quando o silêncio fala

Song acordou cedo naquela manhã, mas não porque tivesse aula. A insônia o visitara na noite anterior, e por mais que tentasse, não conseguia apagar da memória o olhar de Jun — um olhar firme, mas caloroso, que parecia ter lido cada camada escondida sob sua fachada controlada. Havia algo no garoto da cafeteria que mexia com ele de forma estranha, quase desconfortável, porém inegavelmente real.

Levantou-se, abriu a janela do pequeno apartamento e deixou a brisa fresca entrar. O céu de Seul estava nublado, mas mesmo a névoa leve parecia ter algo de poético. Sentou-se ao piano e, antes de tomar café ou trocar de roupa, deixou os dedos correrem pelas teclas. A melodia que veio era suave, com notas que caíam como gotas de chuva num lago tranquilo. Mas havia um tom de curiosidade nelas — como se a própria música estivesse fazendo perguntas que ele ainda não sabia responder.

No meio da composição, o celular vibrou. Uma mensagem de um número desconhecido:

“Ei, é o Jun, da cafeteria. Espero que não ache estranho, mas peguei seu número com a atendente. Aquela melodia que você tocou ficou na minha cabeça. Quer me mostrar ela de verdade?”

Song leu a mensagem mais de uma vez, sem saber ao certo como reagir. Ele não costumava deixar pessoas entrarem tão fácil em sua vida, muito menos em seu processo criativo. Mas, por algum motivo, a ideia não o incomodava. Pelo contrário, o animava.

“Hoje às 17h, na sala de prática 204 da faculdade. Se quiser mesmo ouvir.”

Jun respondeu em segundos: “Estarei lá.”

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A sala de prática 204 era pequena, com paredes revestidas de espuma acústica e um piano de cauda no centro. Song chegou primeiro, como sempre, e ajeitou as partituras em cima do instrumento. Estava nervoso, o que era raro. Tocar na frente de alguém que não era professor ou jurado de concurso? Fora da sua zona de conforto.

Jun chegou alguns minutos depois, sorrindo como se aquele lugar fosse seu segundo lar.

— Bonita sala. Tem boa acústica — comentou, olhando ao redor. — Dá até vontade de cantar só pra ouvir o som voltar.

Song esboçou um sorriso. — Quer ouvir a música?

— Claro. Manda ver.

Sentou-se ao piano e começou. A sala se encheu com os acordes que vinham direto de seu coração — notas criadas na noite em que conheceu Jun. E enquanto tocava, percebeu que cada tom era, de alguma forma, sobre ele. A leveza com que falava, a forma descontraída de existir, o brilho nos olhos quando ouvia algo novo.

Quando terminou, o silêncio durou alguns segundos. Jun apenas ficou ali, olhando para o piano, os olhos um pouco úmidos.

— Isso é... lindo. Você compôs isso depois que nos conhecemos?

Song hesitou, mas respondeu com a verdade.

— Sim. Não sei por quê, só... saiu.

Jun se aproximou, sentando-se ao lado dele no banco do piano.

— Posso tentar cantar algo por cima?

— Tentar é grátis.

Jun sorriu e começou a improvisar. Sua voz era rouca, mas doce. Natural. As palavras eram vagas — pedaços de ideias, sensações, desejos. E, surpreendentemente, encaixavam-se perfeitamente com a melodia de Song.

Ali, na penumbra daquela sala isolada, algo mágico aconteceu. Dois desconhecidos criaram juntos algo que nenhum dos dois conseguiria sozinho. E, pela primeira vez, Song sentiu que talvez não fosse tão ruim dividir sua música. Talvez não fosse tão ruim... dividir a si mesmo.

Quando a canção terminou, Jun olhou para ele e disse:

— Acho que isso merece ser terminado. A música... e talvez essa coisa entre a gente.

Song sentiu o peito apertar, mas não de medo. Era expectativa.

— Podemos tentar. Com calma.

Jun assentiu.

— Com calma é bom. Mas não muito devagar... porque eu sou impaciente.

Eles riram. E riram como dois que, mesmo sem dizer tudo, já haviam dito o suficiente.

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