4

A porta da mansão bate atrás de mim com um eco que parece um ponto final na minha paciência. Mal pisei no hall de entrada e já ouço os passos pesados do meu pai vindo em minha direção.

— *Você acha que isso é um jogo?* — a voz dele corta o ar como uma lâmina.

Pareço pra ele, os braços cruzados. Lúcifer, sempre o traidor, se esconde sob a escada.

— *Não. Se fosse um jogo, eu já teria ganhado.*

Meu pai não se diverte. Os olhos dele escurecem, aquela cor de tempestade que conheço desde pequena.

— *Você humilhou os Orsini hoje. De novo.*

— *Ah, por favor. Vinni vive de humilhação. Deve gostar.*

— *Isabella.* O aviso na voz dele é claro, mas estou cansada demais para me importar.

— *O que você quer que eu faça, pai? Que eu sorria e aceite tudo como uma boa garotinha?* — Minha voz soa mais áspera do que eu queria. *Você me vendeu como gado. Não espere gratidão.*

Ele não responde. Só olha pra mim como se eu fosse um projeto falhado, algo que ele não consegue mais consertar.

— *Vai pro seu quarto. E pensa no que você está fazendo com essa família.*

Viro as costas antes que ele veja o aperto no meu peito.

---

### **O Quarto – O Único Lugar Onde Posso Cair em Pedaços**

A porta do meu quarto é o único lugar que ainda me pertence. Tranco, respiro fundo, e deixo o peso do dia me derrubar na cama.

Lúcifer aparece minutos depois, pulando no colchão como se entendesse que hoje não é dia de brincadeiras. Ele se enrola no meu lado, um calorzinho preto e ronronante contra meu braço.

— *Você é o único que não me enche o saco,* murmuro, afundando os dedos na pelagem dele.

O celular vibra no meu bolso.

Ignoro.

Vibra de novo.

*Merda.*

Pego o telefone esperando outra mensagem irritante de Sofia ou, pior, do meu pai.

Mas o nome na tela me faz parar.

**Matteo Ferrante.**

*...Porra.*

A última vez que vi Matteo foi em um funeral. O dele próprio.

Bom, não *dele* – do pai dele. Don Ferrante, chefe da máfia napolitana, tinha levado um tiro na nuca em um jantar de negócios que deu errado. E Matteo, com 22 anos na época, herdou um império manchado de sangue.

A mensagem dele é simples:

**"Ouvi que você está de noivado. Meus pêsames."**

O sarcasmo transborda nas palavras.

Sorrio, sem querer.

**"Dizem que o casamento é lindo. Principalmente quando noivo e noiva se odeiam."**

A resposta vem rápido:

**"Ah, então é verdade. Você vai casar com o príncipe encantado Orsini."**

**"Se por príncipe encantado você quer dizer demônio com um pacto de sangue, sim."**

Há uma pausa. Depois, três pontos aparecem e somem, como se ele estivesse pensando no que dizer.

**"Você não parece a tipo dele."**

*Isso* me faz erguer uma sobrancelha.

**"E qual é o meu tipo, Matteo?"**

Dessa vez, a resposta demora. Quando vem, é só uma palavra:

**"Perigoso."**

Algo dentro de mim se acende.

Matteo Ferrante sempre teve um jeito de falar as coisas que fazia a gente se sentir vista – e, ao mesmo tempo, *caçada*.

Antes que eu possa responder, outra mensagem aparece:

**"Se algum dia precisar de um lugar pra sumir... você sabe onde me achar."**

E então, silêncio.

Fico olhando para a tela, os dedos pairando sobre o teclado.

*Preciso de um lugar pra sumir.*

Mas a verdade é que não tenho mais um.

Matteo não é só um velho conhecido.

Matteo é *perigo*.

O tipo de homem que herdou um império antes dos 25 e transformou ele em algo ainda mais mortal. O tipo que não pede permissão – só toma.

E, mais importante:

Matteo Ferrante é inimigo dos Orsini.

Se Vinni descobrir que ele me mandou mensagem...

*Merda.*

Desligo o telefone e jogo ele longe na cama, como se pudesse me queimar.

Lúcifer mia, interrogativo.

— *Não olhe pra mim assim,* resmungo. *Eu não fiz nada.*

Mas o problema é que *quero* fazer.

A noite está quieta.

Demasiado quieta.

O tipo de silêncio que faz os pensamentos ecoarem como gritos dentro do crânio.

Lúcifer dorme enrolado no meu pé, um peso quente e vivo, lembrando-me que ainda há coisas neste mundo que não querem me machucar.

O telefone com a mensagem de Matteo está debaixo do meu travesseiro.

Como uma faca.

Como um salva-vidas.

*"Se algum dia precisar de um lugar pra sumir..."*

Fechei os olhos, mas não adianta.

Estou numa igreja.

O vestido branco – aquele maldito vestido – aperta meu peito como uma mão gigante.

Na frente do altar, Vinni está de costas. Quando ele se vira, não tem rosto. Só um vazio liso e pálido.

— *Você não pode fugir,* ele diz, e a voz não é dele. É do meu pai.

Acordo com um sobressalto.

Suada.

Envergonhada.

*Merda.*

Desço para o café da manhã com olheiras e um humor pior que o normal.

Meu pai nem olha para mim. Sofia tenta puxar conversa, mas minhas respostas são grunhidos.

Até que o celular dela vibra.

— *Ah,* ela diz, olhando para a tela. *Vinni mandou mensagem.*

Engasgo com o café.

— *Por que ele tem seu número?*

— *Porque ele não tem o seu,* ela responde, como se fosse óbvio. *Ele pergunta se você quer ir lá hoje. Diz que tem algo pra te mostrar.*

— *Pode ser o caminho do inferno? Já conheço.*

Mas meu coração – traidor – acelera.

Por quê?

*Por que eu me importo?*

A mansão dos Orsini é mais fria que a nossa.

Mármore branco, móveis escuros, tudo limpo e impessoal como uma faca bem afiada.

Vinni me espera na biblioteca, encostado numa estante, folheando um livro velho como se não estivesse esperando por mim.

— *Você veio,* ele diz, sem levantar os olhos.

— *Estava curiosa pra ver como você ia me irritar hoje.*

Ele sorri, fechando o livro.

— *Sempre tão otimista.*

— *O que você quer, Vinni?*

Ele estica a mão, pegando algo da prateleira atrás dele.

É uma caixa pequena, de madeira escura.

— *Isso,* ele diz, entregando para mim.

Abro.

Dentro, há uma foto.

Nós.

Crianças.

Eu devo ter uns cinco anos, ele seis. Estamos numa árvore, eu com um vestido rosa horrível, ele com um joelho ralado.

E estamos *rindo*.

— *Onde você arranjou isso?* Minha voz soa rouca.

— *Minha mãe guardava.*

Olho para ele, procurando o truque, a piada, a facada escondida.

Mas o rosto dele está sério.

— *Por que você está me mostrando isso?*

Ele respira fundo, como se estivesse se preparando para pular de um penhasco.

— *Porque eu não lembrava.*

— *Do quê?*

— *De que nem sempre foi assim.*

O silêncio cai como um véu.

Por um momento, não somos herdeiros da máfia.

Não somos noivos relutantes.

Somos só duas pessoas.

Cansadas.

*"Se algum dia precisar de um lugar pra sumir..."*

A voz de Matteo na minha cabeça parece mais distante agora.

— *O que isso muda?* pergunto, mas já sei a resposta.

Nada.

Tudo.

Vinni encosta na estante, os ombros afundando um pouco.

— *Nada,* ele admite. *Mas eu queria que você soubesse.*

*Soubesse o quê?*

Que ele também se lembra?

Que ele também está cansado?

Que talvez, só talvez, nem tudo precise doer tanto?

Guardo a foto na caixa e devolvo para ele.

— *Obrigada,* murmuro, e é a primeira coisa honesta que digo pra ele em anos.

Ele acena com a cabeça, e eu viro para ir embora.

Mas então ele fala de novo:

— *Isabella.*

Paro.

— *Se você não quiser fazer isso... eu entendo.*

Não me viro.

Se me virar, ele vai ver.

Vai ver que estou tremendo.

— *Não temos escolha,* digo.

— *Todo mundo tem uma escolha,* ele responde. *Às vezes só dói demais fazer a certa.*

Saio sem responder.

Mas a foto – aquela maldita foto – fica gravada atrás dos meus olhos.

E pela primeira vez em muito, *muito* tempo...

Eu não sei em quem estou com mais raiva.

Dele.

Ou de mim mesma.

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