Elena
Mamãe me deixou na escola como sempre fazia — um beijo suave na bochecha, um afago leve nos cabelos e aquele olhar sereno e profundo, como se quisesse me guardar inteira dentro dele. Como se soubesse. Como se dissesse, sem palavras: “Estou com você. Sempre estarei.”
Cristian e Adelaide já me esperavam na entrada, como de costume. Os dois eram presenças constantes na minha rotina, mas havia algo diferente naquele dia. Uma vibração no ar. Como se o vento sussurrasse verdades escondidas entre as folhas das árvores. Como se o universo prendesse a respiração, esperando algo.
As aulas se arrastaram. Longas, monótonas, insuportáveis. Eu tentava me concentrar, mas sentia um puxão invisível no peito, apertando aos poucos. Quando a última campainha tocou, não trouxe alívio — trouxe um vazio.
Mamãe não estava lá.
Permaneci na calçada, vendo os minutos passarem como lâminas. Ela nunca se atrasava. Era previsível como a alvorada, meticulosa nos pequenos detalhes do cotidiano. Sua ausência soou como um alarme silencioso, sutil, mas ensurdecedor.
O vento ficou mais frio. Um sopro que não era só do outono — era o presságio de algo maior. Algo antigo.
Cristian se aproximou. Seus olhos buscaram os meus com preocupação contida, o corpo rígido, passos cuidadosos. Adelaide lançou-me um último olhar antes de seguir sozinha, seu sorriso calmo carregando um enigma que só ela conhecia. Como se pressentisse que aquele momento era só nosso.
Caminhamos juntos. Silenciosos. O mundo parecia distante, abafado, como se estivéssemos dentro de uma bolha onde o tempo não ousava entrar. O som de nossos passos ecoava mais alto do que deveria. Cristian estava ao meu lado, mas inquieto. Punhos cerrados. Olhar baixo.
Ele parou.
Virou-se devagar, como se cada gesto exigisse coragem. E quando falou, sua voz saiu baixa, trêmula, cheia de verdade.
— Elena... — disse, e meu nome nos lábios dele soou mais íntimo do que nunca. — Não dá mais para guardar. Eu tentei. Juro que tentei. Mas eu te amo. Não como amigo. Não como alguém que só quer estar perto. É mais. É algo que me consome.
Fiquei parada. O mundo ao redor sumiu. A brisa parou. A luz mudou. Tudo o que restou foi ele. Cristian. Meu melhor amigo. Agora tão vulnerável diante de mim.
— Cristian... — sussurrei, o coração martelando no peito. — Eu... não sabia. Não assim. Eu gosto muito de você, mas isso... é demais para processar agora. Preciso entender o que sinto. Só... por favor, não se afaste. A sua amizade é um pedaço essencial de quem eu sou.
Ele assentiu. Um gesto silencioso, cheio de compreensão e, talvez, um pouco de dor.
Me acompanhou até o portão. Depois se afastou, ombros tensos, mãos nos bolsos, silhueta dissolvendo-se na penumbra.
Entrei em casa e fui direto para o quarto. O cheiro do sabão no avental pendurado no cabide trouxe um estranho consolo. Vesti-o, como se aquele pano velho pudesse me ancorar na realidade.
Na cozinha, o mundo parecia mais calmo. Peguei os ingredientes como se estivesse num transe: arroz branco, peixe grelhado, batatas douradas, salada fresca com tomates quase maduros demais. O suco de goiaba ficou espesso e doce, exatamente como ela gostava.
Montei a mesa.
Duas pessoas.
Esperei.
E esperei.
Mas ela não voltou.
Mirian
O tempo me traiu hoje.
A manhã foi longa na feira. Meus braços doíam de carregar caixas, meu corpo cansado, mas havia um brilho escondido dentro de mim — a alegria silenciosa de comprar os livros que Elena tanto queria. Um presente pequeno, mas cheio de amor. Talvez o último gesto de uma vida comum.
Porque está perto.
Três dias.
Apenas três.
A lua cheia se aproxima, e com ela virá o chamado. O sangue antigo, adormecido, despertará. E minha filha — minha Elena — não poderá mais escapar.
Ela nunca soube a verdade. Como poderia? Protegi-a com todas as forças que me restaram. Escondi o passado sob a rotina dos dias, sob o aroma do pão no forno e os abraços quentes das manhãs frias. Ela cresceu livre. Cresceu humana.
Mas ela não é.
Dentro dela pulsa o espírito da loba. A herdeira do trono. A menina que nasceu para ser rainha.
O herdeiro a espera. Tem dezenove anos agora. Um jovem que carrega o peso da alcateia e o vazio de uma linhagem quebrada. Quando Elena completar dezoito anos, o vínculo ancestral entre eles se manifestará. Forte. Inevitável. Um elo que nenhum de nós poderá romper.
Eu tentei fugir. Deixei tudo para trás — o nome, a alcateia, o poder. Quando fiquei grávida, a matriarca me procurou. Desesperada. Ela não podia gerar filhos. E eu… eu me tornei a única esperança de continuidade.
Elena foi prometida ao trono.
Eu recusei.
Fugi.
Escondi nossa existência entre os humanos. Calamos a loba dentro de nós. Mas o sangue… o sangue nunca esquece.
Agora, com a lua cheia tão próxima, ela começa a se agitar dentro de mim. A loba desperta — não com fúria, mas com saudade. Ela sente que algo está chegando. E teme.
Não sei o que Elena fará quando souber. Talvez me odeie. Talvez chore. Talvez fuja. Mas se eu puder dar a ela uma chance… apenas uma… de escolher seu próprio destino…
Então enfrentarei qualquer coisa.
Mesmo que isso custe o que resta de mim.
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Atualizado até capítulo 28
Comments
Raquel M.
tive um amigo que se declarou pra mim... disse que poderíamos continuar sendo amigos já que eu não queria nada com ele, mas que ele estaria me esperando no futuro...
2025-05-29
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Sarah Zigler
mesmo a mãe sendo cheia de mistérios elas parecem ter uma boa relação 💕
2025-05-29
1
AndressaAutora
Não sei mais, acho que ele não vai ser correspondido kkk ou vai!
2025-05-21
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