Notas que não se escreve

A semana passou com uma leveza que Song não sentia há muito tempo. Tudo parecia mais vivo: o som do metrô pela manhã, o aroma do café na cantina da faculdade, até os acordes das músicas que ele costumava repetir sem pensar agora pareciam ter outro sabor. Tudo isso porque Jun estava ali — não só na rotina, mas também na cabeça e, mais perigoso ainda, no coração.

Eles não tinham definido o que eram. Ainda. Mas algo estava se construindo, mesmo que em silêncio. Uma cumplicidade. Um ritmo próprio.

Na sexta-feira à noite, Jun apareceu de surpresa no campus.

— Tô indo ver um filme com uns amigos — disse ele, encostado na bicicleta velha que insistia em usar. — Quer vir junto?

Song hesitou. Não era exatamente o tipo de pessoa que saía com grupos. Preferia o silêncio de casa, as partituras, a companhia das teclas. Mas quando viu o jeito leve com que Jun esperava a resposta, como se não houvesse pressão alguma, sentiu vontade de sair da zona de conforto.

— Só se for um filme bom — respondeu ele, pegando a mochila.

Foram andando até um cinema alternativo no centro de Seul, onde passava um filme coreano antigo, em preto e branco. Os amigos de Jun eram animados, mas respeitosos. Alguns já o conheciam de outras vezes na cafeteria. Um deles, uma garota chamada Haeun, cochichou no meio da fila:

— Finalmente te trouxe, hein? A gente já tinha ouvido falar de você.

Song ficou vermelho.

— Ouvido falar?

— É. Jun fala de você o tempo todo. Mas ele jura que não é “nada demais”. — Ela sorriu. — Todo mundo aqui já entendeu, menos ele.

Durante o filme, Song mal conseguiu prestar atenção à história. Jun estava ao seu lado, rindo baixo em algumas cenas, mexendo no pacote de pipoca como se fosse um especialista. Em um momento, as mãos dos dois se tocaram sem querer. Song não recuou. Nem Jun.

Depois do filme, enquanto o grupo se dispersava para ir a bares ou pegar metrôs, Jun e Song ficaram para trás.

— Me diz uma coisa — começou Jun, os dois andando devagar sob os postes amarelados da rua. — Por que você é tão fechado?

Song demorou a responder.

— Acho que... é mais fácil não esperar nada de ninguém. Assim ninguém decepciona.

Jun olhou pra ele por alguns segundos.

— Mas você sabe que a gente sempre acaba esperando. Mesmo quando finge que não.

Song parou de andar.

— Você me assusta às vezes.

— Por quê?

— Porque parece ver o que ninguém mais vê. E eu não sei se estou pronto pra isso.

Jun se aproximou um passo.

— Eu não quero te invadir. Só quero... estar perto. Você me inspira, Song. E não tô falando só da música.

Song sentiu o peito apertar. Era estranho e, ao mesmo tempo, familiar. Como uma canção que ele nunca ouvira, mas cujos acordes já conhecia de algum lugar.

— Eu também gosto de estar perto de você. — Ele disse, quase num sussurro. — Só me dá tempo. Eu funciono devagar.

Jun sorriu.

— A gente vai no seu tempo. Eu juro.

Caminharam mais um pouco, até Jun parar na porta de um mercado de esquina.

— Quer um soju?

— Agora?

— Ué, por que não? Não tem regra pra viver, lembra?

Compraram uma garrafa de soju, dois copinhos de papel e se sentaram num banco de praça. Ali, no meio da madrugada, brindaram silenciosamente.

Song olhou o céu.

— Sabe o que é mais estranho?

— O quê?

— Eu costumava achar que o mundo era feito de sons. Agora começo a achar que também é feito de pausas. De silêncios certos, no momento certo.

Jun riu.

— Poético demais pra essa hora. Mas bonito.

O silêncio que veio depois não era incômodo. Era confortável. Como se as palavras tivessem feito o suficiente por aquela noite.

Song pensou: talvez fosse isso que estivesse construindo com Jun. Uma música sem pressa. Um laço feito de som e silêncio. De presença.

E, talvez... de amor.

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