isso vai ser um inferno

Cheguei em casa com aquela sensação incômoda no peito. O dia já tinha começado errado, e o trânsito só fez colocar mais lenha nessa fogueira invisível que insiste em arder nos dias em que eu só quero... silêncio.

Assim que atravessei o portão principal, percebi algo estranho. Tinha movimento demais pra uma casa que deveria estar vazia. Franzi a testa, as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo e o boné abaixado sobre os olhos. Preferia assim — menos gente, menos contato visual, menos conversa.

O segurança veio até mim com um semblante hesitante.

— Senhor Min... a nova funcionária chegou.

Parei no mesmo instante.

— Funcionária?

— A responsável pela limpeza. Foi contratada ontem pela agência, como solicitado. Ela chegou faz pouco. Está na sala principal.

Suspirei, irritado. Eu realmente tinha assinado esse contrato? Devia ter sido em algum momento de cansaço extremo. Provavelmente nem li direito. Tudo que eu queria era alguém que limpasse sem fazer barulho. Sem invadir meu espaço. Sem tentar puxar papo.

Subi os degraus da entrada sem pressa. A mansão — moderna, minimalista, sóbria — era o reflexo do que eu tentava manter dentro de mim: controle. Cada peça de arte no lugar. Tons neutros. Móveis retos. E, claro, tudo silencioso. Ou, pelo menos, era pra estar.

Assim que entrei, me deparei com ela.

Parada no meio da sala, como se já conhecesse cada canto do lugar. O cabelo preso de qualquer jeito, roupa casual, e um sorriso... grande demais.

Alto demais.

Vivo demais.

E isso já me incomodou.

Ela virou, e quando os olhos dela encontraram os meus, abriu um sorriso ainda maior.

— Meu Deus — murmurou, mais pra si. — Esse homem saiu direto de um livro de romance, só pode.

Revirei os olhos.

Ela veio até mim, rápida, estendendo a mão como se fosse me cumprimentar. Mas no meio do caminho, pareceu lembrar de algo e fez uma reverência desajeitada. Tentou misturar o cumprimento ocidental com o coreano e o resultado foi... um desastre. Só a encarei. Não estendi a mão. Não retribuí. Só deixei o silêncio falar por mim.

— Joyce — disse ela, sorrindo como se eu fosse uma velha amiga. — Sou a nova funcionária. Fui enviada pela agência pra cuidar da limpeza e organização. O senhor... você... quer dizer, eu já posso começar?

— Hm.

Virei as costas e subi as escadas.

— Seu quarto é o segundo à direita. Não mexe nas coisas do estúdio.

— Entendido, chefe.

A ironia no tom dela me fez cerrar os dentes. Que tipo de gente acha que é engraçada logo no primeiro contato? O pior: ela não parece saber quem eu sou. Quer dizer... ela mora na Coreia. Com certeza já ouviu falar de BTS. Mas aquele olhar despreocupado... não é comum.

Joguei o celular na cama e me sentei. Passei as mãos no rosto, tentando entender por que raios eu achei que contratar alguém assim seria uma boa ideia.

O celular vibrou.

Mensagem do Jin.

“E aí, vai dar pra passar aí mais tarde?”

Respondi sem rodeios.

“Tem uma funcionária nova aqui. Não é um bom momento.”

“Funcionária? Hummm. Ela é bonita?”

Suspirei.

“Ela é barulhenta.”

“Tipo você quando tenta cozinhar?”

Tive que conter um sorriso.

“Não confio nela. Parece estrangeira. Tem um jeito estranho. Muito falante. Muito viva.”

“Se ela for tão divertida assim quanto você descreveu, vou aí conhecer. Já tô curioso.”

Revirei os olhos e digitei com raiva.

“Nem invente.”

E desliguei o celular na cara dele.

Levantei e fui até a janela. O jardim estava mais bagunçado do que eu lembrava. Será que ela ia meter o bedelho ali também?

Fiquei observando por um tempo, pensando em tudo que eu tinha vivido nos últimos anos. Já tinham tentado me invadir. Já roubaram informação. Já fingiram ser quem não eram pra se aproximar. Quando você é artista, aprende a desconfiar até da sombra. Aprende a manter distância. Aprende a não dar abertura.

E ela? Ela entrou sorrindo. Falando. Bagunçando o ar da casa inteira com aquela energia descontrolada.

— No primeiro deslize — murmurei, encarando meu reflexo no vidro — eu deleto ela da minha casa.

A risada dela ecoou da sala, alta, clara, atravessando paredes como uma flecha certeira.

Fechei os olhos e respirei fundo.

— Isso vai ser um inferno.

Fim do capítulo.

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