O Sétimo Filho

O Sétimo Filho

Os primeiros raios do amanhecer se infiltravam pelas janelas do castelo Noctharion, tingindo as paredes de pedra com uma luz suave, quase tímida. Kael acordou cedo, atormentado por sonhos estranhos. Ecos de vozes que não reconhecia, olhos que o observavam nas sombras, e um nome sussurrado com reverência: "Sétimo".

Sentou-se na cama, esfregando o rosto. Ainda se acostumava com o novo corpo, com a vida em um mundo onde magia, morte e poder estavam entrelaçados. Levantou-se e vestiu-se com as roupas que a criada havia deixado: uma túnica escura, com o emblema prateado da família bordado no peito — uma caveira envolta por chamas negras.

Quando desceu para o café da manhã, a atmosfera estava diferente. Os criados cochichavam entre si e olhavam para Kael com mais cautela do que o normal. No grande salão, uma longa mesa de carvalho estava posta com frutas, pães, carnes e uma jarra de vinho. Mas o que chamou sua atenção foi a presença de Lorde Alaric, que o aguardava sentado à cabeceira.

— Sente-se, Kael — disse ele, sem emoção na voz. — Hoje é um dia importante.

Kael obedeceu. Havia aprendido a não questionar diretamente seu pai. Sentou-se ao lado direito dele, onde um prato já o aguardava.

— Já faz uma semana desde que voltou — continuou Alaric, cortando uma fatia de carne. — Seu corpo se recuperou. Sua mente… ainda está se ajustando. Mas há algo que precisa saber agora.

Kael ergueu os olhos, atento.

— Você não é filho único. Nunca foi.

Por um momento, o tempo pareceu parar. O silêncio foi rompido apenas pelo som dos talheres de prata tocando o prato de Alaric.

— Eu… tenho irmãos? — murmurou Kael, surpreso.

— Seis. Três irmãos e três irmãs. Cada um com um dom diferente, forjados nas sombras desta casa. — Ele tomou um gole de vinho e olhou nos olhos do filho. — E você é o sétimo. O último.

Kael recostou-se na cadeira, sentindo o peso da revelação.

— Por que ninguém me contou antes?

— Porque estavam afastados — respondeu uma voz feminina.

Kael virou-se, surpreso, e viu uma mulher entrando no salão. Alta, com cabelos negros trançados e olhos da mesma tonalidade dos dele. Usava uma armadura leve sob um manto escarlate. Sua presença era marcante.

— Selaria Noctharion — disse ela, aproximando-se. — Sua irmã mais velha.

Ela parou diante dele e o observou como se analisasse uma arma nova. Em seguida, inclinou levemente a cabeça.

— Seja bem-vindo de volta, Kael.

Atrás dela, outros passos ecoaram. Um a um, os irmãos surgiram, como sombras se materializando:

— Dareth Noctharion, o segundo mais velho. Alto, forte, com o olhar calculista de um guerreiro veterano. Carregava uma espada longa nas costas e cicatrizes nos braços.

— Elira Noctharion, uma mulher de beleza fria, cabelos brancos e olhos prateados. A mais misteriosa de todos.

— Malrik Noctharion, magro, de aparência sombria e olhos fundos. Sussurros o seguiam como se ele conversasse com os mortos.

— Valeska Noctharion, impulsiva, com cabelos vermelhos como brasas e uma energia que fazia os candelabros tremerem.

— E por fim, Lioran Noctharion, o mais novo antes de Kael. Silencioso, mas com uma aura densa, quase sufocante.

Todos se alinharam diante dele. Kael sentia a tensão no ar, como se estivesse diante de juízes antigos. Cada um deles carregava um pedaço da escuridão da família. E agora, ele era parte desse todo.

Selaria tomou a dianteira.

— Fomos separados por ordens de nosso pai. Cada um enviado a um domínio, a uma missão. Crescemos no silêncio e na sombra. Você era o único mantido aqui… até o dia do acidente.

— Acidente? — perguntou Kael.

Alaric se levantou.

— Seu corpo anterior... foi corrompido. Houve um ritual que saiu do controle. Os detalhes não importam agora. O que importa é que você voltou. Mas o sangue que corre em você é o mesmo que em nós. E isso significa que carrega o fardo e a promessa da Casa Noctharion.

Kael engoliu em seco. Estava em choque. Em vida, fora filho único, sem família próxima. Agora, tinha seis irmãos — todos poderosos, temidos e diferentes.

— Por que me revelar isso agora?

— Porque hoje você será testado — respondeu Dareth, cruzando os braços. — Todos nós fomos. E só quem sobrevive ao Teste dos Ancestrais é digno de herdar o legado.

Elira sorriu, mas era um sorriso frio.

— A cripta se abre ao sétimo filho. É a profecia. O filho das sombras. Aquele que herdará o Trono da Morte.

Kael franziu o cenho.

— Profecia…?

Alaric assentiu.

— Há séculos, nossos antepassados ouviram um chamado das profundezas. Uma voz além da vida. Ela anunciou que um dia, o sétimo filho da linhagem Noctharion despertaria o verdadeiro poder da necromancia. Um poder que foi selado por medo… e inveja.

Kael olhou para os irmãos. Alguns pareciam céticos. Outros, desconfiados. Mas nenhum o olhava com desprezo. Era como se todos estivessem esperando… por ele.

— E se eu falhar nesse teste? — perguntou.

— Então será consumido — respondeu Malrik, sorrindo pela primeira vez. — E seu corpo alimentará os ossos da cripta.

— Encantador — murmurou Kael.

Valeska deu uma risada breve.

— Pelo menos tem senso de humor. Isso ajuda quando as almas tentam arrancar seu espírito pela garganta.

— Chega de palavras — disse Alaric, com autoridade. — Hoje à noite, Kael enfrentará o Teste dos Ancestrais. E todos vocês… irão observá-lo. Ninguém deve interferir.

Os irmãos assentiram. Selaria tocou o ombro de Kael.

— Prepare-se, irmão. A morte vai olhar nos seus olhos esta noite. E você precisa encará-la sem piscar.

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As horas que se seguiram passaram como um borrão. Kael foi conduzido até os aposentos antigos de estudos, onde velhos livros, símbolos rúnicos e pergaminhos descreviam os testes enfrentados por cada geração de Noctharion. Nenhum era igual ao outro. Cada um revelava as fraquezas do iniciado e o forçava a confrontar a própria alma.

Ao entardecer, Selaria trouxe-lhe um manto cerimonial. Preto como breu, com uma gola de ossos ornamentais e um cinto cravejado de pedras de obsidiana. Kael vestiu-se em silêncio, sentindo o peso do destino que agora carregava.

À meia-noite, a cripta foi aberta. Os sete filhos Noctharion desceram juntos, iluminados por tochas encantadas. As paredes estavam cobertas de ossos e inscrições em línguas esquecidas.

No centro da câmara, um círculo mágico pulsava com luz azulada. Dentro dele, uma fenda escura parecia levar a um abismo sem fim.

— Entre — disse Alaric. — E prove que é o herdeiro.

Kael respirou fundo. Um último olhar para os irmãos. Um último pensamento para a vida que deixara para trás.

E então, entrou na fenda.

A escuridão o engoliu, e o Teste dos Ancestrais… começou.

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