O Despertar do Necromante
O céu estava encoberto naquela noite silenciosa, quando Kael Noctharion encarava a janela empoeirada da antiga mansão onde vivia exilado há um ano. A casa, pertencente a um dos ramos esquecidos da família Noctharion, estava localizada em uma região afastada das grandes cidades. Fria, sombria e cercada por bosques secos, tornara-se a cela invisível de seu castigo.
Exilado, humilhado e acusado injustamente, Kael jamais esqueceria o olhar de desprezo de Dareth, o sorriso irônico de Malrik ou o silêncio de Lioran enquanto os três forjavam sua queda. Nem os olhos tristes de Elina e Valeska, que, mesmo não participando da armação, não ousaram defendê-lo. Seleria, a mais velha, fora a única a murmurar algo em sua defesa, mas fora silenciada rapidamente por Dareth.
"Eles vão pagar. Um por um." Aquelas palavras se tornaram um mantra para Kael.
Durante o primeiro mês de exílio, entregou-se à raiva e ao ódio. Mas, no segundo mês, algo mudou. Determinado a não ser mais o elo fraco da família, Kael começou a treinar obsessivamente. Usava espantalhos e troncos de árvores para afiar suas habilidades. Manoplas para treinar o corpo, adagas para velocidade, foices para alcance, espadas para precisão, lanças para defesa e ataque, escudos para resistência e fios de aço para técnicas de assassinato silencioso. Dormia pouco, comia pouco. Seu corpo mudou. Tornou-se mais forte, ágil e silencioso. Um predador em treinamento.
No entanto, o que viria naquela noite fria e silenciosa superaria tudo.
Kael estava sentado no salão escuro da mansão, as velas acesas em volta lançando sombras longas nas paredes. Sua mente vagava nas lembranças do dia em que foi expulso do salão principal, diante de seus pais e dos visitantes nobres. Recordou do momento exato em que a acusação falsa foi feita, do desespero, da vergonha e da dor.
Então, algo dentro dele quebrou.
O ar ficou pesado. A temperatura caiu bruscamente, e as chamas das velas tremularam até se apagarem. Um sussurro antigo ecoou em sua mente, um chamado das trevas, algo que esteve adormecido desde o dia de seu nascimento. Seus olhos, antes de um tom cinzento suave, tornaram-se negros como abismos. Seu corpo tremia, não de medo, mas de poder.
Kael caiu de joelhos, sentindo uma força antiga invadir seu ser. Era como se milhares de vozes gritassem em uníssono dentro de sua alma. Quando ergueu a cabeça, ele não era mais o mesmo.
Ele era um necromante.
Com as mãos no chão gélido, Kael pronunciou, instintivamente, palavras em uma língua esquecida. Um símbolo antigo brilhou sob seus pés, e do chão, ossos começaram a emergir. Osso por osso, uma figura esquelética tomou forma diante dele. Vestígios de uma armadura antiga ainda cobriam seus ombros e peito. A criatura ergueu a cabeça, e seus olhos brilhavam em um azul espectral.
— Quem me chama... meu mestre? — disse a criatura, com voz rouca e profunda.
Kael o encarou em choque, mas logo sorriu. — Eu te chamarei de Ekisquelios... e você será meu general.
Ekisquelios se ajoelhou diante dele, como um cavaleiro diante de um rei.
A partir daquela noite, o treinamento de Kael mudou. Agora, ele não apenas manuseava armas, mas também dominava os mortos. Noites se passavam, e mais esqueletos eram invocados. Eles vinham de lugares desconhecidos, respondendo ao chamado de seu novo mestre. Cada um com habilidades diferentes, mas todos submissos à vontade de Kael.
Ekisquelios se mostrou mais do que um simples esqueleto. Ele era astuto, estrategista, e logo assumiu a liderança dos demais esqueletos como o general do exército de Kael. Era ele quem coordenava os treinos noturnos, ensinava táticas de combate e até compartilhou memórias antigas de guerras esquecidas.
— Mestre — disse Ekisquelios uma noite, após uma simulação de batalha —, seu poder é imenso, mas ainda está selado. A marca da morte que carrega em sua alma... é apenas o começo. Quando ela florescer por completo, nem mesmo os deuses ousarão olhá-lo nos olhos.
Kael nada respondeu, mas em seus olhos ardiam o desejo e a fúria. Já não era o mesmo jovem tímido e assustado. Sua alma fora moldada pelo sofrimento e alimentada pela vingança.
As florestas ao redor começaram a mudar. Animais silenciavam ao sentir sua presença. As árvores murchavam em seu caminho. Aquela região passou a ser evitada até por bandidos. Rumores começaram a circular: o herdeiro caído dos Noctharion havia enlouquecido. Alguns diziam que ele fazia pactos com demônios, outros, que comandava um exército de mortos.
Mas nenhum deles sabia a verdade.
Kael estava preparando seu retorno.
O treinamento continuava, dia após dia, noite após noite. Kael desafiava seus próprios limites. Com Ekisquelios ao seu lado, refinou seu domínio sobre a necromancia, invocando espectros, fortalecendo suas marionetes ósseas, e aprendendo rituais que pertenciam a eras esquecidas. Cada novo feitiço gravava mais poder em sua alma. E com cada invocação, sua conexão com o mundo dos mortos se tornava mais profunda.
E no fundo de seu coração, Kael sabia:
O tempo do perdão havia passado.
O tempo da vingança estava prestes a começar.
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Atualizado até capítulo 42
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