Capítulo 3 – A Noite Que Mudou Tudo
A noite estava calma. Cíntia brincava com o pai na sala, enquanto ele a fazia rir com as histórias dos plantões no hospital. Doutor César era um renomado cardiologista, mas em casa, ele era apenas o pai carinhoso e divertido que ela tanto amava. A mãe, elegante e doce, preparava a sobremesa preferida da filha na cozinha, enquanto cantarolava baixinho.
— “Filha, você já decidiu se vai ser médica como o papai?” — ele perguntou, puxando-a para o colo.
— “Claro! Vou ser médica igual ao senhor. Vou cuidar do coração das pessoas e salvar vidas!” — disse Cíntia com os olhos brilhando.
Eles riram, e ele beijou o topo da cabeça dela com carinho.
— “Tenho certeza que você vai ser a melhor médica do mundo.”
Pouco depois, os pais se arrumaram para sair. Iriam a um jantar especial, celebrar mais um ano de casamento. Cíntia ficou com a babá, prometendo esperar acordada, mas o sono a venceu.
O telefone tocou às três da madrugada.
A babá atendeu. Gritou. Chorou. E depois entrou no quarto, tremendo.
— “Cíntia... filha... seus pais... houve um acidente...”
Ela não entendeu de imediato. Mas ao ver a mulher se ajoelhar e chorar, Cíntia soube. E o mundo dela, até então cheio de amor, desabou.
Dois dias depois, o tio Jorge, irmão da mãe, apareceu. Ele parecia abatido, mas havia firmeza no olhar.
— “Vamos, Cíntia. Você vem morar comigo agora.”
Cíntia não discutiu. Apenas assentiu em silêncio. As malas foram feitas às pressas, e em poucas horas, ela deixava o apartamento luxuoso onde crescera, sem saber se algum dia voltaria.
A casa do tio ficava em uma favela. Simples, estreita, com vizinhos barulhentos e crianças correndo na rua. Ao chegar, a esposa dele, dona Célia, lançou um olhar desconfiado.
— “Já chegou a princesinha? Vamos ver quanto tempo dura com a gente...”
Paula, a filha deles, estava sentada na escada, mascando chiclete.
— “Agora vou ter que dividir o quarto com essa patricinha metida? Aff.”
Cíntia segurou o choro. Ela não queria estar ali. Mas era tudo o que tinha.
O tio tentou ser gentil, mas estava claramente sobrecarregado. Mostrou o quarto, apertado, com dois colchões no chão.
— “Faz o melhor que puder, tá, Cíntia? Vai dar certo.”
Mas desde o primeiro dia, Paula fez questão de mostrar que não queria a prima por perto. A implicância era constante, os apelidos maldosos, as piadinhas sobre sua vida antiga. Dona Célia também não ajudava. Achava que a garota tinha ares de superioridade, quando na verdade, tudo o que Cíntia queria era sumir.
Naquela noite, Cíntia desceu a escadinha da frente da casa, sentou-se no batente e deixou as lágrimas escorrerem. Estava sozinha. Pela primeira vez, sentia um vazio que parecia não ter fim.
— “Oi. Tá chorando por quê?”
Ela levantou o rosto assustada. Uma menina da mesma idade, com cabelos presos em um coque bagunçado, jeans surrado e um sorriso no rosto, olhava pra ela do outro lado da rua.
— “Sou a Luana. Moro ali. Cê é nova, né?”
Cíntia assentiu, limpando o rosto.
— “Sou a Cíntia.”
— “Quer conversar?”
Luana sentou ao lado dela. Sem julgamentos. Sem perguntas sobre o que tinha acontecido. Só ficou ali, falando da escola, dos vizinhos, das brigas que já presenciou no morro e até das besteiras que aprontava com os amigos. Cíntia sorriu pela primeira vez desde o acidente. Aquela menina estranha e sincera, de alguma forma, trouxe conforto.
Foi então que ela sentiu um olhar. Intenso. Quando olhou em frente, viu um garoto parado do outro lado da rua. Alto, loiro, com ar de rebelde e os olhos estreitos.
— “Quem é ele?” — perguntou, desconfiada.
— “Pedro. Amigo dos meus Rafael e Renato. Vive emburrado, parece que odeia o mundo. Não liga, não.”
Mas Cíntia sentiu que aquele olhar era direcionado a ela. Pedro a encarava como se ela fosse um problema. Como se sua presença ali incomodasse. E aquilo a fez apertar os punhos. Ele virou as costas e saiu andando sem dizer uma palavra.
— “Acho que ele me odeia...” — disse Cíntia.
Luana riu.
— “Ele odeia todo mundo, relaxa. Mas é um bom amigo. Vai ver, um dia ele até gosta de você.”
Cíntia não respondeu. Apenas olhou para o céu nublado e desejou, do fundo do coração, que aquela dor passasse logo. Ela não sabia, mas ali começava uma nova história. Cheia de obstáculos, sim. Mas também cheia de reencontros, descobertas... e amor.
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Atualizado até capítulo 40
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