O sol da manhã entrava pela janela do quarto como um convite silencioso para sair. Leonardo acordou cedo, o corpo um pouco dolorido pela cama simples, mas a mente mais leve do que esperava. Havia algo reconfortante naquela rotina desacelerada, ainda que estranha para alguém acostumado ao luxo e à correria.
Depois de tomar um café com pão caseiro preparado por Dona Amélia, ele saiu para caminhar. A cidade parecia pequena demais, mas cheia de vida. Crianças brincando nas calçadas, senhores conversando em bancos de praça, e um silêncio diferente — não o silêncio do isolamento, mas da presença.
Foi quando seus passos o levaram até uma pracinha rodeada por árvores antigas. No centro, havia um coreto branco, e logo à frente, um muro largo que servia como tela para algo inesperado: um mural sendo pintado com cores vibrantes.
Curioso, Leonardo se aproximou. Viu várias crianças ao redor de uma jovem que, pincel na mão, orientava os pequenos com paciência e sorrisos. Os cabelos castanhos estavam presos de maneira desajeitada, e um pouco de tinta coloria sua bochecha. Ela ria com facilidade, envolvida completamente naquele momento.
Ele parou, observando à distância. Algo naquela cena o prendeu — talvez a leveza, talvez a forma como ela parecia pertencer ao lugar, como se fosse parte da paisagem. Seus olhos não conseguiam desviar dela.
— Quer pintar também? — disse uma voz infantil, puxando-o de seus pensamentos.
Leonardo olhou para baixo e viu uma menininha de tranças, com um pincel estendido em sua direção.
— Acho que não sou muito bom nisso — respondeu ele, surpreso com a abordagem.
— Ninguém é bom até tentar — disse a menina, com a sabedoria inocente de quem ainda não aprendeu a duvidar de si mesma.
Antes que pudesse responder, a jovem do mural se virou, notando a interação.
— Ei, você é novo por aqui — disse ela, caminhando até ele com passos firmes. — Nunca te vi nessa praça.
— É porque eu nunca estive nela — respondeu Leonardo, sem jeito.
— Então seja bem-vindo. — Ela estendeu a mão, sorrindo. — Clara.
— Leonardo.
Os dedos dela estavam sujos de tinta, e mesmo assim ele apertou sua mão, como se aquele toque simples tivesse um peso inesperado.
— Está de passagem? — ela perguntou, voltando o olhar para as crianças.
— Mais ou menos. Vim visitar minha avó.
— Dona Amélia?
Ele assentiu, surpreso por ela saber.
— Todos conhecem todos por aqui — disse Clara, com um sorriso leve. — E sua avó é uma lenda.
Leonardo soltou uma risada. Fazia tempo que não ria com tanta naturalidade.
— Está pintando esse mural com as crianças?
— Projeto voluntário. Toda semana fazemos uma atividade diferente com os pequenos do bairro. Eles ajudam, criam, sujam tudo… e no final, aprendem algo — disse ela, orgulhosa. — E eu também.
— Você é professora?
— De arte. Mas meu salário vem da livraria da esquina. Dar aulas aqui é por amor. E por teimosia — completou, com humor.
Leonardo ficou em silêncio por um instante, tentando processar aquilo. Ele não sabia que tipo de gente fazia esse tipo de coisa. Estava acostumado a pessoas que cobravam até pelo tempo. Clara era diferente. Muito diferente.
— Vai ficar olhando ou vai ajudar? — ela perguntou, entregando-lhe um pincel grosso. — Tem uma parede aqui esperando por cor.
— Já disse que não sou bom nisso.
— E eu já disse que ninguém é até tentar.
Ele pegou o pincel, hesitante. Aproximou-se da parede e, com um traço tímido, passou um pouco de azul ao lado de um desenho de nuvem. As crianças riram, incentivando-o.
— Está vendo? Já começou — disse Clara.
Leonardo não percebeu o tempo passar. Quando deu por si, o sol já estava mais alto, e seu pincel estava manchado de várias cores. Conversou com Clara sobre tintas, arte, livros e, surpreendentemente, sobre silêncio. Ela falava com paixão até mesmo sobre o som das folhas quando o vento soprava.
— Você parece ver beleza em tudo — comentou ele, intrigado.
— É que a vida já me mostrou o suficiente de feiura. A gente escolhe onde mirar os olhos — respondeu ela, com sinceridade.
Leonardo ficou com aquela frase na cabeça durante o resto do dia. Nunca tinha ouvido algo tão simples soar tão verdadeiro. Pela primeira vez, ele sentia que havia mais naquele lugar do que só calmaria rural. Havia algo que o fazia querer voltar no dia seguinte.
E, mesmo sem perceber, foi exatamente isso que ele fez.
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Atualizado até capítulo 30
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