Escolhas podres

No outro dia O céu cuspia uma garoa fina, fria e persistente, como se Valmont quisesse lavar a sujeira das ruas — mas já fazia tempo que essa cidade tinha desistido de ficar limpa.
Cael estava parado numa esquina perto do setor central, capuz cobrindo o rosto, mãos nos bolsos, olhar vazio.
Esperava.
Não um milagre, não um golpe de sorte. Só... algo. Alguém. Qualquer merda que rendesse uns trocados.
Já tinha vasculhado lixeiras, pedido restos num restaurante e até considerado roubar uma senhora de bengala — mas até isso tinha ido embora antes dele conseguir decidir.
A fome era uma lâmina pressionando a barriga por dentro.
Emprsario
Emprsario
— Ei, garoto.
Uma voz grave. Um carro caro. Vidro abaixado.
Cael virou o rosto devagar. Um homem bem vestido, gravata frouxa, cara de empresário cansado.
Emprsario
Emprsario
— Tá vendendo alguma coisa?
Cael sorriu, cínico, olhos cansados. Sabia o tipo. Já tinha visto outros.
Cael
Cael
— Depende. O que você quer comprar?
O homem hesitou um pouco, olhou em volta.
Emprsario
Emprsario
— Entra.
Cael pensou por dois segundos. Mais tempo do que deveria. Entrou.
Depois de uns minutos... O quarto de motel era uma mistura de perfume barato e colônia cara. Ele ficou calado durante o caminho inteiro, e calado quando tirou a roupa. Não era a primeira vez, mas ainda doía. Só que doía menos do que a fome.
Duas horas depois, Cael estava no banheiro lavando o rosto. A água era morna, mas o rosto continuava gelado.
Se olhou no espelho rachado.
Cael
Cael
— Você é um lixo, Cael. — Disse baixo. Mas com raiva. De si mesmo. Do mundo. De tudo.
Vestiu as roupas, pegou o dinheiro jogado na cama e saiu sem dizer mais nada. O homem estava dormindo, ou fingindo que estava.
Com os bolsos cheios e o estômago em chamas, ele entrou na primeira mercearia aberta e comprou pão, macarrão instantâneo, refrigerante barato e até um chocolate — luxo de rei naquela noite.
Comeu sentado na calçada, como um cão vadio, mas com um leve sorriso no rosto.
Era horrível. Mas estava vivo.
Enquanto mastigava os últimos pedaços, três caras se aproximaram. Um deles era Tenente, um delinquente conhecido por se meter em tudo que era treta.
Tenente
Tenente
— E aí, Cael... Tá bem alimentado hoje, hein?
Cael olhou pra eles com tédio.
Cael
Cael
— Se for assalto, já aviso que gastei metade com miojo.
Os caras riram.
Tenente
Tenente
— Relaxa, não é isso. É um convite. Trabalho sério. Roubo pesado. Mansão de um figurão, dizem que o cara tem obras de arte, cofre, tudo.
Cael arqueou a sobrancelha.
Cael
Cael
— E por que vocês tão me chamando?
Tenente
Tenente
— Porque você é ligeiro, sabe entrar e sair sem fazer barulho. E, vamos ser sinceros, tá se vendendo por trocado na rua. Isso aqui vale bem mais.
Cael apertou o maxilar. Sentiu o gosto amargo do que tinha feito. E o vazio que ainda tava lá.
Cael
Cael
— Beleza... Tô dentro.
Eles se entreolharam e sorriram. Como hienas antes do banquete.
Cael não sabia, mas ali, naquela calçada molhada, com migalhas ainda na boca e a alma em frangalhos, ele tinha acabado de cometer o pior erro da vida dele.
FIM DO CAPÍTULO.
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Comments

🍒

🍒

Que sacrifício pra viver.... eu ja teria morrido

2025-04-26

10

Nick-chan

Nick-chan

e ainda tem gente que acredita q existe um "salvador pro mundo"

2025-04-30

6

🍒

🍒

Me encontro lacrimejando de tristeza

2025-04-26

7

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