MESMO QUANDO DÓI

Saí de mais uma consulta com a psicóloga, falando — mais uma vez — sobre o controle que Vitória tem sobre mim. Contei sobre a última briga, quando falei que sairia sozinha com uma amiga, mas desisti por causa da confusão que ela fez. Antes de encerrar a sessão, minha psicóloga me olhou nos olhos e perguntou, com firmeza e doçura:

— Até quando você vai deixar ela ter esse poder sobre você?

Eu não respondi. Ela também não insistiu. Mas a pergunta ficou ressoando dentro de mim como um eco que não se cala.

Fui direto para o trabalho, tentando ocupar a mente. Já perto do fim do expediente, Luana se aproximou, animada:

— Ei, vamos sair hoje pra um barzinho?

— Eu... não sei. Será que posso ir?

Baixei a cabeça, envergonhada por pensar que Vitória ficaria com raiva se eu dissesse sim.

— A sua dona não deixa você sair, né? — Luana falou, zombando.

Mas não me ofendi. Ela estava certa.

Não respondi. Apenas sorri, envergonhada. Ela completou:

— Se mudar de ideia, vamos estar no Rock Bar, tá?

Sorri de volta e voltei ao trabalho. Quando o expediente acabou, vi todos saindo animados da cafeteria, rindo, fazendo planos. Me despedi deles e fui sozinha até a parada de ônibus. Sentei no banco frio e fiquei pensando na sessão, na pergunta da psicóloga, nas palavras da Luana... E percebi, com uma pontada no peito, o quanto eu permito que Vitória controle a minha vida.

Meu celular vibrou. Eram mensagens dela, querendo saber onde eu estava. Ignorei. Joguei o aparelho dentro da bolsa. Ele voltou a vibrar. Agora ela estava ligando. Não atendi.

Um impulso tomou conta de mim. Levantei, chamei um táxi. No caminho, digitei uma mensagem rápida:

"Estou indo me divertir com meus amigos. Até mais tarde em casa."

Logo em seguida, ela me ligou de novo. Desliguei o celular. Respirei fundo e encarei meu reflexo na janela do carro. Pela primeira vez em muito tempo, senti que estava tomando uma decisão por mim.

O motorista avisou que havíamos chegado. A insegurança me pegou de surpresa. Por um instante, pensei em pedir que ele desse meia-volta. Mas antes que eu decidisse, ouvi uma voz me chamando:

— Grazi, você veio!

Era Luana. Ela já me tinha visto. Correu até mim e me abraçou. E foi nesse abraço que percebi: não dava mais para voltar atrás. Eu já estava ali. E, de algum jeito, era exatamente onde eu precisava estar.

Luana me guiou até a mesa onde o grupo estava reunido. Olhei ao redor, tentando reconhecer os rostos, e foi quando a vi: Lúcia. Estava sentada com outras mulheres que eu não conhecia, conversando com calma, o olhar atento. A mesa era grande, animada. Cumprimentei todos com um aceno discreto e me sentei ao lado de Luana — o que logo percebi ser uma péssima ideia, já que fiquei de frente para Lúcia.

Ela me olhava. O tempo inteiro. E eu... eu não conseguia disfarçar que também a observava. Tinha algo nela que me puxava o olhar, como um ímã sutil. Entre bebidas, risadas e conversas animadas, avisei Luana que ia ao banheiro e saí da mesa sozinha, tentando recuperar o fôlego daquele olhar.

Chegando ao banheiro, me deparei com uma fila enorme. Encostei o corpo na parede e fiquei ali, distraída, observando o movimento agitado do bar. Foi quando ouvi uma voz familiar atrás de mim:

— Estou surpresa que você veio.

Virei devagar. Era Lúcia. Ela sorria com aquele ar calmo e seguro, como se soubesse exatamente o efeito que causava.

— Por que ficou surpresa? — perguntei, tentando soar indiferente.

— Quando perguntei de você, Luana disse que você tinha uma dona... e que ela não deixava você sair sozinha. Disse que seu caso era complicado demais.

Dei de ombros, sem saber exatamente como responder. Apenas soltei um meio sorriso e falei:

— A Luana exagera nas histórias.

Lúcia riu baixo, se aproximando até quase encostar o rosto no meu. Com a voz suave, quase um sussurro, falou ao meu ouvido:

— O importante... é que você veio.

Senti minha respiração acelerar. O corpo inteiro em alerta. Não consegui dizer nada. Apenas fiquei ali, parada, sentindo a presença dela tão próxima e intensa que parecia atravessar minha pele.

Ela segura minha mão com firmeza e diz, com um sorriso no canto dos lábios:

— Vem, vou te levar no banheiro secreto que tem aqui.

Nem consegui responder. Apenas deixei que me guiasse, como se meu corpo soubesse que queria ir antes mesmo que minha mente aceitasse. Caminhamos por um corredor lateral e, ao chegar ao tal “banheiro secreto”, percebi que de secreto não tinha nada — era apenas o banheiro masculino, vazio, sem fila.

— Não conta pra ninguém, tá? Pode entrar, eu vigio a porta pra você — disse ela, com aquele brilho divertido nos olhos.

Soltei uma gargalhada, sem conseguir evitar, e entrei. Estava apertada demais pra recusar. Quando saí, ela já esperava, encostada casualmente na parede.

— Agora você vigia pra mim.

Balancei a cabeça, rindo, e encostei na porta. Ela não demorou lá dentro, mas o suficiente pra me fazer rir sozinha da situação inusitada. Quando saiu, me olhou curiosa:

— O que foi tão engraçado?

— Ah… nada demais — respondi, tentando conter o riso.

Ela me olhou mais de perto, com aquele olhar atento que parecia ver além.

— Você fuma?

Respondi no impulso, talvez querendo prolongar aquele momento com ela.

— Sim… sim.

Ela então me guiou para a área de fumantes, nos fundos do bar. Era um espaço aberto, mais silencioso, com poucas pessoas. Ficamos ali, lado a lado, encostadas na parede. Ela olhou para o céu um instante, depois voltou os olhos pra mim e disse:

— Eu não fumo… só queria ficar a sós com você.

Soltei uma risada baixa, achando graça da confissão.

— Eu parei de fumar faz um ano. Nem tenho cigarros aqui.

Ela então se virou, ficando de frente pra mim. Se aproximou devagar, seus olhos nos meus, e meu coração começou a bater mais rápido. Senti minha respiração acelerar.

— Eu quero te beijar — disse, num tom firme e doce.

Não consegui responder. As palavras não saíam. E talvez nem precisassem sair, porque os lábios dela já estavam perto demais… perto o suficiente para eu não dizer não.

Nos beijamos. Foi um beijo calmo, demorado na medida certa — sensual e terno ao mesmo tempo, daquele tipo que faz o tempo parar. Eu não queria que parasse. Meu corpo implorava por mais, mas a consciência gritava mais alto. Eu precisava parar. Tenho um relacionamento.

Afastei Lúcia com cuidado, com um peso no peito, e ela me olhou com uma intensidade que eu não soube decifrar.

— Eu não posso, Lúcia… — minha voz saiu baixa, quase um sussurro.

Ela tocou meu rosto com delicadeza, o olhar firme e respeitoso.

— Eu entendo. Só que é difícil quando o seu corpo diz outra coisa.

Voltamos para a mesa em silêncio. Tentei me recompor, torcendo para que ninguém percebesse o tempo que passamos fora, torcendo para que ninguém notasse o turbilhão que me habitava agora. Bebi os drinks de gin mais rápido do que o normal, como se isso pudesse silenciar a confusão dentro de mim.

Quando perguntei a Luana as horas e ela respondeu que já passava das dez da noite, entrei em pânico. Esqueci completamente do tempo — e do que me esperava em casa. Me despedi apressadamente e peguei um táxi.

No caminho, tonta. Talvez pelo álcool. Talvez pelo beijo. Provavelmente pelos dois. Ao descer, respirei fundo, tentando me preparar. A casa estava toda escura. Rezei mentalmente para que Vitória estivesse dormindo. Mas, ao acender as luzes, lá estava ela: sentada, os olhos inchados de tanto chorar.

Ela veio em minha direção, e antes que eu dissesse qualquer coisa, gritou:

— Onde você estava? Com que direito você desliga o celular e me deixa sem saber de nada?

Fui direto para o quarto. Queria tomar um banho antes de lidar com aquela discussão. Mas ela veio atrás, apressada, e puxou meu braço com força, me fazendo parar.

— Grazi, eu tô falando com você!

— Me solta, Vitória, você tá me machucando — pedi, quase chorando.

Ela me soltou com tanta força que perdi o equilíbrio e caí no chão. As lágrimas que segurei a noite toda finalmente vieram — descontroladas, urgentes, doídas. Fiquei ali, no chão, chorando. Ela se abaixou e pediu desculpas, dizendo que nunca mais faria isso. Mas eu sabia. Sabia que faria de novo. Não era a primeira vez.

Não respondi. Me levantei em silêncio e fui tomar banho. No fundo, eu só queria sumir. Enquanto a água caía, ouvia os gritos abafados dela lá fora, dizendo que a culpa era minha. Que ela só se descontrolou porque eu desliguei o celular. Que eu a provoquei.

Quando saí, ela me abraçou e me beijou com força, tirando minha roupa recém-colocada. Eu não queria. Mas deixei. Era como se eu precisasse compensá-la, acalmá-la, como se o sexo fosse a única maneira de evitar mais dor.

O sexo foi forte, urgente, agressivo. Eu sentia mais dor do que prazer. Pensava no beijo de Lúcia, mas me obriguei a focar em Vitória. A deixei chegar ao prazer. Me movia por ela, não por mim. Só queria que acabasse logo.

Depois, me deitei ao lado dela, vazia. Me sentindo suja. Culpada. Como se tivesse cometido um crime. Mas me convenci de que precisava deixá-la feliz — especialmente depois do beijo.

Mesmo que eu não estivesse mais feliz há muito tempo.

Mais populares

Comments

Ana Faneco

Ana Faneco

ele tem que reagir a esse relacionamento tóxico, torcendo por ela 😍❤️❤️❤️❤️ continuaaaaaaaaaaaaa por favor

2025-04-25

2

Maria Andrade

Maria Andrade

Grazi querida sai dessa enquanto é tempo

2025-04-26

1

Barbara Coveteiraples

Barbara Coveteiraples

Lúcia /Drool/
Vitória /Puke/

2025-05-15

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!