Um Ano sem Nayara

O relógio marcava 18h12 quando a explosão de um copo de vidro contra a parede ecoou pelo salão do casarão no alto do Morro do Alemão. O sol morria devagar atrás das lajes e fios embolados, tingindo o céu com aquele tom alaranjado que mais lembrava ferrugem do que qualquer beleza de pôr-do-sol. Lá dentro, no coração do império de Caveira, o caos tomava forma.

Caveira, o homem mais temido da favela, estava possuído por uma fúria crua. Seu corpo trêmulo de raiva e entorpecido pelo excesso de drogas mal se mantinha ereto. Os olhos vermelhos — mais de cocaína do que de choro — varriam o salão em frenesi. O ar pesado de cigarro e suor grudava nas paredes como a lembrança dela: Nayara.

— UM ANO! — ele berrou, com a garganta arranhando, cuspindo ódio com cada sílaba. — UM ANO, CARALHO!

Com um soco seco, estourou a madeira da mesa principal, que já vinha suportando outras tantas crises. A estrutura finalmente cedeu sob a ira do traficante e desabou com um estalo grave, ecoando como trovão dentro do cômodo. Garrafas tombaram, papéis voaram, os copos rolavam entre os estilhaços.

— COMO É QUE VOCÊS NÃO ME TRAZEM NADA?! — gritou, girando o corpo com brutalidade para encarar os cinco soldados perfilados à sua frente. — NEM UM RASTRO?! NEM UMA FOTO, UMA FOFOCA, UM SUSSURRO?!

Gato, o mais novo entre eles, abriu a boca para falar algo. Arrependimento imediato.

— Cala essa merda antes que eu enfie a bala no teu paladar, filho da puta! — Caveira avançou dois passos com a mão no cabo da pistola. — Fala mais uma vez que não tem pista que eu te enterro no beco da Sinuca, onde ela sumiu!

O silêncio pesou. O medo era palpável. Ninguém ousava respirar mais alto.

Caveira voltou a andar em círculos. Parou em frente à prateleira de vidro, tirou uma garrafa de uísque quase vazia, virou dois goles como se fosse água. Então, meteu a mão no bolso e puxou um pacotinho de pó branco. Sem cerimônia, despejou sobre o tampo da bancada, usou a tampa de um celular antigo como base e aspirou com fúria.

As pupilas dilataram.

— Eu esperei por ela. Ali. Na entrada do morro. Todo mundo viu. Ela voltava do trabalho, cansada... linda... com aquela expressão cansada, os olhos baixos. Eu parei ela. Disse: "Fica. Só aceita ser minha. Você vai ser a rainha. Eu vou te dar tudo." — Ele parou, os olhos fixos num ponto invisível. — Ela disse que ia pensar. Disse isso... e sumiu.

Ele cuspiu no chão, depois chutou uma das cadeiras que caiu girando até bater na parede.

— NO OUTRO DIA SAIU PRA TRABALHAR E NUNCA MAIS VOLTOU! — rugiu.

Veias saltavam em seu pescoço. O suor escorria pelas têmporas. Ele chutou a televisão que já estava com a tela rachada. O estrondo da explosão elétrica se misturou ao seu grito.

— Ela não levou mala. Não levou mochila. Nem avisou ninguém. Só... desapareceu!

Seus dedos tamborilavam frenéticos no coldre da arma. Ele correu até a bancada de som, puxou o rádio comunicador e o arremessou contra o chão. Depois o pisoteou até virar um monte de peças estilhaçadas. Não satisfeito, pegou o suporte de um dos ventiladores e arremessou na direção da escada.

— Eu fui bom pra ela. Diferente. Dei espaço. Dei voz. E ela sumiu como se eu fosse lixo. Como se eu fosse um maldito monstro! — Caveira gritou, a voz falhando, cada palavra arranhando como navalha. — MAS EU NÃO ERA. NÃO PRA ELA!

Caminhou cambaleando até a gaveta. De lá, tirou a única coisa que guardava com algum carinho: uma foto. Nayara, sentada num banco, rindo. Os olhos brilhando.

— Ela era minha chance. Minha luz. A única coisa que eu quis sem sangue. — Ele sussurrou, quase com doçura, até que a fúria voltou. — E agora... NEM UM DE VOCÊS TEM UMA PUTA PISTA?

Seus punhos se fecharam. Então ele voou sobre Canelinha, o soldado mais antigo, derrubando-o com um soco seco. Subiu em cima do homem, esmurrando sem parar.

— VOCÊ DISSE QUE IA RASTREAR AS AMIGAS! DISSE QUE IA VER NAS IGREJAS! DISSE QUE IA PRESSIONAR A MÃE DELA! MENTIROSO! MERDA! — Cada palavra vinha com um soco.

Os outros tentaram separar. Caveira empurrou dois, sacou a pistola e apontou.

— ENCOSTOU EM MIM EU ATIRO! EU MATO! — Ele gritava.

Seu peito arfava. Suado. Alucinado. O mundo girava, e ele cheirava mais. Bebia mais. Gritava mais.

— EU QUERO ELA DE VOLTA! NEM QUE EU TENHA QUE DERRUBAR CADA TIJOLO DESSE RIO!

Silêncio. Um dos soldados, já em prantos, ficou ajoelhado.

— A gente tá tentando, chefe...

Caveira deu um tiro no teto.

— TENTANDO NÃO BASTA! EU QUERO RESULTADO!

Foi até o espelho, encarou o reflexo. A barba por fazer. Os olhos fundos. O rosto sujo. Um rei em ruínas.

— Você fugiu de mim, Nayara... mas eu vou achar você. Eu JURO que vou achar. Nem que o inferno abra as pernas pra mim. Eu vou entrar. Eu vou te trazer de volta... nem que eu tenha que morrer tentando.

E ali, naquele fim de tarde podre, Caveira gritou mais uma vez, arrancando o espelho da parede com brutalidade e o jogando no chão. Os cacos se espalharam como os estilhaços do homem que, por dentro, já estava morto desde o dia em que ela se foi.

Caveira

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Comments

claudia da silva

claudia da silva

Coitada dessa garota. Saiu do espeto e caiu na brasa.

2025-05-10

3

Dulce Gama

Dulce Gama

nossa até o caveira é bonito /Rose//Rose//Rose//Rose//Rose//Gift//Gift//Gift//Gift//Gift//Heart//Heart//Heart//Heart//Heart//Good//Good//Good//Good//Good/

2025-05-10

0

Marli Batista

Marli Batista

Eita que loucura 😱😱😱😱😱😱

2025-05-05

1

Ver todos
Capítulos
1 O Chamado do Coração
2 Grito de liberdade
3 Um Ano sem Nayara
4 Costurando o Recomeço
5 Rastro na Névoa
6 Entre Rastros e Silêncios
7 Sinais em Nova Iguaçu
8 sinal de Alerta
9 Os sinais do Perigo
10 Rumo à Liberdade
11 A Chegada à Sicília
12 Noite de Liberdade
13 uma noite na boate
14 recomeço em seus braços
15 Uma Nova Aliança
16 A Estrada Para o Inferno
17 Arquitetura da Guerra
18 vingança é um prato que se come frio
19 "Desfile, Drama e Dourado"
20 O Sorriso do Destino
21 O Começo de Um Novo Legado
22 O Grande Evento em Homenagem à Matriarca
23 A Noite da ONG Ana Clara Castellazzo
24 homenagem ao dia das mães
25 Rasgos e Reconciliações
26 As Marcas do Silêncio
27 Todos Unidos por um unico objetivo
28 Mulheres que Sustentam o Império
29 Cinzas, Sombras e Segredos
30 A Caçada Começou
31 Amor, Loucura e Partida
32 No Coração do Perigo – A LME no Morro do Alemão
33 Sangue no Concreto
34 A LME em fulga.
35 fulga para São Paulo
36 Embarcando para Itália
37 O Inferno vai atravessar o oceano”
38 Terra Vermelha, Sangue Vivo
39 Rumo à Ruína
40 "Descanso Merecido"
41 a verdade começa a ser revelada
42 A Verdade que Machuca
43 A Revelação de Naiara
44 Novos Planos de Enrico e Maria Eduarda
45 O Cerco Está Formado
46 Corações Acolhidos
47 Um Novo Começo
48 Uma Noite na Casa dos Castellazzo Ferrari
49 Sinais de Guerra
Capítulos

Atualizado até capítulo 49

1
O Chamado do Coração
2
Grito de liberdade
3
Um Ano sem Nayara
4
Costurando o Recomeço
5
Rastro na Névoa
6
Entre Rastros e Silêncios
7
Sinais em Nova Iguaçu
8
sinal de Alerta
9
Os sinais do Perigo
10
Rumo à Liberdade
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A Chegada à Sicília
12
Noite de Liberdade
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15
Uma Nova Aliança
16
A Estrada Para o Inferno
17
Arquitetura da Guerra
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vingança é um prato que se come frio
19
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20
O Sorriso do Destino
21
O Começo de Um Novo Legado
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A Noite da ONG Ana Clara Castellazzo
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26
As Marcas do Silêncio
27
Todos Unidos por um unico objetivo
28
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30
A Caçada Começou
31
Amor, Loucura e Partida
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No Coração do Perigo – A LME no Morro do Alemão
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Sangue no Concreto
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A LME em fulga.
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fulga para São Paulo
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O Inferno vai atravessar o oceano”
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Terra Vermelha, Sangue Vivo
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Rumo à Ruína
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a verdade começa a ser revelada
42
A Verdade que Machuca
43
A Revelação de Naiara
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Novos Planos de Enrico e Maria Eduarda
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Uma Noite na Casa dos Castellazzo Ferrari
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