ENCONTRO

A semana segue na mesma rotina de sempre: casa, trabalho, trabalho, casa. Mas hoje promete ser diferente — talvez até divertido. Pedi para ir sozinha ao aniversário da Luana. E aviso a Vitória que seria só a família e alguns amigos do trabalho. Como não gosta da Luana, ela disse que não teria problema eu ir sozinha, desde que ela me deixasse lá e depois fosse me buscar. Concordei. Assim economizo no táxi e ainda deixo ela mais tranquila.

Fui trabalhar animada, contando as horas para a festa. A loja estava tão movimentada que nem consegui conversar com a Luana. Saí do trabalho às 15h e fui direto para casa. Me arrumei com calma, ouvindo Evanescence — minha banda preferida. Fiz uma maquiagem em tons de preto e marrom nos olhos, que realçaram meu olhar, e passei um batom pêssego claro para não parecer tão pálida.

Vesti uma calça jeans, uma regata, uma blusa preta aberta por cima e meu coturno da mesma cor. Meu estilo adolescente rebelde ainda vive em mim, mesmo agora, aos trinta anos.

— Amor, estou pronta! — grito do quarto, avisando à Vitória que já pode me levar.

Ela aparece na porta com os braços cruzados, encostada no batente. Vou até ela, a beijo suavemente e a envolvo num abraço apertado.

— Não se preocupa, eu vou te recompensar quando voltar. Não precisa ficar com essa cara de brava.

— Tudo bem... vamos — responde, com um tom contido.

Ela dirige em silêncio, séria. Eu sei que não gostou da ideia de eu sair sozinha, mas aceitou só para me agradar. Quando chegamos ao local, ela estaciona, se inclina e me beija.

— Se cuida. Quando quiser ir embora, me avisa que eu venho correndo te buscar. Eu te amo. Não esquece.

— Eu não esqueço. Eu também te amo. Obrigada por me deixar vir sozinha.

Saio do carro e vou ao encontro da Luana. A abraço e entrego o presente. Ela me conduz até o quintal, onde todos já estão reunidos. Pego uma cerveja e começo a ser apresentada a alguns colegas de trabalho dela. Cumprimento também os amigos que temos em comum.

Logo me vejo conversando com um grupo de amigas da Luana. Uma delas, em especial, chama minha atenção — pelo jeito descontraído, pelo modo leve e divertido de falar. Me pego sorrindo com tudo o que ela diz.

Ela me olha e sorri — um sorriso cheio de intenção, daqueles que parecem atravessar a pele. Tento continuar prestando atenção à conversa, rir nos momentos certos, parecer tranquila. Mas é difícil. Meu olhar insiste em voltar para ela, como se algo em mim estivesse sendo puxado por uma força invisível.

Então Luana aparece, interrompendo o grupo com um pedido animado:

— Lúcia, começa o karaokê pra gente!

Ela ri, beija a testa da Luana com carinho, e caminha até o pequeno palco improvisado montado no canto do quintal. Escolhe Glory Box, do Portishead. Quando a melodia começa, sinto meu coração acelerar. A introdução suave já anuncia o que está por vir — e quando ela começa a cantar, algo muda no ar.

Seus quadris acompanham o ritmo com sensualidade contida, sua voz rouca e firme me arrepia da cabeça aos pés. O corpo dela se move como se cada palavra tivesse peso e intenção. Eu não consigo parar de olhar. É como se tudo ao redor tivesse sumido, e só existíssemos nós duas naquele instante. E então ela me encara, no meio da canção. Um leve sorriso surge no canto de sua boca, como se soubesse exatamente o efeito que está causando em mim.

Quando a música termina, os aplausos são quase abafados pelo som do meu próprio coração. Alguém assume o microfone no lugar dela, mas eu mal percebo. Lúcia vem caminhando em minha direção, devagar, como se o tempo tivesse diminuído o ritmo só para mim. Senta ao meu lado, abre uma cerveja e pergunta, olhando direto nos meus olhos:

— Qual o seu nome?

— Grazi. E o seu?

— Lúcia. Gostou da minha apresentação?

— Gostei. Você leva jeito pra cantar.

Ela sorri, dá um gole da cerveja e me observa como quem analisa um segredo.

— E você? Não vai cantar?

— Não... Não tenho uma voz bonita como a sua.

— Então você acha que minha voz é bonita? — pergunta, com um sorriso provocante nos lábios, inclinando o rosto levemente para mais perto.

— Acho, sim. Muito.

Antes que eu consiga decifrar o que está por trás daquele olhar, Luana me puxa pelo braço, animada:

— Vem, agora é a nossa vez!

— O quê? Não! Eu não vou!

— Vai sim! — ela insiste, rindo, me arrastando até o palco.

Olho para Lúcia, ainda um pouco tonta com a conversa. Sorrio, meio culpada.

— Desculpa, depois a gente se fala.

Ela apenas balança a cabeça, um sim silencioso, com os olhos ainda presos aos meus.

No palco, Luana anuncia que vamos cantar Somos Tão Jovens, do Legião Urbana. Eu reluto, mas acabo cedendo. A música começa, e a gente mais ri do que canta. A letra sai entre risadas descontroladas, nossa performance é horrível — mas por um instante, eu esqueço tudo. Até aquele olhar, lá do fundo, que me esperava voltar.

Desço do palco ainda rindo, o rosto quente, a voz falhando entre os resquícios da música e do nervosismo. A apresentação foi um desastre, mas um daqueles desastres que aquecem o peito. Aproveito a movimentação para me afastar um pouco, seguindo até o banheiro que fica nos fundos, longe da confusão e das vozes misturadas.

Bato na porta, esperando, e ela se abre de repente.

Lúcia.

Nossos olhares se encontram no mesmo instante, como se o acaso tivesse arquitetado aquilo. Ela sorri de leve, ainda com o brilho das luzes coloridas refletido nos olhos.

— Foi divertido assistir vocês cantando — diz, com aquela voz que já me é familiar e estranhamente confortável.

— Nossa, eu estava morrendo de vergonha — respondo, rindo, tentando desviar o olhar e falhando miseravelmente.

— Mas foi isso que tornou tudo engraçado. Principalmente você... rindo mais do que cantava.

Ela se afasta da porta, me dando passagem. Faço que sim com a cabeça e entro. A porta se fecha atrás de mim, mas minha mente continua presa do lado de fora, onde ela está. Não demoro muito — e quando saio, ela ainda está ali, encostada na parede, me esperando com os braços cruzados e um meio sorriso no rosto.

— Estava te esperando — ela diz, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Sinto meu coração disparar de novo. Não sei se é a noite, a cerveja ou só a presença dela que me faz sentir como se algo importante estivesse prestes a acontecer. Como se o ar ao nosso redor estivesse carregado de possibilidades.

— Por quê? — pergunto, mesmo já desconfiando da resposta.

— Porque eu queria continuar nossa conversa. E... — ela faz uma pausa, se aproxima um passo — ...acho que você também quer.

Não respondo. Só fico ali, parada, olhando para ela. E sorrindo, porque sim. Porque quero.

Voltamos para onde todos estavam, mas ficamos um pouco afastadas, em um canto mais silencioso do quintal. A música continua ao fundo, as risadas misturam-se com o som de garrafas sendo abertas e conversas cruzadas, mas eu só consigo prestar atenção nela.

— Você conhece a Luana há muito tempo? — ela pergunta, com aquele sorriso meio cínico, como se soubesse mais do que está dizendo.

— Não, faz uns dois anos. Nos conhecemos no trabalho. E vocês?

— Bastante tempo... talvez uns dez anos, ou mais.

— Hum... bastante tempo — repito, mais para mim do que para ela.

Ela me observa em silêncio por alguns segundos, e então dispara, sem rodeios:

— Você é solteira?

Dessa vez, não há sorriso. Apenas o peso do olhar fixo, direto, que me atravessa.

— Não... Ela não veio pro aniversário da Luana porque... bem, as duas não se dão muito bem.

— Entendi — diz, simplesmente. Em seguida, se levanta devagar, como se algo nela tivesse decidido parar por ali. — Eu gostei de te conhecer.

Ela se inclina levemente, beija meu rosto, e eu quase prendo a respiração. O toque é sutil, mas o perfume que ela deixa no ar e a proximidade da pele me arrepiam dos pés à cabeça. Meu corpo reage antes da minha mente entender.

Lúcia se afasta, sem olhar para trás. Fico ali, sentada, tentando controlar o turbilhão que ela deixou dentro de mim. Pego o celular e mando uma mensagem para a Vitória vir me buscar. Ela não demora.

******

No trabalho, no dia seguinte, me pego cantarolando Glory Box, quase sem perceber. Luana me ouve e comenta, rindo:

— Essa música... não foi a que a Lúcia cantou?

— Sim, essa mesmo.

Ela me lança um olhar cheio de malícia.

— Vocês passaram bastante tempo conversando... e aí?

— Aí... nada. Eu tenho um relacionamento sério.

— Ah tá, então vocês viraram... amigas? — provoca, debochada.

— Não sei se posso chamar de amizade... mas gostei de conversar com ela. É uma mulher interessante.

— Isso ela é — concorda Luana, com um sorrisinho. — Depois vou marcar outro rolê. Convidar vocês duas. Mas dessa vez, sem a sua dona/namorada no rolê.

Dou um sorriso sem graça, sem conseguir responder direito. Volto ao trabalho, que começa a ficar mais agitado com a movimentação dos clientes. Mas a música ainda ecoa na minha cabeça. E a presença de Lúcia, mesmo ausente, parece me acompanhar de perto.

Chego em casa e encontro Vitória deitada na cama, enrolada nos lençóis, com o olhar meio distante. Coloco minha bolsa sobre a escrivaninha e me aproximo para beijá-la, tentando não demonstrar o cansaço que carrego. Jogo o celular displicentemente sobre a cama — e, em um piscar de olhos, ela já o tem nas mãos, deslizando os dedos pela tela com rapidez, vasculhando tudo.

Reviro os olhos em silêncio. Já perdi as forças de discutir sobre isso. Apenas me viro e vou tomar banho, sentindo o incômodo crescer por dentro. Eu odeio quando ela faz isso. Não é só a desconfiança. É o hábito de invadir, de controlar, de procurar uma falha como quem deseja encontrá-la.

— Ontem você chegou do aniversário e nem me contou como foi — ela diz da cama, o tom já preparado para me interrogar.

Respiro fundo. A água ainda está fresca no meu corpo, mas a sensação de paz já escorreu ralo abaixo.

— Foi tranquilo... só a família da Luana e alguns amigos do trabalho. Nada demais. Foi um pouco chato até.

Minto. E sei que ela percebe. Mas é assim que tenho aprendido a sobreviver nesse relacionamento: omitindo, suavizando verdades, fingindo que certas coisas não aconteceram. O peso disso me desgasta, mas às vezes mentir parece mais seguro do que ser honesta com quem não sabe ouvir.

Https://youtu.be/MnMTK8EdsOc?si\=8xByOr-eqY4Nyy0x

( Link do vídeo que inspirou a cena da Lúcia cantando).

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Comments

Barbara Coveteiraples

Barbara Coveteiraples

Essa cena dela cantando fiquei babando 🤤

2025-05-01

0

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