Capítulo 4 – Vestido Rosa e Olhar de Desprezo
Cíntia já tinha quinze anos, e apesar de viver sob a constante implicância da tia e da prima Paula, tentava manter-se firme. Seu tio Jorge era o único da casa que a tratava com carinho. Sabia que ele fazia o que podia por ela — até mesmo pequenas gentilezas como aquele gesto de hoje: encomendara um bolo e levaria as meninas para comer pizza, como comemoração antecipada pelo aniversário dela. Era um gesto simples, mas para Cíntia, significava muito.
Ela vestiu um vestido rosa claro, rodado, com os cabelos longos soltos, ondulados nas pontas. No espelho, se viu bonita — apesar dos olhos cansados, havia algo de encantador no jeito doce e na postura de quem, mesmo machucada, se recusava a ser vencida.
— “Vai assim? Parece até que vai pra um baile de debutante” — debochou Paula, cruzando os braços ao lado da mãe.
— “Deixa de ser invejosa, menina. Vai logo” — resmungou a tia, revirando os olhos.
Luana, que estava na casa esperando, sorriu animada.
— “Tá linda, Cíntia. Nem parece que vive no mesmo bairro que a gente.”
Cíntia corou e agradeceu. Luana era seu alívio diário, sua amiga verdadeira, sua fortaleza. Juntas, subiram na caminhonete velha do tio Jorge e foram até a pizzaria simples que ficava duas ruas acima, perto da praça do morro.
A noite estava quente, e as luzes do lugar tornavam o ambiente mais vivo. As mesas de plástico na calçada estavam cheias. As vozes se misturavam às gargalhadas, e o cheiro de pizza no ar fazia o estômago de todos roncar.
Enquanto esperavam o pedido, o tio Jorge apareceu com o bolo na mão. Simples, de chocolate com morango, mas com o nome dela escrito com carinho.
— “Pra você, minha menina. Seus pais ficariam orgulhosos.”
Cíntia ficou emocionada. Agradeceu, sorrindo, sentindo um calor no peito. Mesmo entre as dificuldades, ainda existiam gestos de amor.
Mas nem todos naquela noite estavam com o coração aberto.
A alguns metros dali, parado na esquina em frente à pizzaria, Pedro observava tudo. Encostado no carro de Rafael, um dos filhos do homem mais temido do morro, ele cruzava os braços e franzia a testa. Estava mais alto, o rosto marcado pelo tempo e pelas ruas. Já envolvido nas paradas do morro, andava com Rafael e Renato, os “herdeiros” do tráfico local. Pedro já não era mais só o menino criado pelos avós — era alguém que metia medo com o olhar.
— “Olha a patricinha aí… toda enfeitada. Acha que tá onde?” — murmurou ele, com desdém.
Renato riu, tragando o cigarro.
— “Ela tá virando mulher, hein… se liga.”
Pedro não respondeu. Seus olhos continuavam presos nela. No vestido rosa. No sorriso. Na tranquilidade que ele não conhecia.
Cíntia notou o olhar. Virou o rosto e, ao reconhecer quem era, sentiu o estômago embrulhar. Aquele garoto loiro, bonito e mal-encarado sempre a olhava como se ela não pertencesse ali. Mas naquela noite, decidiu não abaixar a cabeça.
Com o coração acelerado, pegou um pedaço de pizza e outro de bolo e caminhou até ele.
Luana viu e arregalou os olhos.
— “Você tá doida?”
— “Ele está ali sozinho… e parece com fome.”
Luana suspirou.
— “Faz o que quiser. Mas não se iluda com a cara bonita, ele é azedo por dentro.”
Cíntia atravessou a rua com o prato nas mãos, sentindo o chão tremer de nervoso.
— “Oi… achei que poderia querer um pedaço…”
Pedro olhou para ela de cima a baixo.
— “Você acha que eu vou comer comida de patricinha? Vai brincar de boneca, garota.”
As palavras bateram como um tapa. Cíntia ficou parada, com o sorriso congelado e os olhos marejando. Tentou não demonstrar, mas foi inevitável. Aquilo doeu. Muito.
Ela entregou o prato a Rafael, sem dizer mais nada, e voltou para a mesa, o coração apertado.
— “Por que você foi até ele, menina?” — disse Luana, indignada. — “Eu te falei.”
— “Ele não me conhece… por isso me odeia assim.”
Luana bufou.
— “Ele te odeia porque se sente pequeno. Você tem tudo pra brilhar, Cíntia. Ele? Ele só sabe viver na sombra dos outros.”
Cíntia ficou em silêncio. E pela primeira vez desde que perdera os pais, sentiu uma raiva diferente. Não do mundo, mas de quem não enxergava além das aparências.
Pedro a observou voltar. E mesmo com o deboche estampado no rosto, havia algo nos olhos dele que vacilava. Por um segundo, talvez, ele tenha visto mais do que a patricinha... e sim a menina que carregava o peso da perda, da injustiça — e que, mesmo assim, estendeu a mão.
vestido dela
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Atualizado até capítulo 40
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