RATOS DE RUA

Cael
Cael
— Filha da puta, rato desgraçado! —
Cael chutou um dos trapos onde dormia, espantando o roedor que havia se acomodado ali durante a noite. Acordar com um rabo pelado na cara não estava no topo da lista de bons começos de dia.
Estava frio, e o vento que entrava pelas frestas das paredes úmidas do porão fazia os ossos doerem. O cheiro de mofo, cigarro velho e esgoto era o mesmo de sempre. Inferno pessoal.
Vestiu a jaqueta rasgada e esfregou os braços finos pra gerar algum calor. Seu estômago roncou como se tivesse engolido um motor velho.
Cael
Cael
— Já ouvi, porra. Não tem nada aí dentro mesmo, aguenta mais um pouco — rosnou pra própria barriga, saindo do esconderijo.
Nas ruas, o caos de Valmont dava as boas-vindas: um bêbado mijando no meio-fio, sirenes ao longe, crianças catando lixo. O sol nem tinha decidido aparecer ainda, mas a merda já estava servida.
— Ei, moleque! — Cael ouviu ao virar a esquina.
O velho Gino, agiota e escroto número um da vizinhança, estava lá com sua cara de limão azedo e uma caixa de papelão.
Gino
Gino
— Tenho trabalho pra você. Não reclama.
Cael
Cael
— Não reclama? Vai tomar no cu, Gino. Sempre é furada quando você diz isso.
Gino
Gino
— Quer comer hoje ou não, seu bosta?
Cael estreitou os olhos e estendeu a mão, pegando a caixa com desdém.
Cael
Cael
— Vai se foder. Mas beleza, vamo nessa.
Gino
Gino
— Leva pro setor 5. E se der um passo fora do caminho... já sabe.
Cael
Cael
— Ah, sim. Vai cortar minha língua, arrancar meus dedos, me jogar no rio... Cê repete isso há dois anos. Se fosse fazer mesmo, já teria feito, velho filho da puta.
Gino soltou um riso rouco.
Gino
Gino
— Você tem sorte que é útil.
Cael
Cael
— Não é sorte, é talento — respondeu Cael com um sorrisinho torto e o dedo do meio levantado enquanto saía andando.
Durante o dia, ele passou por cinco tipos diferentes de inferno: correu da polícia, discutiu com uma mulher que quase o atropelou, e entregou pacotes suspeitos pra gente que ele não queria nem olhar nos olhos.
Na última entrega, o cliente o encarou como se esperasse algo a mais.
Desconhecido
Desconhecido
— Não tá faltando nada? — o homem perguntou, desconfiado.
Cael bufou e estalou a língua.
Cael
Cael
— Faltando só se for vergonha na tua cara. Tá tudo aí. Se quiser contar, conta. Se não confiar, enfia no rabo e vê se vira diamante.
Deixou o cara plantado ali e saiu andando, com o dedo do meio em riste novamente.
No fim da tarde, estava no bar mais imundo do setor sul, limpando chão coberto de vômito e cinzas por dois pães duros e uma lata de feijão que parecia de 1960.
Dono do bar
Dono do bar
— Aqui, teu pagamento — disse o dono, jogando a sacola em cima da mesa com nojo.
Cael
Cael
Cael olhou, revirou os olhos e murmurou: — Se eu comer isso aqui, acho que morro de infecção alimentar antes do próximo nascer do sol.
Dono do bar
Dono do bar
— Pode ir embora então.
Cael
Cael
— Pode enfiar a lata no cu, seu escroto —
Respondeu, pegando a sacola mesmo assim. Fome humilha, mas não mata. Pelo menos, era o que ele repetia todo dia.
Já era noite quando ele passou perto de uma lixeira no beco perto de casa e ouviu um miado baixinho. Parou. Olhou. Revirou o lixo com o pé e viu um gato cinza, magrelo, tremendo.
Cael
Cael
— Porra... mais um fodido nesse mundo.
Ele se abaixou, abriu a sacola e ficou encarando o pão duro por alguns segundos. Xingou mentalmente mais umas vinte vezes, mas rasgou um pedaço e colocou diante do bichano.
Cael
Cael
— Come aí, desgraça. Mas não te apega, hein? Eu sou um merda de primeira, não sirvo nem pra mim, quanto mais pra você.
O gato se aproximou devagar e começou a comer. Cael ficou observando em silêncio. Seus ombros relaxaram por um segundo. Um só.
Cael
Cael
— Vai nessa, sobrevive, sei lá... Eu também tô tentando — sussurrou, dando mais um pedacinho.
Depois levantou, esfregou o nariz sujo com a manga da jaqueta e voltou pro porão. O mundo podia ir à merda. Mas hoje, pelo menos hoje, ele não foi o pior ser vivo naquela rua.
FIM DO CAPÍTULO.
Mais populares

Comments

🍒

🍒

nossa, já to depressiva no início

2025-04-26

7

Quelluz

Quelluz

Aí, ele é tão educadinho

2025-04-27

6

~٭Lino٭~

~٭Lino٭~

pelo menos o rato toma banho (referência a aquele rato tomado banho e cantando:"tchau sujeira, adeus cheirinho de suor")

2025-05-02

3

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!