...🌹 Medeline🌹...
A neve caía com violência quase soberana naquele dia. O vento soprava uivando entre as torres do castelo do Leste, e as bandeiras douradas e prateadas tremulavam como se temessem a força da tempestade. As muralhas antigas, gastas pelos séculos, gemiam sob a fúria do inverno inesperado. Eu, sentada perto da grande janela envidraçada, sentia o frio se infiltrar pelas pedras, ultrapassando até mesmo a força do fogo que ardia intenso na lareira, tentando em vão aquecer o ambiente. O dia havia chegado. O dia em que minha neta viria ao mundo.
Minha filha, Wren Frost, gemia em trabalho de parto na câmara aquecida, suando e chorando em meio ao esforço quase sobre-humano de dar vida a outra alma marcada pelo destino. Atlas Hawthorne, seu marido, estava a seu lado, tão pálido quanto a neve que cobria os campos além dos muros. Seus olhos, geralmente firmes e serenos, agora tremiam com um medo silencioso. As parteiras, com as mangas arregaçadas e as faces tensas, corriam de um lado para o outro, trazendo panos quentes, bacias fumegantes de ervas e potes de unguentos. O ar estava impregnado com o cheiro metálico do sangue, misturado ao aroma pungente da madeira queimando — um perfume de vida e morte, de renascimento e perigo.
E enquanto tudo isso acontecia, eu observava, silenciosa. Meu coração, endurecido por anos de batalhas, perdas e sacrifícios, batia descompassado no peito. Era como se os próprios ancestrais sussurrassem em meu ouvido — presságios antigos, vozes esquecidas — dizendo que aquela criança não seria apenas mais uma vida entre tantas. Não. Ela seria a próxima. A escolhida. A nova Besta do Norte.
O sinal estava ali, inegável: uma nevasca colossal, anormal para aquela época do ano, se formara assim que os primeiros gritos de dor de Wren ecoaram pelas muralhas. O céu, antes cinzento e melancólico, desabara numa fúria branca e cega. E eu sabia. Ah, eu sabia. Eu lembrava bem do meu próprio nascimento: a mesma tempestade voraz, o mesmo frio que parecia querer rasgar o mundo em pedaços. Contavam que com Hana, minha avó, havia sido o mesmo. E antes dela, com Lisa, a primeira de nós, aquela que ergueu o Norte contra seus inimigos e selou o sangue das Bestas em nossas veias.
Não era coincidência. Nunca foi. Era tradição. Era destino.
Eu mantinha as mãos cerradas sobre o colo, rezando em silêncio para os deuses antigos, para os espíritos das tempestades, para as sombras das matriarcas que vieram antes. Rezava para que Wren sobrevivesse, para que a pequena nascesse forte. Sabia o peso que ela carregaria. Sabia as provações que viriam. Não era fácil ser da linhagem das Bestas. Era um fardo pesado, um caminho de espinhos e batalhas, onde a vitória muitas vezes tinha gosto amargo.
Então, após horas de agonia, ouvi o primeiro choro — forte, decidido, quase feroz.
A parteira, de mãos trêmulas e olhos marejados, sorriu entre lágrimas enquanto envolvia o bebê em mantas grossas e macias, e a entregava a Wren, que a acolheu nos braços com uma ternura tão intensa que me fez sentir uma pontada no peito, como se uma corda antiga tivesse sido puxada dentro de mim. Atlas, vencido pela emoção, caiu de joelhos, lágrimas correndo livremente por seu rosto pálido.
E eu me aproximei, o coração trovejando como o céu lá fora, os olhos presos naquele pequeno ser que, mesmo tão frágil, já emanava uma força que era mais sentida do que vista.
— Kit — sussurrou Wren, a voz embargada pela emoção e pela dor ainda presente. — O nome dela será Kit Frost Hawthorne.
Kit. Pequena e delicada em aparência, mas com a tempestade fervendo nas veias. Assim como todas nós que vieram antes. Assim como aquelas que moldaram o destino do Norte com mãos firmes e corações indomáveis.
Ajoelhei-me diante dela e toquei sua testa com a ponta dos dedos. Um calor estranho percorreu minha pele, subindo pelos braços e aquecendo meu coração congelado. Era uma bênção silenciosa. Um reconhecimento antigo, vindo das forças que nos regiam. Eu sabia, no fundo da alma: Kit era a escolhida. Era a próxima.
Era oficial.
A próxima Besta do Norte havia nascido.
...***...
Enquanto a neve cobria os campos do Leste como um manto de luto e renascimento, minha mente viajou para o passado recente — para o momento em que, um ano antes, fora feito um acordo silencioso, um pacto selado não com festas e canções, mas com olhares sérios e promessas sussurradas à luz de velas.
Quando o príncipe Jace Drake Valen completara seu primeiro ano de vida, os soberanos do Sul — a antiga e orgulhosa família Valen — enviaram uma comitiva ao Leste. Em meio aos estandartes bordados e aos cavaleiros reluzentes, vinha Selena Valen, mãe do pequeno príncipe. Ela era diferente dos nobres arrogantes que tantas vezes cruzaram nossos salões. Tinha uma serenidade que parecia vinda do próprio mar do Sul, e seus olhos azuis carregavam a promessa de um futuro mais calmo e justo.
Lembro-me de vê-la naquele dia, caminhando com passos firmes sobre os tapetes grossos da sala principal, onde a grande lareira crepitava. Minha filha Wren e meu genro Atlas a receberam com a solenidade apropriada, mas havia algo mais — uma tensão sutil, uma percepção de que aquele encontro mudaria destinos.
Eu estava lá também, sentada em meu assento reservado, como um espírito das gerações passadas, observando sem intervir. Essa decisão pertencia a eles. Pertencia ao futuro.
Selena, com voz firme mas cheia de ternura, falou:
— Viemos aqui hoje para propor algo que unirá o Sul e o Leste de maneira inquebrantável. Gostaríamos que, caso sua primeira filha venha a nascer, ela seja prometida ao meu filho, Jace. Um laço de sangue. Um futuro onde nossos povos caminhem lado a lado, e não em guerra.
Wren e Atlas trocaram um olhar carregado de significado. Eu podia sentir o peso daquele momento no ar, tão pesado quanto a neve que se acumulava nas janelas.
Com um sorriso tímido e olhos brilhando, Wren respondeu:
— Se o destino assim permitir, nossa primeira filha será destinada a seu primogênito.
Foi simples. Sem contratos, sem testemunhas, sem celebrações barulhentas. Apenas palavras, juramentos e a força de uma promessa feita de coração para coração. O pacto fora selado ali. Um fio invisível conectando futuros ainda não vividos.
E agora, enquanto a tempestade rugia lá fora e a pequena Kit dormia nos braços da mãe, eu sentia, em cada fibra do meu ser, que aquele pacto silencioso havia mudado o curso de muitas vidas. Não apenas nossas famílias — mas de todo o continente.
...***...
A nevasca continuava furiosa, como uma entidade viva, dançando entre as torres, cobrindo o mundo com sua fúria e seu silêncio pesado. O vento batia contra as muralhas como um tambor de guerra antigo. Era o sinal. Sempre foi o sinal.
Era assim que sabíamos que uma nova Besta havia sido escolhida — não por homens, mas pelos próprios deuses.
Era assim que o Norte — mesmo que agora nossas terras fossem chamadas de Leste — reconhecia o nascimento da força que um dia se ergueria para proteger todos nós.
Olhei para Kit uma última vez naquela noite. Tão pequena. Tão vulnerável. E, ainda assim, em seu peito minúsculo, batia o coração de uma tempestade ancestral.
A próxima Besta do Norte. Nossa esperança. Nosso escudo. Nossa tempestade.
O futuro era dela.
E o mundo, queira ou não, mudaria para sempre.
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Atualizado até capítulo 32
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