A chuva caía forte naquela noite. Cada gota parecia pesar mais do que o normal, batendo contra as pedras da velha rua de paralelepípedos com uma força quase sobrenatural. O vento sussurrava entre as árvores, carregando consigo um som que poderia ser confundido com o grito de uma alma perdida. Na escuridão, as sombras se arrastavam, espreitando a cidade que dormia sem saber o que se passava sob o véu da noite.
Em uma esquina esquecida, no fundo de um pequeno orfanato de aparência desgastada pelo tempo, duas pequenas figuras estavam sendo deixadas para trás. Elas mal sabiam o que significava estar ali, ou por que estavam sendo abandonadas à sorte do mundo humano. Aos seus olhos inocentes, a chuva era apenas um frio desconfortável, mas para os poucos que as viam à distância, havia algo muito mais profundo em suas presenças. Algo que fazia o ar ao redor delas pulsar, como se o próprio universo respirasse de maneira diferente.
Valentina, uma criança de aparência etérea, estava em seus braços a pequena Luna. Ambas eram tão diferentes daquelas outras crianças que foram deixadas na porta do orfanato ao longo dos anos. Não havia dor nos olhos de Luna, mas Valentina sentia o peso do mundo. Seus cabelos brancos como a neve brilhavam sob a fraca luz da lua, e seus olhos, de um azul claro como o céu antes do amanhecer, refletiam a tristeza de uma alma que ainda não compreendia seu próprio destino. Ela sabia que algo estava errado, mas o que era esse "erro" ela ainda não conseguia entender.
"Esconda-os bem", disse uma voz baixa e grave, vinda de uma figura encapuzada que se manteve nas sombras.
Valentina não sabia quem era aquele ser, mas sentia uma aura de poder vindo dele. Algo que não se parecia com qualquer humano que ela já havia visto. Seu instinto lhe dizia que ele não era amigo, mas que, ainda assim, era necessário para sua sobrevivência. Ele a observou com um olhar penetrante antes de se mover para a escuridão, desaparecendo tão rapidamente quanto surgira.
“Cuidem delas, por favor”, foi a última coisa que Valentina ouviu antes de ser deixada sozinha na chuva com a pequena Luna. A porta do orfanato se fechou com um estrondo, abafando os sons da noite. O feitiço que selaria seu destino começava ali.
A sensação de perda era palpável. Valentina tinha a sensação de que aquela noite seria lembrada por toda a sua vida, e que não importaria quantas vezes ela tentasse esquecer, a escuridão que a envolvia sempre voltaria, mais forte a cada passo. Ela estava marcada. As asas, uma branca e uma negra, haviam sido escondidas por uma magia antiga e poderosa. Seu destino estava selado, mas o mistério por trás disso ainda se escondia nas sombras.
Luna, em seu pequeno corpo, ainda não sabia o que a aguardava. Ela estava agarrada a Valentina com força, os olhos arregalados de medo, e seus dedos trêmulos apertavam a mão da amiga. Valentina sorriu para ela, tentando acalmá-la, mesmo quando seu próprio coração estava acelerado e cheio de perguntas sem respostas.
Por um breve momento, ela sentiu algo que nem mesmo o peso do abandono poderia apagar: uma conexão. Uma força invisível ligava as duas, algo muito mais forte do que a amizade comum. Talvez fosse a magia, ou talvez algo ainda mais profundo, mas Valentina sabia que, de algum modo, Luna e ela compartilhavam o mesmo destino, um destino marcado pelas trevas e pela luz.
Ela olhou para o orfanato à sua frente, um lugar de aparência decadente e cheia de segredos. A velha construção parecia tão solitária quanto ela se sentia naquele momento. A porta estava trancada, mas no fundo, ela sabia que o futuro delas não estava ali. O mundo as chamava, e elas teriam que descobrir o que estavam destinadas a ser.
Valentina deu um último olhar ao redor, sentindo uma presença estranha. Ela não sabia se era apenas a tensão do momento, ou se algo estava, de fato, a observando. Mas sabia que, com cada respiração que dava, algo dentro dela estava despertando, algo que até então permanecia adormecido.
"Vamos, Luna", ela disse, com a voz baixa e firme, embora seu coração batesse descompassado. "Este é o nosso começo."
As duas meninas se afastaram, desaparecendo na escuridão da noite. O que quer que as aguardasse, estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 40
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