Meu pai apontou para a escada com aquele olhar que não aceitava discussão.
— *Vão. Conversem. Se acertem.*
Vinni soltou um riso baixo, sarcástico, mas obedeceu. Eu fui atrás, cada passo meu ecoando como uma sentença de morte.
O corredor até meu quarto nunca pareceu tão longo.
Ele entrou primeiro, deixando a porta aberta atrás de si, como se não quisesse nem a sugestão de privacidade entre nós. Eu fechei com um chute.
— *Que tal começarmos com um pacto?* — ele sugeriu, virando para mim com as mãos nos bolsos do blazer. *Você some da minha vida, e eu sumo da sua.*
— *Ótimo. Morre hoje à noite e resolvemos isso.* — encostei na cômoda, fingindo relaxar.
Os olhos dele escureceram.
— *Sempre dramática. Mas não é você que tem a faca na mão dessa vez, Isabella.* — ele deu um passo à frente. *Seu pai precisa dessa aliança. O meu também. Mas nenhum dos dois precisa da gente se matando antes do grande dia.*
— *Que pena,* — murmurei. *Tava tão animada.*
Ele ignorou a provocação.
— *Podemos fazer isso do jeito fácil ou do jeito difícil.*
— *Defina “fácil”.*
— *Você finge que me tolera. Eu finjo que não te acho uma criança mimada. Nos casamos, cumprimos nosso papel, e cada um vai pro seu canto.*
Meus dedos se apertaram em volta da borda da cômoda até os nós dos dedos doerem.
— *Tá com medo, Orsini?* — desafiei. *Acha que não vai conseguir me aturar?*
Ele sorriu, lento, perigoso.
— *Eu aturo qualquer coisa. Mas duvido que você aguente.*
Ele deu mais um passo. Eu não recuei.
A distância entre a gente era de menos de um palmo agora, e o ar parecia carregado, como se a qualquer segundo um de nós fosse puxar uma arma.
— *Você sempre foi péssima em obedecer,* — ele murmurou, o olhar escorrendo pelo meu rosto como um insulto. *Vai ser divertido quebrar isso em você.*
— *Experimenta,* — desafiei, levantando o queixo.
E então ele fez o movimento mais inesperado possível.
Esticou a mão e pegou um fio do meu cabelo, deixando escorrer entre os dedos como se estivesse avaliando a qualidade de um tecido.
— *Parece macio,* — comentou, casual. *Pena que o que tem dentro é tão podre.*
Foi o suficiente.
Meu joelho voou em direção à virilha dele. Ele desviou por um triz, agarrou meu braço e me girou, pressionando minhas costas contra ele.
— *Sempre a mesma coisa,* — ele rosnou no meu ouvido, o hálito quente. *Previsível.*
Tentei jogar o cotovelo pra trás, mas ele segurou mais forte.
— *Solta.*
— *Pede direito.*
— *Vai se foder.*
Ele riu, e o som vibrou contra minhas costas.
Foi aí que senti.
O canivete.
No bolso dele.
Sem pensar, enfiei a mão e agarrei. Ele reagiu na hora, tentando bloquear, mas eu já tinha a lâmina aberta e pressionada contra o pulso dele.
— *Vamos ver quem é previsível agora,* — respirei.
Ele parou. Olhou pra lâmina. Depois pra mim.
E então, devagar, soltou meu braço.
— *Você não vai me cortar.*
— *Tenta eu.*
Ele sorriu, como se eu tivesse acabado de provar o ponto dele.
— *É por isso que seu pai escolheu você pra isso,* — ele disse, baixinho. *Não é só sobre aliança. É sobre fogo.*
Eu cuspi no chão entre os pés dele.
— *Foda-se o que meu pai pensa. E foda-se você.*
Ele olhou pra saliva no chão, depois pra mim.
— *Caseira.*
E então, sem aviso, ele virou e saiu, deixando a porta aberta.
Eu fiquei lá, segurando o canivete, o pulso latejando onde ele tinha segurado.
O cheiro dele ainda estava no ar.
Madeira queimada e ódio.
E o pior?
Eu *odiava* que uma parte de mim tinha gostado da luta.
---
A casa ficou em silêncio depois que os Orsinis foram embora.
Eu ouvi os carros partirem, os motores roncando como bestas satisfeitas, levando embora aquele infeliz e sua família de sanguessugas. Ainda bem.
Mas agora, sozinha no meu quarto, o vazio era pior que o ódio.
Água escaldante. Quase queimando.
Eu deixei cair sobre minha pele como se pudesse lavar fora o cheiro dele, a memória das mãos dele me segurando, a voz no meu ouvido. *"Pede direito."*
*Filho da puta.*
Esfreguei o sabonete com força nos pulsos, onde seus dedos tinham deixado marcas rosadas. Não doía, mas eu *queria* que doesse. Queria algum sinal visível de que aquilo tinha sido uma guerra, não só mais um round da nossa rivalidade eterna.
Saí do banho com a pele vermelha, envolta em vapor. O espelho embaçado não refletia meu rosto direito, e eu agradeci por isso. Não queria ver a expressão que estava lá.
Vesti meu pijama preto de seda – aquele que minha irmã dizia que me fazia parecer uma viúva em luto. *Adequado.*
Foi então que um som suave quebrou o silêncio.
*Miau.*
Ele estava encaracolado no pé da minha cama, seus olhos amarelos brilhando como duas moedas de ouro no escuro.
— *Oi, seu demônio,* — murmurei, sentando na cama e estendendo a mão.
Lúcifer (sim, eu dei esse nome, e sim, ele merece) esfregou a cabeça na minha palma, ronronando como um motorzinho.
— *Hoje foi uma merda,* — confessei, arranhando atrás da orelha dele. *O pior dia da minha vida. E olha que já teve dias bem ruins.*
Ele olhou pra mim como se entendesse cada palavra.
— *Eu não vou fazer isso,* — continuei, falando mais para mim mesma do que para ele. *Não vou me casar com aquele idiota. Não vou virar propriedade da família Orsini. Eu prefiro morrer.*
Lúcifer mordiscou meu dedo, suave, um aviso.
— *Tá bom, não vou morrer,* — corrigi, rolando os olhos. *Mas você me entende, né?*
Ele deitou no meu colo, expondo a barriga como um traidor fofo. Eu afundei os dedos naquela pelagem preta e macia, sentindo os ronronos aumentarem.
— *Você é o único homem que não me enche o saco,* — resmunguei.
### **O Plano (Ou Falta Dele)**
Enquanto acariciava Lúcifer, minha mente girava.
Fugir? Impossível. Meu pai tinha olhos em todo lugar.
Matar Vinni? *Tentador*, mas ia causar uma guerra entre as famílias.
Fazer ele desistir? *Hah.* Como se aquele cabeça-dura fosse recuar.
— *Tô ferrada, Lúcifer,* — suspirei.
Ele ronronou mais alto, como se discordasse.
— *Você tem uma ideia melhor?*
Ele só bocejou, esticando as patinhas.
*Útil.*
Deitei na cama, com Lúcifer enrolado no meu peito, e olhei para o teto.
O ódio por Vinni ainda queimava, mas agora, no silêncio da noite, outros sentimentos começavam a aparecer.
*Medo.*
*Frustração.*
E, o pior de todos...
*Curiosidade.*
Por que nossos pais estavam tão determinados nisso? O que eles realmente ganhavam com esse casamento?
E por que, no fundo, parte de mim ainda se lembrava do garoto que, antes de virar meu inimigo, tinha me ajudado a subir numa árvore quando eu tinha cinco anos?
— *Merda,* — murmurei, cobrindo o rosto com as mãos.
Lúcifer ronronou, como se dissesse: *"Você tá fodida."*
E ele estava certo.
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