Capítulo 5 – Raízes e Rachaduras

Leonardo voltou para casa naquela noite sentindo que algo havia se deslocado dentro dele. Não era apenas Clara que o intrigava — era o reflexo que ela despertava, como um espelho que, pela primeira vez, mostrava partes dele mesmo que nunca havia notado.

Dona Amélia o observou com o olhar atento de quem vê além do óbvio.

— A livraria, hoje? — perguntou, com um leve sorriso nos lábios.

— Como você sabe?

— Seu pai também tinha esse olhar, quando conheceu sua mãe. Paz misturada com tormenta. Amor tem dessas coisas.

Leonardo não respondeu. Apenas sorriu e subiu para o quarto. Era estranho pensar no pai e em amor na mesma frase. Desde a morte de sua mãe, quando ele ainda era criança, Roberto Assis havia se tornado um homem ainda mais duro. O império das joias cresceu junto com a rigidez do patriarca, e Leonardo aprendeu que sentimentos eram fraquezas que não cabiam em reuniões ou balanços financeiros.

Na manhã seguinte, sua tranquilidade foi interrompida por uma ligação inesperada.

— Leonardo? — era a voz grave de Roberto.

— Pai?

— Soube que ainda está naquele vilarejo. Passando mais tempo do que devia.

Leonardo suspirou.

— A vovó pediu que eu ficasse um pouco mais. Ela precisa de companhia.

— Sua avó está bem assistida. Você sabe disso. Preciso que volte para São Paulo. Temos reuniões com investidores asiáticos. E quero você na presidência até o final do trimestre.

Era como se as palavras não tivessem intervalo. Tudo no pai era urgente, direto, seco.

— Ainda é cedo, pai. Estou... repensando algumas coisas.

Silêncio do outro lado da linha. Depois, uma risada seca.

— Repensando? Você está numa cidade esquecida, cercado de gente que não entende o que é ter poder. Isso não é repensar, é perder tempo.

Leonardo mordeu os lábios. Sentia o sangue ferver.

— Talvez seja isso que eu precise: perder tempo. Ou melhor, viver de verdade.

— Não seja tolo — o tom agora era de ameaça. — A empresa é sua herança. Tudo que você sempre teve está ligado ao nosso nome. À nossa marca. E você vai jogar isso fora por quê? Por uma professora?

O silêncio de Leonardo foi a resposta.

— Escute bem, meu filho — disse o pai, com a voz mais baixa, porém mais firme. — Ou você volta para seu lugar de direito, ou deixará de ter qualquer parte no legado da família.

A ligação caiu logo em seguida. Mas as palavras ecoaram por muito tempo.

Leonardo passou o restante do dia evitando pensar. Caminhou pelo campo, visitou a feirinha local, comprou um pote de geleia caseira e tentou sorrir para os moradores que o cumprimentavam com simpatia.

Mas a cabeça não conseguia escapar da pressão familiar. A ameaça do pai pesava. Ele sabia que Roberto Assis era do tipo que cumpria o que dizia. Se não voltasse, perderia tudo: os cargos, os bens, os investimentos.

Tudo que ele achava que era.

Ao entardecer, encontrou Clara na pracinha. Estava sentada sozinha, com uma aquarela no colo. Pintava uma árvore de raízes bem grandes e galhos tortos, mas que se erguia com força no papel.

— Está linda — ele disse, sentando ao lado.

Ela sorriu.

— Árvores me fascinam. Ficam no mesmo lugar, mas continuam crescendo.

Leonardo respirou fundo.

— Recebi uma ligação do meu pai.

Ela apenas assentiu, como quem sabia que isso viria.

— Ele me deu um ultimato. Ou volto pra empresa e deixo tudo isso... inclusive você, ou... perco tudo.

Clara não desviou o olhar da pintura.

— E o que você vai fazer?

Ele demorou a responder. Era como se todas as certezas da vida estivessem se esfarelando.

— Não sei. Parte de mim quer voltar, assumir a presidência, manter a segurança. Mas tem outra parte... que sente que nunca viveu de verdade.

Clara então o olhou nos olhos.

— Às vezes, é preciso perder para se encontrar.

— Mas... e se eu estiver errado? E se eu me arrepender?

— Arrependimentos fazem parte. O que não dá é viver com medo deles.

Leonardo olhou o céu, tingido de laranja e púrpura. O pôr do sol naquela cidade parecia diferente. Mais sincero, talvez.

— Estou com medo, Clara.

Ela tocou sua mão, com delicadeza.

— Então você está no caminho certo. Coragem não é ausência de medo. É seguir, apesar dele.

Ficaram ali em silêncio por alguns minutos, sentindo o vento suave e o cheiro das árvores.

Leonardo sentia que uma rachadura havia se formado entre o homem que ele era e o homem que poderia ser. E agora, só restava decidir de qual lado ficaria.

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