O Sussurro Retorna

A escuridão a engoliu no instante em que Jennie apagou a lanterna.

Não restava mais luz. Nem do céu. Nem do chão. Nem da alma.

Tudo ao redor era negrume espesso, sufocante, como se o mundo tivesse parado de respirar. A floresta se calou, mas o silêncio não trouxe paz — era um silêncio que gritava, que pressionava os ouvidos como se quisesse arrancar a sanidade de dentro dela.

As figuras à sua volta se moviam lentamente, e Jennie podia sentir seus olhos — muitos, famintos — perfurando sua pele como agulhas invisíveis. A coisa que usava o rosto de Gabriel se aproximou, arrastando os pés como se não pertencesse ao corpo que habitava. O cheiro de podridão ficou mais forte. Um cheiro doce e apodrecido, como flores mortas sobre carne estragada.

— Agora… você sente — ele disse com uma voz que não era mais dele, mas de algo ancestral, algo que não devia existir.

Jennie não respondeu. Estava paralisada. Seu corpo tremia, mas seus pés estavam presos ao chão como raízes.

A criatura estendeu a mão novamente, e ela viu de perto: as unhas eram negras e quebradas, e a pele se desfazia aos poucos como papel molhado. Ainda assim, havia algo… humano. Um traço. Uma dor.

— Eu só queria que você ficasse — sussurrou a voz, e pela primeira vez, soou sincera.

— Eu… eu tentei voltar… — Jennie disse, a voz falhando.

— Mas voltou tarde.

A terra sob os pés de Jennie começou a se mover. Como se respirasse. Como se abrisse a boca. E então ela percebeu: não era apenas Gabriel. Não era apenas uma criatura. Era algo muito maior.

A floresta estava viva. E estava faminta.

Memórias invadiram sua mente com força brutal. Gabriel correndo, gritando seu nome, caindo. Os olhos dele quando percebeu que ela não voltaria. O som do corpo sendo arrastado, os gritos sendo engolidos pelas árvores. Ela viu tudo como se estivesse ali de novo. Mas não como antes. Agora ela via pelos olhos da floresta.

Ela viu o desespero.

A solidão.

O abandono.

A voz ao seu redor mudou. Agora não era mais uma só. Era um sussurro coletivo. Crianças, idosos, homens, mulheres… todos dizendo o mesmo:

— Você também nos deixou…

— Você também correu…

— Agora… vai ficar.

Jennie chorava. Mas não havia mais lágrimas. Só o som seco da garganta arranhando.

A criatura tocou seu rosto com as pontas dos dedos. Frio. Sem vida. Mas havia algo… gentil no gesto. Como se, por um instante, Gabriel ainda estivesse ali.

— Você me amava, Jennie?

Ela assentiu, sem forças para falar.

— Então prove.

Antes que ela pudesse reagir, as sombras se fecharam ao redor. Braços surgiram da terra — finos, esqueléticos, decompostos — puxando-a lentamente para baixo. Ela tentou gritar, mas o som não saiu. Tentou lutar, mas era como lutar contra a própria culpa.

Ela afundava.

E o colar em seu pescoço, o último presente dele, começou a se apertar sozinho. Como uma mão invisível tentando arrancá-lo. Mas então, ele brilhou. Um brilho fraco, quente, como uma memória viva.

A criatura hesitou.

— Isso… ainda é meu? — perguntou, tocando o pingente.

Jennie segurou o colar com força.

— Sempre foi.

A luz aumentou. Por um segundo, o chão parou. Os braços sumiram. As sombras gritaram.

Mas então… tudo escureceu de novo.

O colar caiu no chão.

Jennie desapareceu com um último suspiro.

A floresta engoliu mais uma.

Na manhã seguinte, os moradores da cidade notaram algo estranho. Uma neblina espessa cobria a estrada próxima à trilha. Animais silenciaram. Os galhos estavam quebrados, virados para dentro, como se algo tivesse passado por ali com violência.

E no chão, à beira da floresta, apenas um objeto.

O colar. Sujo. Frio. Silencioso.

Desde então, ninguém ousa entrar na trilha após o pôr do sol.

Porque o sussurro voltou.

E agora, tem a voz de Jennie também.

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