A quebrada tava mais calma naquele fim de tarde, e eu também. Depois de tanta festa e resenha, parecia que meu peito pedia um respiro. Mari tinha saído pra encontrar uns amigos, e eu fiquei ali na calçada, sentada com o chinelo batendo no chão, pensando na vida.
Foi aí que o barulho do motor se aproximando me tirou do transe. A moto preta parou bem na minha frente. Cabelinho tirou o capacete devagar, com aquele jeito despreocupado que só ele tem.
— Bora dar um rolê?
Camila- Do nada?
— Do nada não. Tô querendo trocar ideia contigo sem o zum-zum da quebrada no ouvido.
Olhei pra ele, depois pra moto, e não pensei duas vezes.
Camila- Fechou.
Subi na garupa, ele me passou um capacete e saiu acelerando morro abaixo. O vento batendo no rosto, o barulho dos pneus no asfalto, o cheiro das vielas ficando pra trás. A sensação era de liberdade, de esquecer tudo por uns minutos.
Depois de uns bons minutos de curva e subida, ele parou num cantinho escondido no alto do morro. Um mirante natural, desses que nem todo mundo conhece. A cidade lá embaixo parecia um mar de luzinha piscando.
Camila- Caraca... que lugar é esse?
— Meu canto. Quando o mundo pesa, eu subo aqui. Só eu, o silêncio e essa vista.
Camila- Nunca mostrou pra ninguém?
— Tu é a primeira.
Fiquei em silêncio por um tempo, só admirando o céu começando a ficar roxo. O vento batia leve, e a cidade parecia mais distante. A paz daquele lugar batia forte.
Ele sentou numa pedra, acendeu um cigarro e ficou olhando o horizonte. Depois me chamou com o olhar.
— Senta aqui, do meu lado.
Sentei. Ficamos um tempo em silêncio, só respirando juntos.
- Sabe, Camila... às vezes eu fingo que tá tudo certo. Sorriso no rosto, corrente brilhando, mas por dentro é mó bagunça.
Camila- Sei bem como é. Eu voltei pra cá buscando me encontrar. Mas às vezes parece que tô mais perdida ainda.
— Só que contigo... não sei. Parece que a quebrada parou de gritar quando tu chegou. Tu tem um jeito de acalmar o barulho.
Olhei pra ele, meio sem saber o que dizer. Era estranho ouvir aquilo vindo do Cabelinho. O cara que todo mundo achava blindado, casca grossa, agora ali... se abrindo de verdade.
Camila- Tu também me faz bem, Cabelinho. Mas eu tenho medo. De me jogar e quebrar a cara. Já levei tanta porrada da vida...
— Eu não prometo ser perfeito. Nem sei amar direito, pra falar a real. Mas contigo eu quero tentar. Sem caô, sem joguinho. Só a verdade.
Ele pegou minha mão. A pele dele era quente, firme. O toque simples, mas cheio de significado.
— Eu não quero mais esconder o que sinto. Tu mexeu comigo de um jeito que nem eu entendi. E se tu deixar, eu quero descobrir esse “nós” aí contigo.
Fiquei olhando ele por uns segundos. O cabelo batendo de leve na testa, o olho firme, mas cheio de sinceridade. A favela brilhava lá embaixo, mas naquele momento, o que brilhava mesmo... era a gente.
Me aproximei, encostei a cabeça no ombro dele.
Camila- Então vamo tentar. Devagar, no nosso tempo. Mas real.
Ele me puxou de leve, e ali, no silêncio do alto do morro, a gente se beijou. Sem pressa, sem plateia. Só a gente, o céu, e o começo de algo que finalmente parecia certo.
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Atualizado até capítulo 53
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