Capítulo 03- Ecos do Destino

RYAN

Durante anos vivi à sombra de um destino que nunca escolhi. Meu pai, o rei da Alcateia Lunar, carregava no olhar o peso de gerações e, em sua voz, a urgência implacável de perpetuar nosso legado.

— Sua companheira está lá fora — dizia ele, como se eu fosse apenas uma peça num jogo ancestral, destinado a completar um ciclo sagrado.

Mas eu nunca quis o trono. Nunca desejei os rituais, os olhares reverentes ou o fardo de liderar uma alcateia inteira. Enquanto ele via em mim o futuro de nossa linhagem, eu ansiava por algo mais simples: liberdade.

Nas caçadas, encontrava alívio — no frio da floresta, no silêncio da noite, até nos braços efêmeros das lobas que cruzavam meu caminho. Algumas me queriam pelo que eu era, outras, pelo que representava.

Meu lobo — negro como a noite mais densa, com olhos verdes como o âmago da floresta — era meu poder e meu segredo. Eu sabia que o chamado viria. Que ela me encontraria. Minha companheira destinada. E quando isso acontecesse, ela seria minha. Era assim que estava escrito. Sem desvios. Sem escolhas.

Mas ela ousou fugir.

A mulher rompeu o ciclo. Desfez tudo o que o destino havia traçado. Por causa dela, meu pai enlouqueceu — enviou emissários a cada canto remoto, revistou vilarejos, interrogou inocentes, envergonhou nossa linhagem em becos escuros e tavernas esquecidas. Tudo para recuperar aquela menina que deveria ter crescido ao meu lado, pronta para ser rainha.

Agora o tempo corre contra mim. A lua cheia se aproxima — e com ela, o inevitável.

 

ELENA

Mamãe chegou ao cair da tarde, os cabelos presos às pressas e os olhos marcados pelo cansaço que só as mães carregam. Trazia nos braços um embrulho grande, coberto por um pano simples, mas com um laço vermelho. Tentou esconder, mas era óbvio: era meu presente de aniversário.

Almoçamos juntas, entre risos e histórias da feira. Passamos a tarde na horta, mergulhadas no cheiro da terra molhada e no calor morno do sol que espreitava entre as nuvens. A brisa soprava como um canto antigo, embalando folhas e lembranças. Ao lado dela, o mundo parecia leve. Quase seguro.

Enquanto regávamos as hortaliças, contei sobre Cristian — sua confissão, minha confusão, o turbilhão que fervilhava em meu peito. Mamãe apenas ouviu. Seus olhos, serenos. Seu silêncio, acolhedor. Então, pousou a mão sobre a minha e disse:

— O coração precisa de tempo e espaço, filha. Aprender não é só pelos livros. Às vezes, é pela dor. Pela escolha.

Guardei aquelas palavras como quem planta raízes na alma. Pensei nos gestos de Cristian, no modo como ele me olhava quando achava que eu não via. Talvez o amor fosse assim mesmo: nascendo devagar, feito aurora silenciosa.

Naquela noite, abri o presente. Dentro havia três livros — um de poesia antiga, um sobre jardinagem e outro sobre constelações. Em cada um, um bilhete dela, escrito à mão, com afeto bordado nas palavras.

Chorei. Em silêncio.

Mas algo dentro de mim despertava. Uma inquietude. Um sussurro que eu ainda não sabia entender.

 

CRISTIAN

O dia amanheceu diferente.

O céu estava limpo, o ar mais leve, e dentro de mim um peso antigo parecia ter se dissolvido. Dizer a verdade para Elena foi como rasgar uma pele que já não me servia — como se, finalmente, eu pudesse respirar, como quem volta para casa.

Adelaide notou no instante em que entrei na cozinha.

— Olha só… tá até sorrindo. E eu jurava que meu irmão tinha nascido sem esse músculo — provocou com aquele deboche fraternal que só ela sabia fazer.

Antes que eu respondesse, a campainha tocou.

Era ela.

Adelaide a recebeu com um abraço apertado, cúmplice, e aquele olhar que dizia tudo sem palavras. Em segundos, inventou uma desculpa qualquer sobre costuras e escapou, nos deixando a sós.

Elena estava nervosa. Mas havia algo novo ali — um brilho calmo em seus olhos, como se ela tivesse feito paz com uma parte de si.

Sentamos no sofá. O silêncio entre nós respirava fundo, vivo.

 

ELENA

Meu corpo pulsava com a presença dele. Cada centímetro da pele parecia atento, desperto. Estava nervosa, sim — mas também decidida.

— Pensei muito no que você disse… — minha voz saiu baixa, trêmula, mas verdadeira. — Acho que também sinto algo. Só preciso ir com calma. Isso é novo pra mim. E importante.

Ele não disse nada. Seus olhos disseram tudo. Tocou meu rosto com uma delicadeza quase dolorosa — como quem sabe que carrega algo frágil demais para o mundo. E então, me beijou.

Foi um beijo suave, tímido, mas cheio de verdade. Como se nossos espíritos se reconhecessem antes mesmo de nossas bocas. Como se fôssemos destinados, mas ainda não soubéssemos como.

Conversamos até o sol começar a se esconder. Rimos. Compartilhamos histórias antigas. E, na despedida, ele me abraçou como quem segura o tempo.

O beijo foi doce. Sem pressa. Uma promessa muda.

Mas algo lá no fundo apertava meu peito.

A lua já brilhava no céu. E, mesmo sem entender, eu sentia: a noite escondia presságios. E o sangue, mesmo adormecido, sempre escuta quando a lua chama.

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Comments

S.Kalks

S.Kalks

vou dizer, nunca foi amizade. Meu melhor amigo é homem e somos amigos há mais de 15 anos e nunca absolutamente nunca sentimos nada um pelo outro, e ele não é gay.
Quando é amizade mesmo, nem um dos dois vai sentir nada

2025-05-21

1

@autora_marise

@autora_marise

Ele gosta de você /Drool/

2025-05-20

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S.Kalks

S.Kalks

Aí vai se declarar e fazer charme, daqui a pouco o outro vai aparecer e acabar com o romance de vcs, então aproveita logo

2025-05-21

1

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