Era fim de tarde no Rio de Janeiro. O céu estava tingido de tons alaranjados, e o ar carregava aquele mormaço abafado que fazia os becos da zona norte parecerem ainda mais sufocantes. No banco de trás de um carro escuro, estacionado discretamente próximo a um conjunto habitacional, Marcelo observava a portaria do prédio número 12.
Há dias ele estava ali, disfarçado, fingindo ser entregador, motorista de aplicativo, o que fosse necessário. Já havia cruzado com a mulher uma ou duas vezes, mas só naquela quinta-feira ela saiu sozinha e caminhou até a padaria da esquina. Ele a seguiu, calculando a abordagem.
Ela chamava-se Lídia. Cabelos crespos, curtos, olhar desconfiado e passos ágeis. Antiga melhor amiga de Nayara. Foram vistas juntas nas ruas por meses, até Nayara desaparecer sem dar notícia, deixando para trás perguntas, promessas e uma cidade cheia de memórias. Marcelo sabia que era ela que precisava ser convencida. Ou pressionada.
Na volta da padaria, Lídia entrou no portão do prédio com duas sacolas de pão e leite. Marcelo apressou o passo e alcançou-a antes que ela fechasse o portão.
— Com licença — disse, educadamente. — Você é a Lídia?
Ela o encarou de cima a baixo. Era esperta. O olhar varreu o rosto dele, buscando respostas antes de responder.
— Depende de quem tá perguntando.
— Eu sou primo da Nayara. Ela me disse que morava aqui com uma amiga, mas não consigo mais contato com ela. Sumiu de tudo. Tô tentando entender o que aconteceu. A gente cresceu junto.
Lídia recuou meio passo, surpresa. A expressão dele parecia sincera. O rosto era novo, mas a preocupação era plausível.
— Primo?
— Isso. Por parte de pai. A gente nunca foi muito próximo, mas a Nayara me mandou mensagem no passado dizendo que tava vivendo aqui, tentando recomeçar. Depois disso, silêncio total. Tô preocupado. Ninguém da família sabe onde ela tá.
Lídia suspirou. Havia dor nos olhos dela. Dor antiga, de quem foi deixada para trás sem explicação.
— Ela foi embora. Não tá mais aqui. Foi pra bem longe.
— Pra onde?
— Milão. Na Itália. Uma senhora apareceu, parecia conhecer ela de algum lugar. Achou ela bonita, elegante. Ofereceu uma chance de modelar fora do país. Disse que ela tinha futuro. Carreira internacional. E ela foi. Me prometeu que ia me escrever. Mas nunca mais apareceu. Nem um oi. Nada.
Marcelo disfarçou o alívio. Era a primeira pista real em mais de um ano.
— Tem certeza que foi Milão?
— Absoluta. Era uma oportunidade única, ela disse. Tava juntando dinheiro, queria sumir do passado. Acho que conseguiu. Só não sei por quanto tempo isso vai durar.
Ela disse a última frase com amargura. Um misto de tristeza e mágoa. Nayara desaparecera como fumaça. E ela ficara.
Marcelo agradeceu. Não insistiu. Deixou a portaria com a informação preciosa queimando na mente. Entrou no carro e dirigiu direto para o esconderijo de Caveira.
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O galpão estava mal iluminado, mas o ar pesado indicava que Caveira estava por perto. Ele sentava-se numa poltrona surrada, os olhos presos num ponto fixo. Desde que Nayara desaparecera, ele se tornara instável. Mais frio. Mais cruel. Menos humano.
— Tenho notícia — disse Marcelo ao entrar.
Caveira levantou os olhos lentamente.
— Fala.
— Ela foi pra Milão. Itália. Uma mulher apareceu oferecendo carreira de modelo. Disseram que ela aceitou. E desde então... sumiu. Mudou de vida.
O rosto de Caveira continuou imóvel, mas os olhos acenderam com uma faísca perversa. Por um momento, ele pareceu se desconectar da realidade, mergulhado num ódio silencioso.
— Milão... — murmurou. — Ela acha que pode escapar de mim. Como se o mundo fosse grande o suficiente pra esconder alguém de mim.
Ele se levantou. Devagar. Como um predador.
— Rastreie tudo. Voos. Passaportes. Quem entrou em Milão com esse nome no último ano. Não importa o custo. Vamos achar essa mulher que levou ela e... Nayara.
Marcelo assentiu e saiu sem dizer mais nada.
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Sozinho, Caveira observava a cidade pela janela do galpão. O reflexo da própria face no vidro o lembrava daquilo que perdeu — ou daquilo que foi roubado. Porque na mente doentia dele, Nayara nunca teve escolha.
Ele não queria apenas saber onde ela estava.
Ele queria mostrar que liberdade tinha preço.
E que o passado — principalmente o passado com ele — jamais seria enterrado.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Anonymous
Autora faça o Felipe encontrar ela logo por favor
2025-05-03
4
Alessandra
Que ela não cai nas mãos desse caveira de novo não por favor 🙏🏻
2025-05-03
0
Marli Batista
Ja estou anciosa pra ver eles juntos 😱😱😱😱😱
2025-05-05
0