Cinzas de um Silêncio – Parte dois

Seis meses. Parece pouco tempo para uma vida inteira, mas para mim, foi o bastante para entender que eu ainda estava aqui. Que eu ainda respirava. Que eu ainda sonhava.

Foi num sábado qualquer, tomando café na varanda da casa que antes me prendia, que decidi: eu vou fazer aquele cruzeiro. O de volta ao mundo.

Sempre sonhei com isso — desde menina. Viajar pelos oceanos, conhecer culturas, ver o sol nascer em outros continentes. Mas Marcelo sempre dizia: “Nem morto.”

Pois é. Nem morto.

E agora, ele está morto.

E eu, viva.

Viva o suficiente pra entrar num site, escolher uma cabine com vista pro mar e clicar em “reservar” sem pedir permissão.

No dia do embarque, vesti um vestido leve, deixei o cabelo solto ao vento e carreguei uma mala com poucas roupas e muitos desejos. Quando pisei no navio, senti algo que há muito não sentia: empolgação.

Não sei o que vou encontrar nessa viagem. Talvez paisagens lindas. Talvez novos amigos. Talvez apenas a mim mesma, finalmente inteira.

Mas sei de uma coisa: pela primeira vez, estou indo em direção ao que eu quero.

E, ironicamente, Marcelo estava certo — ele só faria esse cruzeiro “nem morto”.

Eu?

Eu estou indo viva.

Mais viva do que nunca.

O navio era maior do que eu imaginava. Quando cheguei ao porto e o vi de longe, imponente, quase chorei. Mas não de tristeza. Era uma emoção nova, limpa, como se aquela embarcação enorme carregasse dentro dela todas as possibilidades que a vida ainda podia me dar.

Subi a bordo com o coração batendo forte. Fui recebida com um sorriso, uma taça de espumante, e um “bem-vinda a bordo” que parecia mais profundo do que qualquer saudação que já ouvi.

A cabine era linda. Uma varanda com vista para o mar, cama fofa, lençóis brancos, e um silêncio acolhedor. Corri as cortinas, abri a porta de vidro e me apoiei no parapeito. O cheiro de sal, o barulho das ondas, o horizonte se abrindo como um convite.

Respirei fundo.

Passei a tarde explorando o navio como uma criança em um parque de diversões. Salões dourados, piscinas, restaurantes com janelas panorâmicas, gente sorrindo em todas as direções. Não conhecia ninguém. E, pela primeira vez na vida, isso não me assustava.

Não me sentia sozinha. Me sentia livre.

Jantei sozinha, sim. Mas com prazer. Escolhi o vinho, o prato, a sobremesa. Sorri para o garçom. Observei os casais, os grupos de amigos, as famílias — e não me comparei a ninguém.

Ali, naquela primeira noite em alto-mar, percebi algo importante:

eu sou suficiente.

Com ou sem companhia.

Com ou sem passado.

E essa viagem? Ela não é uma fuga. É o meu reencontro.

Depois do jantar, voltei à cabine e escolhi um vestido vermelho que Marcelo jamais teria aprovado. “Chamativo demais”, ele diria. Pois era exatamente isso que eu queria ser naquela noite: visível. Viva.

A balada do navio estava lotada. Luzes coloridas dançavam pelas paredes, a música vibrava no chão e nos corpos ao redor. Entrei decidida, pedi um drink no bar e fui direto pra pista.

Dancei como se meu corpo tivesse esquecido o peso dos últimos anos. Como se cada passo dissesse: “Estou aqui. Ainda estou aqui.”

Bebi mais do que estou acostumada, mas cada gole parecia brindar a minha liberdade. Ninguém me dizendo que estou ridícula, que estou bêbada demais, que uma mulher “como eu” não se comporta assim.

Era só eu. E a música.

E a alegria escorrendo leve pelo meu peito.

Quando saí da balada, com os saltos na mão e o cabelo bagunçado, percebi que não fazia ideia de onde estava minha cabine. Corredores idênticos. Andares confusos. E eu rindo sozinha, girando como se estivesse num daqueles jogos de tabuleiro em que você precisa achar o caminho certo.

Tentei seguir as placas. Não funcionou. Peguei o elevador errado duas vezes. E então, simplesmente desisti — e fui parar de novo na área da piscina, iluminada por luzes suaves e reflexos da lua no mar.

Me joguei numa espreguiçadeira, ainda rindo. Meus pés doíam, meu rosto ardia de tanto sorrir, e minha cabeça girava suavemente com o efeito do álcool e da liberdade.

Ali, sozinha sob o céu estrelado, ri da situação absurda: perdida num navio gigante, no meio do oceano... e incrivelmente feliz.

Porque às vezes, a gente precisa se perder pra começar a se encontrar.

Mais populares

Comments

Dini

Dini

🤣🤣🤣🤣

2025-05-16

1

Ales ✨️

Ales ✨️

Ombros leves.

2025-04-24

1

Ver todos
Capítulos
1 cinzas de um silêncio
2 Cinzas de um Silêncio – Parte dois
3 Encantado pela mulher de vermelho
4 coincidência ou destino
5 Enfrentando os medos
6 renascimento
7 primeiro beijo
8 Primeira noite
9 Amanhecer
10 Confições
11 manhã em maceio
12 Condições parte dois
13 um pesadelo transformado em sonho
14 primeiro dia alto mar rumo a Europa
15 do pesadelo aos jogos
16 Um dia para descansar
17 mar cinzento
18 enfim terra a vista
19 sabores de Portugal
20 sonhos
21 matando a saudade
22 Valência Espanha
23 decisões
24 Primeiro tapa
25 Um café a sós
26 Ana em transe
27 ana narrando seu transe
28 Barcelona um sonho realizado
29 Estevan e suas indecisões
30 Ana refletindo
31 França e uma despedida
32 Roteiro Do cruzeiro
33 Sintomas
34 Uma grande descoberta
35 confirmação
36 Retorno ao Brasil
37 Organizando a vida
38 Isis
39 Estevan e sua decisão
40 Procura de Ana
41 Encontro com Ana
42 Reencontro palavras de Ana
43 Explicações de Ana
44 A carta que eu não li
45 Minha filha meu mundo
46 Nao estou mais só
47 Partida
48 Recomeço
49 Noite no duplex. A cidade dorme. Mas eles, não.
50 Sonhei alto
51 Decisão
52 Preparativos
53 Uma semana antes do sim
54 O grande dia
55 o grande dia parte 2
56 Rumo ao altar
57 Rumo ao altar parte 2
58 enfim casados
59 Despedida rumo a lua de mel
60 Noite em Paris
61 Paris
62 Florença, o Coração da Arte
63 Budapeste
64 Veneza
65 Roma
66 Praga e seus encantos
67 Até o Último Suspiro da Noite
68 Retorno ao Brasil
69 A primeira noite em nosso lar
70 Passado tenebroso
Capítulos

Atualizado até capítulo 70

1
cinzas de um silêncio
2
Cinzas de um Silêncio – Parte dois
3
Encantado pela mulher de vermelho
4
coincidência ou destino
5
Enfrentando os medos
6
renascimento
7
primeiro beijo
8
Primeira noite
9
Amanhecer
10
Confições
11
manhã em maceio
12
Condições parte dois
13
um pesadelo transformado em sonho
14
primeiro dia alto mar rumo a Europa
15
do pesadelo aos jogos
16
Um dia para descansar
17
mar cinzento
18
enfim terra a vista
19
sabores de Portugal
20
sonhos
21
matando a saudade
22
Valência Espanha
23
decisões
24
Primeiro tapa
25
Um café a sós
26
Ana em transe
27
ana narrando seu transe
28
Barcelona um sonho realizado
29
Estevan e suas indecisões
30
Ana refletindo
31
França e uma despedida
32
Roteiro Do cruzeiro
33
Sintomas
34
Uma grande descoberta
35
confirmação
36
Retorno ao Brasil
37
Organizando a vida
38
Isis
39
Estevan e sua decisão
40
Procura de Ana
41
Encontro com Ana
42
Reencontro palavras de Ana
43
Explicações de Ana
44
A carta que eu não li
45
Minha filha meu mundo
46
Nao estou mais só
47
Partida
48
Recomeço
49
Noite no duplex. A cidade dorme. Mas eles, não.
50
Sonhei alto
51
Decisão
52
Preparativos
53
Uma semana antes do sim
54
O grande dia
55
o grande dia parte 2
56
Rumo ao altar
57
Rumo ao altar parte 2
58
enfim casados
59
Despedida rumo a lua de mel
60
Noite em Paris
61
Paris
62
Florença, o Coração da Arte
63
Budapeste
64
Veneza
65
Roma
66
Praga e seus encantos
67
Até o Último Suspiro da Noite
68
Retorno ao Brasil
69
A primeira noite em nosso lar
70
Passado tenebroso

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!