Na manhã seguinte, vesti uma roupa simples, prendi o cabelo num coque malfeito e fui até o café do navio. Não estava com pressa. Queria apenas o gosto quente do café, um pão com manteiga e o mar pela janela.
Mas ele estava lá. Estevan. Sentado numa mesa perto da janela, com um livro aberto e um cappuccino quase intocado. Quando me viu, sorriu daquele jeito calmo que ele tem — como se sorrir para mim fosse natural, sem esforço.
— Bom dia, Ana — disse. — Senta comigo?
Hesitei por um segundo, e então aceitei. Por que não?
Conversamos como sempre: com leveza. Sobre a parada do dia, sobre o clima, sobre o sabor do café. Ele me ouviu como se cada frase minha fosse importante, e isso ainda me desconcertava um pouco. Estava acostumada a ser interrompida, corrigida, diminuída.
Mas ali com ele, eu era só... eu. E bastava.
Ainda assim, uma parte de mim se retraía. Havia algo em Estevan que me atraía, sim — a maneira como ele me olhava, como respeitava meu espaço, como parecia carregar um mundo inteiro dentro do peito. Mas eu não estava pronta para isso.
Não ainda.
Porque dentro de mim, existiam memórias que não se apagam com gentilezas.
Cicatrizes que não se desfazem só porque alguém novo aparece.
Feridas silenciosas, feitas por palavras ditas aos poucos, por olhares que julgavam, por anos em que me fizeram acreditar que eu era insuficiente.
Eu queria confiar. Queria me entregar ao acaso, à possibilidade. Mas amor ainda era uma palavra grande demais. E frágil demais, pra mim.
Quando terminamos o café, agradeci. Sorri. E disse que ia dar uma volta sozinha. Ele assentiu, sem insistir.
— Quando quiser companhia, eu estarei por aqui — ele disse, com aquela tranquilidade que nunca exige, só oferece.
E eu continuei andando pelo navio com um nó doce no peito. Porque talvez, pela primeira vez, alguém estivesse disposto a esperar.
E talvez, eu estivesse disposta a me dar tempo.
fim do dia...
Eu precisava de silêncio. Não um silêncio triste — daqueles que apertam o peito — mas um silêncio leve, quase raro, que permite ouvir a si mesma.
Então, naquele fim de tarde, decidi subir para a área reservada do navio. Por fazer parte do clube eu tinha direito a um espaço mais calmo, com espreguiçadeiras voltadas para o mar, uma pequena piscina de borda infinita e o bar servindo drinks com nomes elegantes demais.
Levei um livro que nem abri. O mar estava mais interessante. Me deitei, fechei os olhos, e só deixei o vento brincar com meu rosto.
Foi só quando ouvi uma risada baixa — conhecida demais para ignorar — que abri os olhos. Estevan.
Sentado a poucas cadeiras de mim, com uma taça de vinho branco e óculos escuros, conversava com um dos garçons. Ria com sinceridade.
Quando me viu, ergueu a taça e sorriu, como quem diz: “que coincidência boa.”
— Você também descobriu esse cantinho? — perguntou, se aproximando com calma.
— Descobri hoje — respondi. — Achei que fosse um lugar onde ninguém viria me achar.
— Posso fingir que não te achei, se preferir — disse, com aquele humor gentil.
Sorri, sem saber o que fazer com o calor que ele me provocava. Ele sentou-se na espreguiçadeira ao lado, mas não tentou se aproximar mais. Não invadiu meu espaço. Apenas ficou ali. Presente.
— Aqui é bonito demais — comentei, olhando o mar que parecia tocar o céu.
— E você parece em paz aqui — ele respondeu.
Aquilo me tocou mais do que deveria.
Porque eu estava. Pela primeira vez em anos.
Ficamos em silêncio, lado a lado. Eu não disse que estava feliz por vê-lo, mas estava. Não disse que sentia algo crescendo entre nós, porque ainda havia um muro dentro de mim — um muro alto, feito de medo e lembranças.
Mas naquele instante, percebi que ele não tentava escalar esse muro. Ele apenas... esperava. Do outro lado. Paciente.
O sol começou a se pôr devagar, tingindo o céu de um laranja profundo, quase dourado. Estevan ainda estava ao meu lado, e a presença dele, mesmo silenciosa, era confortável como uma brisa morna no fim do dia.
Foi então que ele se virou para mim, com aquele olhar que sempre parece medir o tempo certo das palavras.
— Ana… — começou, com uma calma que me desarmava — eu ia jantar sozinho hoje, mas... pensei que talvez você quisesse me fazer companhia.
Meu primeiro impulso foi recusar. Medo? Talvez. Ou aquele velho hábito de me sabotar antes que algo bom aconteça. Mas respirei fundo, olhei para ele e percebi que ali não havia pressão. Só um convite.
Simples.
Honesto.
— Acho que eu adoraria — respondi, com um sorriso contido.
Ele sorriu de volta, com algo que parecia alívio e contentamento misturados.
— Te pego na sua cabine às oito?
Assenti.
— Cabine 7424, a da porta com um adesivo de estrela — brinquei.
— E eu sou o 7425 — disse ele, rindo. — A coincidência mais conveniente dessa viagem.
Ficamos ali mais alguns minutos, até que decidi ir me arrumar. Levantei devagar, ainda um pouco surpresa com minha própria leveza.
— Até mais tarde, Ana.
— Até, Estevan.
E enquanto caminhava de volta à cabine, sentia meu coração bater com uma expectativa que não era medo, nem ansiedade. Era outra coisa. Uma pontinha de esperança…
E uma vontade inesperada de me arrumar para alguém que não me obrigava a ser nada além de mim.
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Atualizado até capítulo 53
Comments
Ales ✨️
Quanta sensibilidade... muito bonito o texto. É isso que arte representa, e escrita é arte.
2025-05-01
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