Autora:
Elena tinha dezessete anos e vivia uma existência tranquila no campo, onde o tempo parecia andar mais devagar. Ao lado da mãe, Mirian, cresceu entre o perfume das flores silvestres e os dias dourados que se estendiam sob um céu imenso. Ali, o vento carregava histórias antigas, sussurradas entre as folhas, e os silêncios tinham o peso doce das coisas que não precisam ser ditas.
Mirian era força e ternura em medidas exatas. Criou Elena sozinha, com a firmeza de quem já conheceu a dor, mas escolheu plantar amor em cada pequeno gesto. O lar das duas era cheio de detalhes encantadores — pão fresco nas manhãs frias, bilhetes escondidos entre páginas de livros, abraços que duravam o tempo exato para curar o dia.
Sobre o pai, falava pouco. “Foi um homem bom, levado cedo demais”, dizia sempre com o mesmo tom de luto sereno. Elena aprendeu a não perguntar, mas dentro dela, perguntas cresciam como raízes buscando terra. Quem ele fora? Por que se foi sem deixar vestígios?
Com seus cabelos ruivos que lembravam o céu ao entardecer e olhos de cores diferentes — um âmbar profundo, outro verde como floresta úmida —, Elena chamava atenção mesmo quando tentava se esconder. Havia algo de mágico em sua presença, como se pertencesse a outro tempo, ou a outro mundo.
Mas ela não sabia disso ainda.
Seu universo era simples, feito de rotinas calmas e amizades fiéis. E dentro desse mundo contido, ela florescia sem saber o quanto brilhava.
Elena
Acordei com a luz invadindo meu quarto pelas frestas da cortina. Era uma luz suave, morna, como um carinho. O som do rádio ecoava da cozinha, misturado ao cheiro do café recém-passado. Tudo era familiar. Quente. Seguro.
Na cozinha, mamãe me esperava com sua expressão serena e aquele olhar que parecia sempre saber mais do que dizia. Sentei à mesa e, por um instante, só observei. Seus gestos eram poesia cotidiana. O jeito como segurava a xícara, como virava levemente a cabeça para ouvir o noticiário... tudo nela era casa.
“Quer algo especial para seu aniversário?” ela perguntou.
Faltavam apenas três dias para eu completar dezoito anos. Pensei em livros — meu presente preferido desde sempre. Mas, antes que eu respondesse, minha mente voltou àquela conversa de semanas atrás.
A carta.
Mamãe dissera que havia uma carta guardada, escrita muito tempo antes, esperando meu aniversário para ser revelada. Meu coração apertou só de lembrar. O que haveria ali? Segredos? Verdades sobre meu pai? Sobre mim?
Três dias. Já parecia uma eternidade.
Na escola
Cristian e Adelaide me esperavam. Desde que me entendia por gente, os dois estavam por perto. Cristian, calado e gentil. Adelaide, cheia de vida, intensidade e humor ácido. Éramos inseparáveis.
Mas havia algo no ar. Algo silencioso, mudando.
Cristian andava estranho. E eu sentia isso como se fosse meu.
Cristian
O céu estava coberto de nuvens baixas, como se o dia soubesse o peso que eu carregava no peito. Caminhei ao lado de Adelaide até o portão da escola, mas minha mente estava em outro lugar.
Em Elena.
Ela era luz e silêncio, doçura e mistério. Me ensinou, sem saber, que a beleza das coisas está nos detalhes — nos gestos pequenos, nos olhares demorados, no jeito como ela ria de coisas simples.
Eu a amava.
Talvez desde sempre. Talvez desde o momento em que percebi que seus olhos, mesmo diferentes, pareciam contar a mesma história. A história dela. E, de algum modo, minha também.
Mas como dizer isso sem arruinar tudo?
Hoje, mesmo que a voz falhe, eu preciso tentar.
Adelaide
Cristian anda estranho, e eu percebo. Sempre percebi. Sou sua irmã, afinal. Crescemos dividindo segredos, silêncios e até brigas tolas — então sei, mesmo quando ele não diz nada, que algo está mudando dentro dele.
E eu sei que tem a ver com Elena.
Elena, minha melhor amiga desde que nos conhecemos ainda pequenas. Foi coisa de alma, daquelas conexões raras que a gente não sabe explicar, só sente. Desde então, ela passou a fazer parte da nossa família de um jeito natural, como se sempre tivesse estado ali.
Ela é minha irmã, mesmo que o sangue não diga. Uma presença calma, cheia de ternura, com um coração tão grande que consegue acolher até os pedaços partidos dos outros sem fazer alarde.
Ver Cristian olhar para ela daquele jeito me deixa com o coração apertado. Não por ciúme — não é isso. Mas pelo medo de que as coisas mudem entre nós. Pelo medo de que ele a machuque, mesmo sem querer.
Elena merece cuidado. Merece alguém que a veja por inteiro, com seus silêncios, sua doçura, seus olhos de duas cores que parecem conter mundos. E se for o meu irmão essa pessoa… então que ele vá inteiro, sem meias palavras, sem dúvidas.
Porque se há alguém neste mundo que merece ser amada de verdade, é ela.
E se for ele quem pode dar isso a ela… então que ele tenha coragem.
Mas que nunca, jamais, destrua o que construímos: essa irmandade feita de risos no quintal, confidências sussurradas, e tardes com torradas e geleia de damasco feitas com carinho de mãe.
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Atualizado até capítulo 28
Comments
@autora_marise
O tipo de presente que eu pediria /Smirk/
2025-05-20
2
Sarah Zigler
sua narrativa faz a gente entrar dentro do mundo delas 👏🏼
2025-05-29
1
Raquel M.
lembrei daquela frase:
"você é a única pessoa que eu quero que brilhe mais que eu, se você puder brilhar mais do que eu, eu ficarei muito feliz"
2025-05-29
1