 38: Boate
40 Capítulo 39: Beijos
41 Capítulo 40: Sexo selvagem
42 Capítulo 41: Surtada
Capítulos

Atualizado até capítulo 42

1
Capítulo 1: O começo
2
Capítulo 2: Talvez nova garçonete
3
Capítulo 3: San Diego
4
Capítulo 4: Vamos que vamos
5
Capítulo 5: Só pode ser brincadeira
6
Capítulo 6: A entrevista
7
Capítulo 7: Senhor Victor Perrotti
8
Capítulo 8: Vingança contra os vizinhos
9
Capítulo 9: O feitiço virou contra o feiticeiro
10
Capítulo 10: Delegacia
11
Capítulo 11: Minha mãe
12
Capítulo 12: Dia Infernalmente Promissor parte 1
13
Capítulo 13: Dia Infernalmente Promissor parte 2
14
Capítulo 14: Quem é a minha mãe?
15
Capítulo 15: Melhor do que eu parte 1
16
Capítulo 16: Melhor do que eu parte 2
17
Capítulo 17: Segundo Dia de Trabalho parte 1
18
Capítulo 18: Segundo Dia de Trabalho parte 2
19
Capítulo 19: Viagem - Eu e o Robô do meu chefe parte 1
20
Capítulo 20: Viagem - Eu e o Robô do meu chefe parte 2
21
Capítulo 21: Viagem - Eu e o Robô do meu chefe parte 3
22
Seu apoio faz a diferença
23
Capítulo 22: Flerte e desastre
24
Capítulo 23: Mudanças parte 1
25
Capítulo 24: Mudanças parte 2
26
Capítulo 25: Noitada
27
Capítulo 26: Bêbada
28
Capítulo 27: Humilhação em dose dupla
29
Capítulo 28: Fofoca
30
Capítulo 29: Bolsada fatal no meu chefe
31
Capítulo 30: Entregue ao Prazer parte 1
32
Capítulo 31: Entregue ao prazer parte 2
33
Capítulo 32: Homem desconhecido
34
Capítulo 33: Tá de sacanagem!
35
Capítulo 34: Theo parte 1
36
Capítulo 35: Theo parte 2
37
Capítulo 36: Cafés Quentes
38
Capítulo 37: Propostas Indecentes
39
Capítulo 38: Boate
40
Capítulo 39: Beijos
41
Capítulo 40: Sexo selvagem
42
Capítulo 41: Surtada

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