Capítulo 04- Sob a Luz da Lua Cheia

DIAS ATUAIS

A lua cheia surgia no céu como um presságio. Prateada e silenciosa, subia devagar, mas com a imponência de quem carregava séculos de destino em sua luz. Na sacada de pedra do castelo, Ricardo — rei da alcateia lunar — observava o firmamento com os olhos estreitos e os punhos cerrados sobre a grade de ferro forjado.

Durante anos, ele esperara por aquele momento. Décadas de silêncio, buscas, pactos velados e rastros que se apagavam com o tempo. Mas a espera estava prestes a acabar.

A linhagem real exigia continuidade. E Ryan, seu herdeiro, estava pronto para assumir o trono. Contudo, nem o sangue, nem os ritos bastariam. Uma profecia antiga, enterrada em murmúrios dos anciãos, falava de uma loba adormecida — nascida da traição, filha da rebeldia. Aquela que despertaria sob a lua cheia e mudaria o destino dos reinos lupinos.

E agora... a caçada terminara.

Mirian, a loba renegada que fugira com a criança, fora finalmente localizada. A herdeira vivia. Crescera longe das garras da realeza. Mas o destino, por mais que se adie, sempre cobra sua parte.

— Prepare tudo — ordenou Ricardo, com a voz dura como pedra. — Hoje, a história será reescrita.

MIRIAN

O tempo que eu temi por toda a vida finalmente me alcançara.

Elena completara a maioridade. E, mesmo sem saber, sua loba interior já sussurrava — inquieta, à beira do despertar. Meus feitiços, os anos de silêncio, o exílio voluntário... nada mais podia conter o que vinha pela frente.

Mas antes do fim, eu queria lhe dar um último dia de paz.

Escolhi seu vestido favorito, fiz tranças em seus cabelos como fazia quando era criança e a levei à cidade. Passeamos por entre barracas de tecido, tomamos sorvete na praça, e por um breve instante, caminhar de mãos dadas com minha filha me deu a ilusão de que o mundo podia ser simples. Que não havia um império à espreita. Que ela não era o centro de uma profecia.

Cristian nos trouxe de volta. Convidei-o para jantar. Elena ria com ele na sala, a gargalhada leve demais para um mundo tão pesado. Cozinhei como se preparasse nossa última ceia. Porque era. Meus olhos se mantinham secos, mas meu coração já se despedia.

Enquanto mexia o caldo na panela, ela apareceu na cozinha. Encostou-se no batente da porta e me olhou com aquele jeitinho que só ela tinha.

— Mãe... lembra quando eu cortei minha franja sozinha e ficou horrível?

Soltei uma risada curta, surpresa pela lembrança.

— Você disse que era uma tendência nova...

— E você respondeu que eu podia usar até uma coroa de galhos, que ainda seria linda.

— E depois te levei ao cabeleireiro fingindo que era meu plano desde o início — completei, rindo.

— Obrigada... por tudo, mãe.

Ela me abraçou, e naquele abraço estava toda a nossa história. Nossos dias escondidas, nossas invenções para parecer normais, nossos silêncios, nossas fugas, nossas risadas abafadas.

Então, ouvi o primeiro estalo na varanda.

Eles tinham chegado.

RYAN

Meu pai invadiu meus aposentos como uma tempestade.

— Encontramos Mirian.

Essas palavras incendiaram algo em mim. Não houve hesitação. Vesti o manto escuro da caça. Chamei os Caçadores da Lua — soldados treinados desde a infância para matar, farejar e obedecer sem piscar. Uma matilha de elite. Implacável.

A trilha nos levou por florestas densas, até um chalé escondido entre árvores antigas. O lugar exalava lar. Um calor quase humano que dava vontade de hesitar.

Mas nós não fomos feitos para hesitar.

Arrombamos a porta.

E então... vi ela.

A garota.

Fios de fogo, olhos grandes e selvagens, e uma aura que fazia o ar crepitar. Mesmo sem despertar, ela emanava poder bruto. Era como se a própria floresta prendesse a respiração diante dela.

E então... Mirian surgiu.

MIRIAN

O pavor no rosto da minha filha partiu meu coração.

Gritei para que corresse. Ela hesitou. Cristian tentou intervir, mas o tempo era um luxo que não tínhamos.

Transformei-me ali, na frente dela, pela primeira vez.

O estalo de ossos se fundindo. A carne se rompendo. Meu corpo queimando. A dor da metamorfose era antiga — familiar. Mas naquela noite, ela foi bem-vinda.

A loba branca ergueu-se.

Saltei com a fúria de uma mãe que desafia deuses. Meus dentes rasgaram o ombro de Ryan. Minhas garras encontraram carne. Mas ele era o filho do rei. Treinado. Mortal.

Logo, a matilha me cercou. Lobos negros. Olhos como lâminas. Prontos para matar.

Mesmo assim, lutei.

Por ela.

Por Elena.

ELENA

O mundo virou pesadelo em segundos.

Minha mãe — meu porto seguro — tornou-se uma criatura de lendas. Branca, feroz, sagrada. Um espectro da guerra. Um grito primal cortou o céu, e eu soube que tudo mudaria para sempre.

Tentei fugir, mas mãos me agarraram.

— Solta! — mordi até o sangue invadir minha boca.

Um tapa estalou no meu rosto. O mundo girou. Fui arrastada entre sombras e gritos. Vi minha mãe cercada. Vi sangue no chão. Vi quando ela caiu.

E gritei. Um grito de perda, de fúria, de alma rompida.

Mas o mundo não escutou.

MIRIAN

Sabia que não escaparia.

Sentia cada costela quebrada. Cada gota escorrendo. Mas meus olhos buscavam só ela.

Elena.

Minha filha.

Meu legado.

Ela chorava. Mas por trás das lágrimas... havia fogo.