No dia seguinte, Leonardo acordou com uma sensação estranha de expectativa. Depois de anos despertando com a agenda lotada de compromissos e reuniões, pela primeira vez, não tinha nada marcado — e mesmo assim, sentia que algo importante o esperava.
Depois de um rápido café com Dona Amélia, que apenas sorriu ao vê-lo sair mais cedo do que o normal, ele voltou à pracinha. O mural seguia em construção, mas Clara não estava lá. As crianças brincavam, riam, pintavam, mas o coração dele procurava por outra presença.
— Ela só vem à tarde hoje — disse uma das meninas, enquanto limpava os dedos sujos na blusa.
Leonardo agradeceu com um aceno e passou a andar pela cidade, ainda digerindo o vazio curioso que sentiu com a ausência dela. Por que estava tão interessado em alguém que conhecera apenas ontem? Tentou convencer a si mesmo de que era apenas curiosidade. Mas, no fundo, sabia que havia algo mais.
Já era fim da manhã quando passou em frente à pequena livraria da esquina. A vitrine exibia livros de capa gasta, marcadores feitos à mão e um cartaz simples escrito com caneta colorida:
"Histórias mudam vidas. Entre e descubra a sua."
Ele sorriu com a frase e entrou.
Um sininho tocou na porta, e logo Clara apareceu de trás de uma estante, empilhando alguns livros nos braços.
— Leonardo — disse ela, surpresa. — O que faz aqui?
— Procurando uma história para mudar minha vida — respondeu ele, apontando para o cartaz.
Clara riu.
— Então veio ao lugar certo. Sente-se. Vou pegar um café.
A livraria tinha um pequeno espaço com mesinhas e cadeiras de madeira, além de uma prateleira dedicada apenas a livros doados. Leonardo se acomodou ali, sentindo o cheiro misturado de papel velho e café fresco.
Clara voltou com duas xícaras.
— É coado no pano. Nada de cápsula ou café gourmet.
— Perfeito — ele disse, aceitando a bebida.
Por alguns minutos, apenas beberam em silêncio. E foi um silêncio confortável. Depois, ela quebrou o momento:
— Você parece diferente hoje. Mais leve.
— Estou tentando entender o que significa leveza, na verdade — respondeu ele, olhando para a xícara. — Sempre pensei que a liberdade estava no poder de escolher tudo: a melhor roupa, o melhor vinho, o melhor lugar. Más... talvez eu nunca tenha feito escolhas reais.
Clara o observou por um instante.
— Escolhas reais não estão nos rótulos. Estão nos sentimentos. Nas renúncias.
— Renunciar é escolher?
— Claro que sim. Às vezes, abrir mão é o ato mais corajoso que existe.
Leonardo ficou em silêncio. Aquela frase mexeu com ele.
— E você? Sempre quis viver assim? Simples, tranquila...
— Não foi uma escolha fácil. Eu também sonhei alto um dia. Quis viajar, morar fora, ter meu nome em exposições. Mas a vida... ela me ensinou que o mais valioso não é o que você conquista, mas o que você compartilha.
— E você compartilha muito — disse ele, olhando ao redor. — Ensina, pinta, ouve...
— Tento, pelo menos. Acho que, no fundo, é isso que todos queremos: que nossa presença signifique algo. Nem que seja para uma criança.
Leonardo apoiou os cotovelos na mesa, sentindo-se tocado por aquelas palavras. O que sua presença significava? No mundo dos negócios, seu nome era temido. Era respeitado por sua frieza, por sua habilidade em cortar custos, fechar acordos, multiplicar lucros. Mas... e fora disso? Quem era ele?
— Você nunca se sentiu... sozinho? — perguntou, em voz baixa.
Clara o encarou, com suavidade.
— Muitas vezes. Mas aprendi a não temer a solidão. Às vezes, ela é a pausa que a alma precisa para se reorganizar.
Ele assentiu.
— Acho que estou nessa pausa agora.
— Então aproveite. Nem todos têm coragem de parar.
O tempo passou sem que percebessem. A conversa seguiu entre livros, histórias, lembranças de infância e até pequenas confissões. Leonardo falou de sua avó, dos jantares silenciosos com o pai, do medo constante de falhar num mundo que não perdoava fraquezas.
Clara falou de sua mãe, que a criara sozinha, das cartas que escrevia para si mesma quando sentia falta de alguém para conversar, e de como a arte a ajudava a respirar quando o mundo parecia pesado demais.
— Sabe — disse ela, em determinado momento —, tem pessoas que entram na nossa vida como um sopro. Outras, como uma ventania.
— E eu? — ele arriscou. — O que pareço até agora?
Clara sorriu, olhando diretamente em seus olhos.
— Você parece uma brisa tentando virar vento.
Leonardo riu, pela primeira vez com o peito aberto.
Naquela tarde, quando deixou a livraria, o mundo parecia mais bonito. As ruas pareciam mais coloridas. E ele… ele parecia menos perdido.
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Atualizado até capítulo 30
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