Dois Meses Antes

O céu estava limpo naquela tarde de outono, e o cheiro de folhas secas se misturava ao ar fresco da floresta. Jennie sorria ao lado de Gabriel, enquanto os dois caminhavam por uma trilha quase esquecida, guiados apenas pela memória e pela promessa de uma noite especial. Era o aniversário de dois anos de namoro — e, como tradição, decidiram acampar no mesmo local onde haviam passado seu primeiro verão juntos.

— Ainda tem certeza de que lembra o caminho? — Jennie perguntou, rindo ao ver Gabriel dar uma olhada hesitante ao redor.

— Confia em mim, eu sei onde é. A barraca ficava perto daquele pinheiro torto ali, lembra? — respondeu ele, apontando para uma árvore de aparência irregular que parecia curvada pela idade ou pelo peso dos segredos que guardava.

Chegaram à clareira pouco depois. Era um espaço aberto no meio das árvores, cercado por pedras e galhos, com o chão coberto de musgo e folhas secas. Um lugar calmo, quase mágico. O sol passava por entre os galhos altos, pintando o chão com manchas douradas que se moviam com o vento.

Armaram a barraca com risos, algumas discussões e muitas tentativas falhas. Depois de montar tudo, sentaram à beira da fogueira que Gabriel acendeu com dificuldade, assaram marshmallows e brindaram com refrigerante morno.

— A gente devia vir aqui todo ano. — Jennie disse, deitada sobre o cobertor estendido na grama, olhando o céu escurecer.

— Talvez a gente devesse morar aqui. Construir uma cabana. Largar tudo. Viver da terra. — Gabriel respondeu com um sorriso bobo.

— Você não sobreviveria um dia sem wi-fi — ela provocou, rindo.

Os dois se beijaram. Era paz. Era amor.

Mas então, como um corte no tecido da noite, o som veio. Um barulho estranho, agudo, como um lamento distante. Um choro abafado... algo entre dor e desespero. Os dois se entreolharam.

— O que foi isso? — Jennie perguntou, se sentando.

— Não sei… parece alguém... chorando? — Gabriel respondeu, franzindo a testa.

— Você acha que é um animal?

— Não sei. Mas parece... humano.

O som ecoou novamente, mais forte. Algo naquela voz os chamava. Não como um pedido de socorro, mas como uma convocação. Contra o bom senso, Gabriel pegou uma lanterna, e os dois seguiram o som.

A floresta parecia mais escura do que antes. As árvores, mais próximas. A terra, mais úmida. O choro se tornava mais alto, mais gutural, mais... errado.

— Gabriel, acho melhor voltarmos... — Jennie disse, hesitante.

— Só mais um pouco. Se for alguém ferido, a gente precisa ajudar.

Então, do nada, o som cessou. Por um momento, havia apenas silêncio. Um silêncio absoluto, pesado. Até que uma figura emergiu da escuridão.

Era humanoide... mas não era humano.

A pele era pálida, quase translúcida. Os olhos, negros como breu. Os movimentos, distorcidos. E sua boca... aberta em um grito que não fazia som, apenas dor.

E então, de repente, o som veio com força total.

— AHHHHHHHHH! — a criatura gritou, correndo em direção a eles com uma velocidade impossível.

— CORRE, JENNIE! — gritou Gabriel, puxando sua mão.

Eles correram pela floresta em desespero. As árvores se tornavam borrões. O ar parecia faltar. Mas a coisa estava atrás deles. Seus gritos faziam o mundo tremer.

Foi então que Jennie tropeçou. Um tropeço seco, pesado.

Ela caiu de joelhos. Gabriel iluminou o chão com a lanterna — e o que viu fez o sangue gelar.

Era um corpo.

Meio enterrado, podre, com o rosto contorcido num último suspiro. Olhos abertos, sem alma. Braços quebrados em ângulos impossíveis.

— LEVANTA, JENNIE! — Gabriel gritou, puxando-a à força.

Mas a criatura já estava perto. Muito perto.

Ele se colocou entre ela e a coisa. Tentou segurá-la, impedi-la, enfrentá-la — mas foi jogado longe como um boneco de pano. Jennie gritou, correu, chorando, sem olhar para trás.

— GABRIEL! — seu grito ecoou pela floresta.

Mas não houve resposta.

Ela correu até ver o asfalto. Caiu na estrada, exausta, coberta de lama e sangue.

Pouco tempo depois, chegou à delegacia da cidade. Tremia, soluçava, as palavras se atropelavam.

— Eu... a gente... estávamos na floresta... alguma coisa nos atacou...

O policial tentou acalmá-la, mas seus olhos revelavam o que ele não dizia: não acreditava. Mesmo assim, uma patrulha foi enviada. Vasculharam o local indicado, mas nada encontraram. Nem Gabriel. Nem a barraca. Nem sinais de ataque. Apenas folhas, galhos e o silêncio.

— Senhora, a senhora passou por um trauma. Talvez tenha imaginado... — foi tudo o que disseram.

Na manhã seguinte, Jennie voltou sozinha. A clareira estava vazia. Nada restava. Nenhum sinal de que alguém estivera ali.

Mas ela sabia o que viu. O que ouviu. O que perdeu.

E naquela noite, sozinha em casa, ela ouviu de novo.

O choro.

O mesmo som vindo da floresta. Toda noite, à mesma hora.

E ela sabia: Gabriel ainda estava lá.

Mas não como antes.

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Comments

Daisy

Daisy

Sério, preciso do próximo capítulo. Estou obcecada por essa história!

2025-05-15

1

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