A Escolha de Otávio

Enquanto garçons e garçonetes corriam de mesa em mesa equilibrando bandejas, sorrindo para clientes e tentando manter o ritmo da noite, uma presença firme surgiu no salão.

Otávio, o dono da Cantina Santo Maré, caminhava com passos decididos, sua expressão sempre seria, mas respeitada por todos ali. Usava camisa clara com suspensórios e um olhar atento que não deixava escapar nem os menores deslizes.

Camila, ao vê-lo se aproximar, se endireitou automaticamente.

— Camila, na minha sala. Preciso falar com você — disse ele com firmeza, sem alterar o tom.

Ela assentiu com um leve aceno, colocou a bandeja no balcão com delicadeza e seguiu atrás do patrão até o escritório localizado nos fundos do restaurante. Lorayne, que observava de longe, curvou os lábios num sorriso malicioso.

— Você vai se dar mal, Camila... — sussurrou, sombrio, sobre a ideia de Camila sair de lá, como quem caminha em direção ao próprio abismo.

Mas dentro da sala o clima era outro.

Camila parou na porta.

— Estou aqui, senhor Otávio.

— Senta, por favor.

Ela arrumou a postura, mas o coração disparou. O que será que ela tinha feito de errado?

Otávio passou a mão pelos papéis sobre a mesa antes de falar, direto como sempre:

— Amanhã teremos um convidado muito importante aqui no restaurante. Um nome que dispensa comentários... então a ala reservada, o salão ao fundo, ficará exclusiva para ele e seus acompanhantes. Quero você como responsável por cuidar daquela ala.

Camila piscou, surpresa.

— Eu?

— Sim. Porque você é eficiente. Rápida, atenciosa e confiável. Não quero erros, e você nunca me decepcionou. Vai servir todos lá amanhã.

Ela assentiu rapidamente, tentando conter o nervosismo misturado com um certo orgulho.

— Entendido, senhor Otávio.

— Ótimo. Depois falo com o meu filho Henrique e alinhamos os detalhes. Pode ir.

Camila levantou com um sorriso leve nos lábios. Ser encarregada da ala reservada era uma grande responsabilidade — e também uma honra. Ela agradeceu com um olhar e saiu.

Otávio a observou sair por alguns segundos, pensativo.

Do lado de fora, o clima era animado. A noite estava bela, com o céu limpo sobre a cidade de Nápoles. Mas o ar carregava algo mais... algo prestes a mudar.

Camila voltou ao salão com a postura de sempre. Mas ao passar por Lorayne, sentiu os olhos da prima ardendo de curiosidade.

E ela, com o canto da boca, sorriu.

Ela não ia se dar mal.

Ia brilhar.

Mas ainda não sabia que o homem estava reservado para o dia seguinte...

Era para o grande mafioso Alerrandro Navarro.

A noite seguia com seu manto escuro cobrindo as ruas de Nápoles. Do lado de fora da Cantina Santo Maré, os postes iluminavam discretamente as calçadas molhadas pela brisa do mar. Mas dentro do restaurante, algo denso pairava no ar.

Henrique empurrou a porta do escritório com certa pressa, o cenho franzido.

— Pai, por que o senhor chamou a Camila aqui?

Otávio, sentado em sua mesa, levantou os olhos calmamente para o filho.

— Amanhã meu amigo Alerrandro Navarro vem jantar aqui com convidados. E Camila ficará responsável por atendê-los na ala reservada.

Henrique não conteve a expressão de reprovação.

— Pai... o senhor sabe que esse homem é da máfia. Vai colocar a Camila justamente lá? Com bandidos?

Otávio levantou-se com a calma de quem já esperava aquela reação.

— Olha aqui, Henrique. Eu devo muito ao senhor Alerrandro. Ele salvou sua vida no passado, quando você se meteu naquela encrenca com o pessoal do porto. Se hoje você está aqui, inteiro, é por causa dele.

Henrique travou a mandíbula. Sabia que o pai falava a verdade. Mas mesmo assim...

— Eu sei disso. Mas... é a Camila, pai. A mulher que eu amo. O senhor quer mesmo colocá-la no meio daquilo?

Otávio estreitou os olhos.

— Camila é a funcionária mais eficiente que eu tenho. E eu confio nela. Vai ser respeitada, como sempre. E ponto final.

Henrique cerrou os punhos, mas não respondeu. O clima entre pai e filho ficou pesado.

O silêncio cortante só foi interrompido pelo leve som da chuva que começava a cair lá fora, como se a cidade de Nápoles soubesse o que estava por vir.

Otávio ajeitou o paletó e virou de costas para o filho, olhando pela pequena janela do escritório.

— Você deveria confiar nela tanto quanto eu confio.

Henrique respirou fundo. Sabia que não adiantava discutir mais.

Mas no fundo, algo lhe dizia que aquela decisão mudaria tudo.

Na escuridão da cidade, enquanto trovões ecoavam ao longe, o destino começava a traçar uma linha entre Camila e o mundo de Alerrandro Navarro.

E essa linha...

não teria volta.

O som dos talheres, os pedidos sendo anotados às pressas e o burburinho dos clientes tomavam conta do Cantina Santo Mare. A chuva caía fina do lado de fora, desenhando rastros nos vidros do restaurante. Tudo parecia seguir no seu ritmo, até Lorayne se aproximar com aquele olhar afiado.

— O que o senhor Otávio queria com você, Camila? — perguntou com a voz baixa, mas carregada de curiosidade e veneno.

Camila, que organizava uma bandeja com duas taças e uma sobremesa, nem tirou os olhos do que fazia.

— Lorayne, vamos trabalhar. O restaurante tá cheio. Depois te conto, tá?

— Ah, claro... — resmungou Lorayne, cruzando os braços. — Deve ter sido algo bom, né? Ele nunca me chama pra nada...

Camila a encarou, sem perder a serenidade.

— Tem cliente te chamando na mesa quatro. Anda, vai lá.

Lorayne bufou e saiu praticamente pisando duro. Seu orgulho ferido doía mais do que os pés depois de um longo turno. “Sempre ela, sempre a Camila. Eu aqui também, mas ninguém nota…” — pensava, ajeitando o avental com raiva enquanto caminhava até a mesa.

Camila respirou fundo e seguiu seu trabalho, sentindo os olhares do chefe Henrique de longe, mas tentando se concentrar. O restaurante estava fervendo de movimento. Casais jantando, grupos rindo alto, turistas provando vinhos caros. O cheiro de massa fresca no ar, misturado com o som da chuva, criava aquele típico cenário de Nápoles: caótico e apaixonante.

Henrique, do caixa, observava entre um e outro. Sabia que amanhã Camila estaria mais perto do mundo que ele evitava. E isso o corroía por dentro.

Enquanto isso, Lorayne quase derrubava uma taça ao servir, de tanto pensar no que a prima teria ouvido do patrão.

— Eu vou descobrir, Camila… — murmurou, com os olhos brilhando de inveja.

E sem que ninguém notasse, uma noite comum começou a rachar.

Porque algumas sementes, quando plantadas com inveja, crescem como ervas daninhas — silenciosas, mas fatais.

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Comments

S.Kalks

S.Kalks

Pq todo mundo acha que mafioso vai sair matando todo mundo ou que vai ser um babaca com mulheres.
Sendo que na maioria das vezes eles são mais educados do que um a pessoa comum, pessoas tendem a confundir ralé com o alto escalão que na maioria das vezes, eles estudaram e foram educados com requintes, em escolas de prestígio, as vezes tem tutores a vida inteira.
Ser da máfia nem sempre vai gerar aquela esteriótipos de ser arrogante, presunçoso e mal educado.
Ou quem sabe uma criança ingrata que quer tudo pra si 🙄

2025-05-04

0

Marilena Yuriko Nishiyama

Marilena Yuriko Nishiyama

só espero que a Lorayne não atrapalhe a vida da Camila,principalmente neste jantar em que a Camila está responsável pelo atendimento

2025-04-27

0

Jéssica Bacchiega

Jéssica Bacchiega

Vai dar merda... Lorayne vai aprontar.
/Left Bah!//Right Bah!/

2025-05-02

1

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