Capítulo 2 – O Último Pedido de Dona Amélia

A cidadezinha parecia ter parado no tempo. Ruas de paralelepípedo, fachadas antigas, varandas com vasos de flores e vizinhos que se cumprimentavam com sorrisos genuínos. Era o oposto de tudo que Leonardo conhecia — e, para ser honesto, aquilo o incomodava mais do que ele gostaria de admitir.

O carro preto que o buscou no pequeno aeroporto cruzou as ruas estreitas até uma casa modesta, com janelas azuis e um jardim repleto de margaridas. Lá estava ela, sentada em uma cadeira de balanço, tão frágil quanto as pétalas que rodeavam sua varanda.

— Léo… meu menino bonito — disse Dona Amélia, sorrindo apesar do rosto marcado pelo tempo.

Leonardo não soube o que responder. Estava ali, de pé, com um terno caro em um lugar onde ninguém se importava com marcas ou etiquetas. Caminhou até ela, abaixando-se com cuidado para beijar sua mão fina e delicada.

— Vó… você está... — tentou dizer algo, mas a emoção apertou-lhe a garganta.

— Estou viva. E isso basta por hoje — ela respondeu, com aquele jeito prático e direto que sempre teve. — Entra, vamos conversar.

A casa cheirava a lavanda e bolo de fubá. As paredes exibiam fotografias antigas, bordados pendurados e livros gastos pelo tempo. Leonardo sentou-se no sofá simples, enquanto sua avó se acomodava em uma poltrona coberta por uma manta colorida.

— Por que me chamou? — ele perguntou, sem rodeios.

— Porque sei que você está perdido. — A resposta veio como uma flecha certeira. — E sei também que ninguém mais vai te dizer isso.

Leonardo desviou o olhar, incomodado. Como ela podia saber?

— Você tem tudo, Léo. Mas não tem nada. Sabe do que estou falando, não sabe?

Ele não respondeu. Apenas abaixou a cabeça, como se quisesse fugir da verdade.

— Por isso pedi para você vir — continuou ela. — Não para cuidar de mim. Eu já vivi bastante. Mas para cuidar de si mesmo.

— Como assim?

— Quero que fique aqui por um tempo. Uma semana. Duas, talvez. Sem celular, sem negócios, sem terno. Só você. E a vida.

Leonardo riu, nervoso.

— Você quer que eu... tire férias? Aqui?

— Não são férias, meu filho. É uma chance. De você se lembrar de quem é, sem os rótulos. Sem o sobrenome. Sem os números.

— E o que espera que eu faça?

— Caminhe. Observe. Converse com as pessoas. Vá até a pracinha, sente num banco e ouça. Deixe o mundo te alcançar de verdade.

Ele se encostou no sofá, confuso. Aquilo era insano. E, ao mesmo tempo, fazia algum sentido estranho que ele não conseguia explicar.

— Você sabe que meu pai vai enlouquecer se eu sumir — disse ele, mais para si mesmo do que para ela.

— Seu pai já enlouqueceu faz tempo. De tanto medo de sentir — ela disse, com tristeza. — Eu criei dois homens fortes, mas só um deles ainda pode escolher ser livre. E esse homem está aqui, na minha frente.

Silêncio.

Leonardo olhou ao redor da sala. Aquela casa parecia tão simples, mas havia nela uma paz que fazia falta em todos os lugares luxuosos por onde ele passara. Um lar de verdade. Não um cenário montado.

— Está bem — disse enfim. — Eu fico. Mas só por alguns dias.

Dona Amélia sorriu, satisfeita.

— É tudo o que eu preciso. E tudo o que você também precisa. Só não sabe ainda.

Naquela noite, Leonardo deitou-se em um quarto pequeno, com um colchão que rangia a cada movimento. Sem televisão, sem notificações no celular — que agora estava desligado, a pedido da avó — e sem o ruído constante da cidade grande.

Pela primeira vez em muitos anos, ouviu o som dos grilos do lado de fora. Sentiu o vento atravessar a janela semiaberta. E ficou ali, de olhos abertos, tentando entender o que estava fazendo naquele lugar. A única certeza que tinha era a de que, de alguma forma, aquela decisão tinha mexido com ele mais do que qualquer fusão bilionária que já assinara.

Talvez, só talvez... algo estivesse prestes a mudar.

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