Capítulo 4 – Rosa sobre Cinzas

O cheiro de tinta fresca pairava no ar do quarto de Aiko. A garota de cabelos longos e pretos, com uma tiara rosa adornando sua cabeça, estava sentada no chão, as pernas dobradas como uma criança enquanto encarava uma tela em branco. Pincéis estavam espalhados ao seu redor como se fossem os pedaços do seu coração tentando encontrar forma. Sua blusa rosa-clara já estava manchada com respingos de tinta carmim, azul escuro e cinza.

Seus olhos castanhos, normalmente doces, estavam agora carregados de emoção contida. Seu coração estava agitado desde que vira Sanzu naquela noite — de máscara, distante, com os olhos pesando mais do que qualquer palavra dita.

“Por que você sempre se esconde...?” ela murmurou para si mesma, os olhos marejando. “Você não é só dor... você também é luz. Eu vou provar isso pra você.”

Ela molhou o pincel numa mistura de tons escuros e começou a pintar. Cada pincelada era um sussurro do que ela sentia por dentro. Pintava como se as cores pudessem traduzir o que seu coração não conseguia dizer em voz alta.

Enquanto Aiko mergulhava em sua arte, a casa estava em movimento. Emma passava pelo corredor e, ao sentir o cheiro da tinta, parou em frente ao quarto da irmã.

— Aiko? — chamou suavemente, batendo na porta entreaberta. — Você tá bem?

Aiko olhou por cima do ombro, o rosto iluminado pelo pôr do sol que invadia o quarto. Forçou um sorriso.

— Tô sim, só... pintando um pouco.

Emma entrou e viu a tela em progresso. Seus olhos se arregalaram levemente.

— Esse é... o Haruchiyo?

— É, — ela disse com a voz baixa, mas firme. — Tô tentando mostrar o que vejo nele. Não o que o mundo vê... mas o que eu vejo.

Emma se ajoelhou ao lado da irmã, observando os tons rosados que envolviam o rosto ferido de Sanzu no quadro.

— Parece que ele tá chorando, mas... também parece sereno. Como se, por um instante, tivesse encontrado paz.

Aiko assentiu lentamente.

— É isso que eu quero pra ele. Mesmo que seja só por alguns minutos... que ele sinta que não precisa se esconder. Que ele é amado.

Emma sorriu, tocando o ombro da irmã com carinho.

— Você sempre teve esse dom, sabia? De tocar os outros com o coração.

— Será que é suficiente pra alguém como o Haru?

— Talvez não agora... mas vai ser. Continua sendo você, Aiko. É a coisa mais linda que você pode fazer por ele.

Mais tarde naquela noite, Aiko saiu para dar uma volta pelo bairro. Levava consigo um pequeno estojo de aquarela e um caderno de esboços — suas companhias constantes. Sentou-se num banco da praça central, de onde se via o pôr do sol desaparecer atrás das árvores.

Ela abriu o caderno, começando a esboçar Sanzu outra vez. Desta vez, tentou desenhá-lo sorrindo, sem a máscara, como se estivesse finalmente livre do peso que o aprisionava.

— Você ainda tá desenhando ele, né?

A voz masculina soou atrás dela, carregada de um certo deboche gentil. Aiko virou-se e viu Baji Keisuke, com um pirulito na boca e as mãos nos bolsos da calça. Ao lado dele, Chifuyu Matsuno acenava timidamente.

— Oi, Baji! Oi, Chifuyu! — Aiko sorriu, fechando o caderno rapidamente. — E-eu... é, eu tava desenhando.

— Não precisa esconder, Aiko-chan, — Chifuyu disse sorrindo, sentando-se ao lado dela. — Todo mundo sabe que você se preocupa com o Sanzu.

— Só que ele não facilita, né? — Baji resmungou. — Aquele maluco vive fugindo de tudo e de todos.

— Ele tem medo, Baji, — ela respondeu com delicadeza. — Medo de ser amado, medo de ser visto.

— E você quer quebrar isso com pincéis? — Baji riu. — Você é doida, garota.

— Se for por ele, eu sou mesmo.

Chifuyu olhou para ela, impressionado com a firmeza na voz doce. Ela podia ser fofa, carinhosa e gentil... mas quando se tratava de proteger o que amava, Aiko se tornava inabalável.

— Vai ser difícil, — ele disse, olhando para o céu escurecendo. — Mas se tem alguém que consegue, é você.

Aiko sorriu com gratidão.

— Obrigada por acreditarem em mim.

Do outro lado da cidade, no antigo galpão onde a Bonten às vezes se reunia, Haruchiyo Sanzu encarava o teto com os olhos abertos, deitado sobre um sofá rasgado. Seus dedos brincavam com o metal da katana que descansava sobre o colo.

“Por que ela continua vindo atrás de mim...? Por que ela insiste em me olhar com tanta doçura...?”

Sua mente voltava à infância. Aquelas lembranças distantes de quando ele e Aiko brincavam no quintal da casa Sano, de quando ela passava horas pintando flores e corações e dizia que “ele era o príncipe da sua história”.

— Príncipe, é...? — ele murmurou com desprezo, rindo para si mesmo. — Eu sou o monstro no castelo, isso sim.

— Não fala assim de você, Haru.

A voz suave o fez sobressaltar. Aiko estava parada na entrada do galpão, segurando uma sacola.

— O que você tá fazendo aqui?! — ele rosnou, levantando-se imediatamente. — Isso não é lugar pra você!

Ela entrou, calma, como se fosse o lar dela.

— Eu trouxe algo pra você. — Abriu a sacola e tirou uma tela coberta por um pano de tecido branco. — É um presente.

— Não quero presente. Vai embora.

— Você pode olhar e depois eu vou, tudo bem?

Sanzu suspirou pesadamente e deu de ombros. Ela se aproximou devagar e colocou o quadro em cima de uma caixa de madeira. Com cuidado, retirou o pano.

A tela revelou um retrato dele, de olhos fechados, com lágrimas coloridas escorrendo pelo rosto — mas atrás dele, o céu era rosa e dourado. Ao redor, uma névoa acinzentada se dissipava em pétalas de cerejeira.

Por um instante, ele ficou sem palavras.

— O que... que merda é isso?

— É você. Como eu te vejo.

Sanzu deu um passo para trás, engolindo em seco. Sua voz falhou.

— Você devia me odiar.

— Eu não consigo, Haruchiyo. Porque mesmo quando você finge que não sente nada, eu vejo tudo. E não importa o que o mundo diga, você ainda é digno de amor. De carinho. De ser abraçado.

Ele abaixou os olhos, trincando os dentes.

— Você não entende... Eu matei pessoas. Eu quebrei coisas. Eu... eu tô todo fodido, Aiko!

— Então deixa eu te ajudar a juntar os pedaços.

Ela estendeu a mão.

Sanzu olhou para ela como se fosse uma miragem. Nenhuma voz gritava. Nenhum julgamento. Apenas uma menina de coração puro tentando salvá-lo da própria ruína.

Ele quase cedeu.

Quase.

Mas então se virou.

— Vai embora. Agora.

Aiko mordeu o lábio, segurando as lágrimas.

— Tá bem... mas eu vou continuar voltando. Até você parar de fugir de si mesmo.

Ela caminhou até a porta e parou.

— Eu te amo, Haruchiyo.

Silêncio.

Ela saiu, deixando o quadro ali.

Sanzu encarou a pintura por longos minutos. Então se aproximou. Tocou a tela com os dedos sujos de sangue seco. O coração apertado.

E pela primeira vez em muito tempo... chorou.

Na manhã seguinte, Aiko acordou com uma sensação estranha no peito. Mas não era tristeza. Era esperança.

Emma entrou no quarto animada, jogando-se na cama da irmã.

— Adivinha quem veio aqui mais cedo?

— Quem?

— Chifuyu. Disse que passou no galpão da Bonten ontem à noite. E sabe o que encontrou lá?

— O... o quê?

Emma sorriu.

— Seu quadro. No centro da sala. E o Haruchiyo... sentado na frente dele.

Aiko sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

— Ele não jogou fora?

— Ele não só não jogou fora como... dizem que ficou ali por horas. Só olhando.

Aiko se abraçou ao travesseiro e sorriu. As pétalas da rosa começavam a se abrir, mesmo sobre as cinzas.

Ela sussurrou baixinho:

— Eu vou te amar até o fim. Até você aprender a se amar também.

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