Jennie não dormia mais. Não de verdade. Quando conseguia fechar os olhos, era por minutos interrompidos por gritos. Sempre os mesmos. Sempre dele. O rosto de Gabriel surgia na escuridão com olhos vazios e mãos estendidas, pedindo ajuda, implorando para que ela voltasse. Mas quando ela tentava alcançá-lo, tudo se desfazia em gritos e sangue.
Dois meses haviam passado desde aquela noite. Dois meses desde que ela correu da floresta e o deixou para trás. E ainda assim, nada. Nenhuma pista. Nenhuma resposta. A polícia fez buscas, chamou voluntários, usou cães farejadores — e depois de uma semana, desistiram. “Desaparecido. Presumivelmente morto”, foi o que colocaram no relatório.
Mas Jennie sabia que ele não estava morto. Pelo menos, não como as pessoas imaginavam.
Todas as noites, à mesma hora, os gritos voltavam. E às vezes, sussurros. Vozes que falavam seu nome em tons diferentes. Alguns suplicavam. Outros acusavam.
“Você o abandonou.”
“Ele te esperava.”
“Agora é tarde.”
Jennie tentou seguir a vida. Tentou ignorar. Foi à terapia, aos cultos, às reuniões familiares. Mas nada silenciava os sons da floresta. Eles não vinham apenas da memória. Eram reais. A cada noite, mais claros. Mais próximos.
No início, achava que estava enlouquecendo. Mas então, começaram as coincidências.
As luzes piscavam sempre à mesma hora em que os sussurros apareciam. Objetos se moviam sozinhos. A moldura com a foto de Gabriel caía do mesmo lugar toda madrugada. O rádio ligava sozinho e tocava estática. E sempre que ela abria a janela, via a névoa cobrindo o quintal como se a floresta estivesse tentando se aproximar.
Foi quando ela decidiu voltar.
Não contou a ninguém. Sabia que todos achavam que ela precisava de descanso, não de mais floresta. Mas algo a puxava para lá. Uma parte dela ainda acreditava que Gabriel podia ser salvo. Ou ao menos que a verdade podia ser encontrada.
Ela saiu ao entardecer, com uma lanterna, uma mochila leve e o colar que Gabriel havia lhe dado no último aniversário. O céu estava cinza, pesado, e o vento soprava mais frio do que o normal. Quando colocou os pés na trilha, sentiu a pressão do lugar. Como se a própria floresta respirasse — lenta, densa, esperando.
A cada passo, os sons da cidade iam desaparecendo. A civilização se apagava atrás dela. E logo, restava apenas o som dos galhos, do mato, e da própria respiração.
Ela reconheceu os caminhos, mesmo sem nunca ter voltado desde a noite do ataque. Seu corpo lembrava. Cada árvore parecia conhecida, cada curva, uma cicatriz na memória.
Quando chegou à clareira onde haviam montado a barraca, o coração disparou.
Estava vazia.
Mas o chão… o chão parecia revirado, como se algo tivesse sido enterrado… ou desenterrado.
Jennie ajoelhou-se e tocou o solo. Estava úmido, mole, como carne viva. Um cheiro azedo subia da terra, e então ela ouviu.
— Jennie…
Era a voz dele.
Baixa. Fraca. Mas inconfundível.
Ela girou a lanterna, procurando em volta. Não havia ninguém.
— Gabriel? — ela sussurrou, com a voz embargada.
— Por que você me deixou…?
A voz agora vinha de todos os lados. E então, as sombras começaram a se mover.
Entre as árvores, figuras surgiam. Silhuetas. Algumas humanas. Outras… distorcidas. Nenhuma delas se aproximava. Apenas olhavam.
Jennie recuou, tremendo.
— Eu voltei. Eu voltei por você!
Uma figura surgiu no meio da clareira. Seus passos eram lentos, o corpo oscilava como se os ossos não estivessem firmes. Quando a luz da lanterna alcançou o rosto, ela gritou.
Era Gabriel.
Ou algo que usava o corpo dele.
A pele estava esbranquiçada, como se nunca mais tivesse visto sol. Os olhos, negros, sem reflexo. E o sorriso… torto, quebrado, como se tivesse sido costurado ali.
— Agora... você pode ficar comigo — ele disse, estendendo a mão.
Jennie deu um passo para trás. Mas as sombras atrás dela fecharam o caminho. A floresta não a deixaria sair de novo.
— Você me prometeu. Disse que nunca me deixaria.
Ela caiu de joelhos, chorando.
— Eu não sabia... Eu tentei voltar...
— Mas você não voltou — ele respondeu.
Gabriel se ajoelhou diante dela. A pele dele parecia vibrar, como se algo dentro quisesse sair. O colar em sua mão brilhou por um instante.
— Só existe uma saída agora — ele murmurou.
A floresta inteira pareceu prender o fôlego.
Jennie ergueu o olhar. Sabia o que precisava fazer.
E então, lentamente… ela apagou a lanterna.
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Atualizado até capítulo 26
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