O clima na agência estava diferente naquela manhã. Nos corredores, cochichos. No café, olhares atravessados.
Bea mal notava. Estava ocupada demais finalizando os layouts que Lorenzo havia elogiado. Ele tinha pedido para ela revisar uma apresentação importante — e isso era algo inédito. Até os veteranos estavam impressionados.
No final da tarde, a sala de reuniões ficou pequena. Era uma apresentação crucial para um novo cliente. Todos os diretores estavam presentes. Lorenzo fez a introdução, mas foi Bea quem conduziu a parte criativa.
E arrasou.
— Incrível — comentou uma das executivas ao final, acenando com a cabeça para Bea.
Lorenzo cruzou os braços, satisfeito.
— E pensar que ela estava escondida no fundo da sala até semana passada.
Um dos diretores mais velhos, rindo, soltou:
— Ela pode até ter cérebro, mas precisava de uma consultoria de imagem urgente. Parece uma estagiária esquecida.
O riso foi geral. Bea abaixou os olhos, tentando disfarçar. Mas Lorenzo gelou.
— Essa é a última vez que eu escuto alguém aqui desmerecer um talento por aparência. Se for bonito, mas vazio, pode trabalhar como outdoor. Aqui, precisa de cérebro.
Silêncio. O tipo de silêncio que só o respeito é capaz de impor.
Mais tarde, Bea ajeitava seus papéis no escritório de Lorenzo, quando a porta se abriu sem bater.
Verônica.
Entrou como quem entra num território conquistado. Vestido justo, salto alto, perfume de arrogância.
— Vim buscar meu noivo — disse, olhando para Bea como se ela fosse um objeto mal colocado na sala.
Bea sorriu com educação.
— Boa tarde.
— É? Pra quem?
Lorenzo apareceu a tempo de impedir que o clima ficasse pior.
— Verônica, essa é Bea. Minha nova... colaboradora direta.
— Nova sombra, pelo visto — respondeu, com um sorriso curto e venenoso. — Muito talento escondido... principalmente no esconderijo.
Bea baixou os olhos, sem responder. Mas Lorenzo se aproximou.
— E é justamente por isso que ela tá aqui agora. Onde sempre deveria ter estado.
Verônica sorriu sem dentes.
— Que fofo, amor. Defendendo a funcionária... feia.
— Defendendo quem merece.
Bea sentiu um aperto no peito. Não pelo insulto — estava acostumada. Mas porque, pela primeira vez, alguém tinha respondido por ela. Alguém importante.
Alguém que... nunca tinha reparado nela como mulher.
E talvez, nunca fosse.
O apartamento de Bea era pequeno, mas aconchegante. Livros por todos os cantos, uma manta colorida no sofá e o cheirinho doce de chocolate quente preenchendo o ar.
Ela estava sentada de pernas cruzadas no chão da sala, rodeada de papéis, com a cabeça encostada no sofá.
— Eu sabia que esse dia ia chegar — disse uma voz vindo da cozinha. — O dia em que você deixaria de ser sombra e viraria sol.
Bea sorriu sem tirar os olhos do nada.
— Me poupe, Max. Não tô com cabeça pra metáforas hoje.
Max, seu melhor amigo desde a faculdade, era o oposto dela. Falava alto, usava óculos estilosos, sapatos de couro colorido e tinha uma risada que dava pra ouvir da rua. Inteligente, cínico, e com o coração mais mole do mundo.
Ele se sentou ao lado dela com duas canecas fumegantes.
— Chocolate com marshmallow, dose dupla de drama, zero paciência pra gente tóxica.
Bea pegou a caneca e deu um gole.
— Hoje ele me defendeu. Na frente de todo mundo. Até da noiva surtada dele.
— O galã da agência?
— Lorenzo.
— Ah, sim. O pacote “me ama, mas me trata como se eu fosse a parede”. Esse mesmo.
Bea riu, sem vontade.
— Ele é gentil. Profissionalmente. Mas... ele continua me achando invisível. Ou pior: feia.
Max balançou a cabeça.
— Bea, só porque ele ainda não te viu como eu vejo, não quer dizer que você não seja tudo aquilo que ele precisa. Talvez ele só esteja cego pelo próprio ego. Ou pela quantidade de perfume que aquela noiva dele usa.
Ela encostou a cabeça no ombro de Max.
— E se eu ficar sempre assim? A boa funcionária. A amiga divertida. A que nunca é escolhida?
— Então escolhe você mesma. Mas não muda por ele. Muda por você.
Ela fechou os olhos. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que estava exatamente onde deveria estar: sendo ela. Com alguém que via isso.
E mesmo que Lorenzo nunca visse... talvez ela começasse a ver também.
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Atualizado até capítulo 65
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