Rodas Velhas, Sonhos em Movimento.

Camila saiu do banheiro enrolada na toalha, secando os ombros e os cabelos ainda pingando levemente. Vestiu-se rápido, calçando os sapatos enquanto olhava ao redor. Ao notar Lorayne ainda jogada na cama, o cenho dela franziu.

— Lorayne, você ainda não tomou banho? A gente precisa jantar antes de sair pro trabalho. Anda logo!

A prima soltou um suspiro teatral, revirando os olhos como se Camila fosse um fardo.

— Você é chata, Camila. A prima mais chata que eu tenho, sério. Eu odeio esse trabalho! Ainda vou ser rica, você vai ver!

Camila ajeitou a blusa, respirando fundo para não discutir. Seu tom estava calmo, mas firme.

— Pode odiar o quanto quiser... mas é o único trabalho que a gente tem. É isso que ajuda a sustentar nossa casa.

Lorayne levantou resmungando, saiu do quarto batendo a porta levemente com o ombro.

— Eu odeio quando a Camila acha que tá sempre certa. Que manda em mim... Ela pensa que é quem? Sempre será a pobretona dessa casa — murmurou para si mesma, enquanto caminhava até o próprio quarto.

Camila observou a prima sair, os olhos cansados, mas lúcidos.

— Lorayne nunca vai aprender — pensou. — Ela tem tudo... e vive achando que não tem nada.

Sentou-se na beira da cama por um segundo, ouvindo o silêncio que ficou no quarto depois da saída de Lorayne. Passou os dedos pelo cabelo úmido, respirou fundo.

— Prefiro trabalhar e ganhar meu sustento com dignidade. Sonhos vazios não colocam comida na mesa.

O clima ficou tenso, como se o ar carregasse todas as frustrações não ditas entre elas. O relógio marcava o tempo impiedoso — e a noite só estava começando.

Camila terminou de se arrumar, prendeu o cabelo num coque simples e desceu as escadas da casa com passos apressados. O cheirinho de comida fresca vinha da cozinha, e a mesa já estava quase pronta. Luciana, sua mãe, ajeitava os pratos com o avental ainda amarrado na cintura.

Camila se sentou à mesa, ajeitando a blusa discretamente. Luciana olhou para ela com a testa franzida.

— Cadê sua prima, Lorayne, filha?

— Mãe... quando eu saí do banheiro, ela ainda estava deitada na minha cama. Nem banho tinha tomado. E sabe que eu e ela não podemos chegar atrasadas. Mas tudo que ela faz é reclamar. Vive dizendo que vai casar com um homem rico... como se isso fosse solução pra tudo.

Luciana suspirou, colocando o garfo na mesa com mais força do que gostaria.

— Lorayne é igual à minha irmã... que Deus a tenha. Só falava disso também. Sonhava alto, falava em luxo, e riqueza... e no fim acabou casada com um homem humilde. E nem deu valor.

Camila abaixou o olhar, passando o dedo pela borda do prato.

— Mãe, eu já nem falo mais nada. Toda vez que eu tento, ela vira os olhos ou me chama de chata.

O clima na cozinha ficou pesado. O cheiro da comida agora parecia distante, encoberto por lembranças e frustrações. Luciana se sentou lentamente, parecendo cansada, tanto da rotina quanto da convivência.

— E o pai, Rogério... cadê, mãe?

— Não sei, filha. Saiu cedo e nem falou onde ia.

O silêncio que se seguiu foi mais alto que qualquer briga. As duas sabiam o que aquilo significava, mas nenhuma quis dizer em voz alta.

Camila olhou o prato ainda vazio à sua frente. Um peso tomou conta de seu peito, mas ela não podia se deixar fraquejar. Tinha Miguel, tinha a mãe, tinha um turno inteiro esperando por ela.

Lorayne desceu as escadas com saltos firmes, cabelo solto e maquiagem impecável como se fosse a caminho de um desfile, não de mais um turno cansativo no restaurante. O perfume que ela usava invadiu a cozinha antes mesmo de ela entrar. Camila levantou os olhos da comida, surpresa com o exagero.

— Layane, por que essa maquiagem toda? Você está indo trabalhar. E, pelo amor de Deus, tomou banho de perfume, foi? — assim diz Luciana.

Lorayne deu uma voltinha leve ao lado da mesa e piscou, cheia de si.

— Ah, tia... eu quero ficar cheirosa. Vai aparecer um cara rico lá na Cantina Santo Mare... ou então, quem sabe, eu conquisto o Henrique, já que a Camila não quer ele mesmo.

Camila suspirou fundo, largando os talheres por um momento.

— Eu não vou falar nada com você, Lorayne. Melhor você sentar e comer, tá?

Luciana ajeitou o pano de prato no ombro e cruzou os braços, encarando a sobrinha com firmeza.

— Olha, Layane... você tá parecendo minha irmã — que Deus a tenha. Não vai pelo caminho dela, não. Homem rico nunca é boa pessoa, minha filha. Ainda mais pra quem tá só sonhando e esquecendo da vida real.

Lorayne deu um risinho debochado, pegando o copo de suco.

— Ah, tia... eu quero ser uma madame. Ter um closet lotado, bolsa cara, joias... viagens. Vocês vão ver. Um dia ainda vou ser rica.

Miguel, sentado ao lado de Camila, deu uma risadinha sincera, sem entender direito o que aquilo tudo significava — pra ele, tudo ainda era leve.

Camila só balançou a cabeça, com aquele sorriso de quem já ouviu demais e prefere o silêncio.

O clima na mesa ficou estranho. Luciana voltou a servir em silêncio. Lorayne estava em outro mundo. E Camila, no meio de tudo, tentava manter os pés no chão. A comida estava quente, mas a tensão era fria.

Camila encarou a prima por um instante e pensou, sem dizer uma palavra:

— Um dia, Lorayne vai entender que dinheiro nenhum compra paz.

Naquela casa, cada uma tinha um sonho...

Mas nem todas estavam preparadas para o preço que ele custaria.

Minutos depois, Camila e Lorayne terminaram o jantar em silêncio. Subiram para escovar os dentes, cada uma presa em seus próprios pensamentos. Quando desceram novamente, o relógio já marcava o tempo apertado.

Camila deu um beijo na mãe e se abaixou ao lado do irmão.

— Até logo, meu amor — disse, fazendo cócegas em Miguel, que explodiu numa gargalhada contagiante.

— Para, Camila! — ele ria, se encolhendo. — Vai me deixar todo bagunçado!

Luciana sorriu de leve, observando aquele momento como quem guarda uma fotografia na memória. Camila pegou sua bolsa e caminhou em direção à porta, com Lorayne atrás.

Elas entraram no carro humilde de Camila, a lataria já mostrava o tempo e o esforço de quem não podia trocar de veículo com facilidade. Assim que a porta fechou, Lorayne bufou alto.

— Sempre vamos andar nesse carro velho, Camila?

Camila respirou fundo, encaixando a chave na ignição.

— Olha, Lorayne dá graças a Deus que eu tenho esse carro. Se não fosse por ele, a gente teria que sair muito mais cedo, andando até o ponto de ônibus. E você sabe... é longe.

Lorayne cruzou os braços e virou o rosto para a janela, sem responder. Aquele ar de desdém parecia fazer parte dela como maquiagem.

Camila ligou o carro, o motor roncou hesitante, mas pegou. Sem olhar para a prima, colocou o cinto e deu partida.

— Às vezes, você reclama demais das coisas que devia agradecer — pensou, mantendo os olhos na estrada.

A noite caía sobre Nápoles com suas luzes amarelas refletindo no asfalto molhado. Os becos, as avenidas movimentadas, o cheiro de comida no ar — a cidade tinha sua beleza própria, mesmo nas partes mais duras.

E naquele carro velho, entre uma que sonhava alto demais e outra que carregava o mundo nas costas, a noite apenas começava.

Mais populares

Comments

Machado - francis

Machado - francis

Melhor sensação do mundo você crescer aos poucos, olhar pra traz e ver seu carrinho velho se tornando cada vez mais novo, até conseguir o seu carro zero.

2025-05-03

2

Jéssica Bacchiega

Jéssica Bacchiega

A Lorayne parece querer tudo fácil. Mal sabe ela o quanto essa ambição sem limites pode cobrar caro. Vai sofrer, coitada./CoolGuy/

2025-05-02

1

Jéssica Bacchiega

Jéssica Bacchiega

Se eu fosse a Camila, já tinha dado uns tapas na cara dela pra ver se acorda para realidade.
/Panic/

2025-05-02

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!