covil no meu patrão

Toquei a campainha com o dedo firme, daquele jeito que diz “cheguei e quero ser notada”. O botão era cromado, tão limpo que eu vi meu reflexo torto nele. Respirei fundo. Nada aconteceu por uns bons cinco segundos.

— Alô? — disse uma voz abafada. Era um interfone, camuflado numa daquelas colunas modernas que parecem coisa de filme futurista.

— Joyce. Nova funcionária. Vim pra arrumar a vida de alguém — falei, mastigando o “R” só pra parecer mais brasileira.

— Documento? — o segurança respondeu seco.

— Documento? Só se for minha identidade emocional instável. Brincadeira. Aqui está meu passaporte.

Esperei o barulho do portão automático. Ele abriu devagar, como se a casa ainda estivesse decidindo se queria me engolir ou não. E eu entrei, puxando minha mala de rodinhas que fazia um “toc toc toc” irritante na entrada de pedra polida.

A mansão era... cara. Aquele tipo de cara que não grita riqueza, mas sussurra com sotaque francês.

Vidros gigantes. Concreto escuro. Painéis de madeira que pareciam escovados à mão por monges silenciosos. Um jardim minimalista, com plantas que pareciam podadas com régua. E silêncio. Um silêncio tão sólido que dava vontade de pedir licença antes de tossir.

— É... chique — murmurei, tentando parecer blasé, mas por dentro eu tava pensando “eu nunca mais vou voltar pra kitnet”.

O segurança apareceu, um homem alto, de terno preto, cara de poucos amigos. Me mediu dos pés à cabeça com uma sobrancelha arqueada.

— Você que é a Joyce?

— Em carne, osso e cílios postiços. Muito prazer. — Estendi a mão com entusiasmo.

Ele não apertou. Só virou de costas.

— O patrão tá chegando. Vai te mostrar o quarto. Não mexe nas coisas até lá.

— Tudo bem, chefe. Só vou olhar. Com os olhos, juro.

Comecei a andar pela sala, absorvendo cada detalhe. À primeira vista, parecia impecável. Sofás em tons neutros. Mesa de centro com livros de arte que ninguém nunca abriu. Um perfume no ar — algo amadeirado, caro, quase arrogante.

Mas... aí meu olhar treinado entrou em ação.

Uma camada fina de poeira no canto do abajur. Fios soltos atrás do painel da TV, como intestinos expostos. A cortina da janela tinha um pequeno rasgo na costura.

— Aha! — sussurrei pra mim mesma. — Você finge que é perfeita, mas tá toda desorganizada por dentro. Igual eu.

— Você tá falando com a sala? — perguntou o segurança, seco.

— Tô. Ela começou primeiro. Mas tudo bem, já estamos fazendo amizade.

Ele bufou, claramente arrependido da existência de Joyce na casa dele.

— Você vai durar dois dias. Três se o chefe estiver ocupado demais pra notar você.

— Olha, se eu ganhasse uma moeda toda vez que alguém dissesse isso, eu já tinha comprado essa mansão.

E então, a porta se abriu.

O som dos passos ecoou pelo mármore. Lentos. Precisos. De quem não tem pressa porque o mundo espera.

E aí eu vi ele.

Yoongi.

Na primeira batida de olho, eu pensei: meu Deus, esse homem saiu direto de um romance dark academia com cheiro de whisky caro e solidão crônica.

Ele vestia preto. Tudo preto. Calça, camisa, casaco. Como se as cores tivessem medo dele. O cabelo escuro caía suavemente na testa. E os olhos… ah, os olhos. Frios, afiados, de quem calcula tudo e não gosta de ninguém.

Ele me olhou de cima a baixo. Eu senti. E se tivesse algo torto em mim, ele viu. Analisou minha roupa simples, meu sorriso largo, meu jeito de estar 100% deslocada naquele universo silencioso. Eu sorri ainda mais. Por desafio.

— Oi! Joyce. Nova funcionária. Vim salvar sua casa do caos oculto.

Ele não respondeu.

Apenas encarou.

— Ou… só limpar mesmo. Se preferir uma abordagem mais tradicional.

Nada.

Estendi a mão pra cumprimentá-lo. Ele hesitou. Eu lembrei.

— Ah! Aqui vocês abaixam a cabeça, né? — Abaixei a minha de um jeito todo torto, como quem bateu no próprio queixo tentando fazer reverência.

Ele ergueu uma sobrancelha. E finalmente disse algo.

— Você fala demais.

— É o que dizem. Mas também dizem que sou ótima com panos e dramas.

Silêncio.

Ele virou-se para o segurança.

— Mostre o quarto dela. Depois, o escritório. E não a deixe tocar em nada ainda.

E saiu. Assim, como se fosse fumaça fria.

Fiquei ali, com meu sorriso congelado, olhando pra ele sumir escada acima.

— Ele é sempre assim? — perguntei.

— Isso foi o mais simpático que ele foi em semanas — respondeu o segurança.

Suspirei.

— Vai ser uma longa temporada. Que Deus me ajude. E que minha calcinha continue bonita, só por precaução.

Puxei minha mala. Entrei de vez.

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