Capítulo 4 – O Café e a Conversa

No dia seguinte, Leonardo acordou com uma sensação estranha de expectativa. Depois de anos despertando com a agenda lotada de compromissos e reuniões, pela primeira vez, não tinha nada marcado — e mesmo assim, sentia que algo importante o esperava.

Depois de um rápido café com Dona Amélia, que apenas sorriu ao vê-lo sair mais cedo do que o normal, ele voltou à pracinha. O mural seguia em construção, mas Clara não estava lá. As crianças brincavam, riam, pintavam, mas o coração dele procurava por outra presença.

— Ela só vem à tarde hoje — disse uma das meninas, enquanto limpava os dedos sujos na blusa.

Leonardo agradeceu com um aceno e passou a andar pela cidade, ainda digerindo o vazio curioso que sentiu com a ausência dela. Por que estava tão interessado em alguém que conhecera apenas ontem? Tentou convencer a si mesmo de que era apenas curiosidade. Mas, no fundo, sabia que havia algo mais.

Já era fim da manhã quando passou em frente à pequena livraria da esquina. A vitrine exibia livros de capa gasta, marcadores feitos à mão e um cartaz simples escrito com caneta colorida:

"Histórias mudam vidas. Entre e descubra a sua."

Ele sorriu com a frase e entrou.

Um sininho tocou na porta, e logo Clara apareceu de trás de uma estante, empilhando alguns livros nos braços.

— Leonardo — disse ela, surpresa. — O que faz aqui?

— Procurando uma história para mudar minha vida — respondeu ele, apontando para o cartaz.

Clara riu.

— Então veio ao lugar certo. Sente-se. Vou pegar um café.

A livraria tinha um pequeno espaço com mesinhas e cadeiras de madeira, além de uma prateleira dedicada apenas a livros doados. Leonardo se acomodou ali, sentindo o cheiro misturado de papel velho e café fresco.

Clara voltou com duas xícaras.

— É coado no pano. Nada de cápsula ou café gourmet.

— Perfeito — ele disse, aceitando a bebida.

Por alguns minutos, apenas beberam em silêncio. E foi um silêncio confortável. Depois, ela quebrou o momento:

— Você parece diferente hoje. Mais leve.

— Estou tentando entender o que significa leveza, na verdade — respondeu ele, olhando para a xícara. — Sempre pensei que a liberdade estava no poder de escolher tudo: a melhor roupa, o melhor vinho, o melhor lugar. Más... talvez eu nunca tenha feito escolhas reais.

Clara o observou por um instante.

— Escolhas reais não estão nos rótulos. Estão nos sentimentos. Nas renúncias.

— Renunciar é escolher?

— Claro que sim. Às vezes, abrir mão é o ato mais corajoso que existe.

Leonardo ficou em silêncio. Aquela frase mexeu com ele.

— E você? Sempre quis viver assim? Simples, tranquila...

— Não foi uma escolha fácil. Eu também sonhei alto um dia. Quis viajar, morar fora, ter meu nome em exposições. Mas a vida... ela me ensinou que o mais valioso não é o que você conquista, mas o que você compartilha.

— E você compartilha muito — disse ele, olhando ao redor. — Ensina, pinta, ouve...

— Tento, pelo menos. Acho que, no fundo, é isso que todos queremos: que nossa presença signifique algo. Nem que seja para uma criança.

Leonardo apoiou os cotovelos na mesa, sentindo-se tocado por aquelas palavras. O que sua presença significava? No mundo dos negócios, seu nome era temido. Era respeitado por sua frieza, por sua habilidade em cortar custos, fechar acordos, multiplicar lucros. Mas... e fora disso? Quem era ele?

— Você nunca se sentiu... sozinho? — perguntou, em voz baixa.

Clara o encarou, com suavidade.

— Muitas vezes. Mas aprendi a não temer a solidão. Às vezes, ela é a pausa que a alma precisa para se reorganizar.

Ele assentiu.

— Acho que estou nessa pausa agora.

— Então aproveite. Nem todos têm coragem de parar.

O tempo passou sem que percebessem. A conversa seguiu entre livros, histórias, lembranças de infância e até pequenas confissões. Leonardo falou de sua avó, dos jantares silenciosos com o pai, do medo constante de falhar num mundo que não perdoava fraquezas.

Clara falou de sua mãe, que a criara sozinha, das cartas que escrevia para si mesma quando sentia falta de alguém para conversar, e de como a arte a ajudava a respirar quando o mundo parecia pesado demais.

— Sabe — disse ela, em determinado momento —, tem pessoas que entram na nossa vida como um sopro. Outras, como uma ventania.

— E eu? — ele arriscou. — O que pareço até agora?

Clara sorriu, olhando diretamente em seus olhos.

— Você parece uma brisa tentando virar vento.

Leonardo riu, pela primeira vez com o peito aberto.

Naquela tarde, quando deixou a livraria, o mundo parecia mais bonito. As ruas pareciam mais coloridas. E ele… ele parecia menos perdido.

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