coincidência ou destino

Ele apareceu como quem não queria nada, mas seus olhos diziam o contrário. Não era o tipo de homem que se impõe — era o tipo que se aproxima com calma, como quem sabe o valor do silêncio.

Quando falou comigo, eu senti. Não só ouvi. Senti as palavras como quem sente o mar: primeiro na pele, depois por dentro.

“Você tem algo... luminoso.”

Fiquei sem saber o que responder. Ninguém nunca me disse isso. Ninguém nunca me viu assim.

Sentei-me melhor na espreguiçadeira, puxei as pernas e fiquei ali, encarando aquele homem com jeito sereno e voz firme. Chamava-se Estevan. Me contou que embarcou sozinho, assim como eu. Que já fez outros cruzeiros, mas nunca um de volta ao mundo.

— Estou tentando fugir da rotina — ele disse.

— E eu… — hesitei, mas deixei escapar — estou tentando fugir de mim mesma.

Ele sorriu. Não de deboche, mas de compreensão. Um sorriso que dizia “eu entendo”, mesmo sem perguntar nada.

Conversamos por horas sem perceber. Sobre viagens, livros, sobre o céu daquele lugar que parecia fora do tempo. O mar era um manto escuro ao nosso redor, e as estrelas, cúmplices da nossa conversa.

Em certo momento, fiquei em silêncio e apenas o observei. Os traços maduros, os olhos castanhos com uma leve sombra de mel, o jeito tranquilo de quem não quer consertar ninguém — só estar ali.

Foi aí que me dei conta: eu não estava mais sozinha. Não porque ele estava ao meu lado, mas porque, pela primeira vez, eu me acompanhava.

E naquele instante, tive uma certeza suave: talvez a vida estivesse apenas começando a me devolver o que eu pensei ter perdido para sempre.

A madrugada já se estendia quando me dei conta de que precisava — enfim — tentar achar minha cabine. Olhei para Estevan com um meio sorriso e um suspiro divertido.

— Acho que agora preciso mesmo me achar. Ou melhor, achar minha cama antes que o sol nasça.

Ele riu, se levantando junto comigo.

— Vamos. Se quiser, te acompanho. Sou ótimo em mapas — disse, tirando do bolso o cartão de acesso dele, como quem saca uma bússola.

Seguimos pelos corredores ainda meio vazios, iluminados por uma luz suave. Meus pés estavam cansados, mas meu coração leve. Conversávamos e ríamos como velhos conhecidos. A cada passo, sentia menos medo de estar vivendo aquilo — menos medo de mim mesma.

Quando dobramos um corredor, parei diante da porta da minha cabine. Olhei o número, confiante.

— É essa. Finalmente — falei, vitoriosa.

Estevan deu um passo adiante, olhou para a porta ao lado, e ergueu uma sobrancelha com surpresa.

— Não acredito... — disse, mostrando o cartão dele. — A minha é essa aqui.

Ficamos em silêncio por um segundo, os dois meio atônitos, depois rimos juntos. Um riso espontâneo, cheio de surpresa e leveza.

— O universo tem senso de humor — comentei, encostando na minha porta.

— Ou planos que a gente ainda não entende — ele respondeu.

Nos encaramos por um instante. Não houve beijo, nem promessas. Só aquele olhar que dizia “a gente se vê amanhã”, e o silêncio confortável de quem começa algo bonito sem precisar apressar nada.

Entrei na cabine, encostei a porta devagar, e fiquei ali, encostada, sorrindo sozinha.

Destino, coincidência, sorte... chame como quiser.

Eu só sei que, naquela noite, o mundo parecia pequeno o bastante para caber entre duas portas.

E talvez, entre dois corações começando a se reconhecer.

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